Neil
É dia quando acordo. A chuva parou, os raios do sol penetram o casebre pelas frestas na madeira.
Ainda estou no sofá, só de cueca, o corpo dolorido. Olho no relógio de pulso, são sete horas da manhã. Só então me recordo dos acontecimentos da noite anterior. A rainha da cocada preta ainda está no meu quarto, ou saiu de fininho?
Levanto-me, ainda tonto pelo efeito do uísque, o gosto amargo da ressaca na boca. Entro no quarto, sem fazer barulho. Ela está profundamente adormecida na cama, os cabelos longos, louros, espalhados sobre o travesseiro, tem a fisionomia relaxada, os cílios naturalmente longos, a boca bem desenhada. Possui um magnetismo irresistível, que me atrai como um ímã. Sou capaz de passar uma eternidade olhando para ela sem me cansar.
Como se sentisse o peso do meu olhar ela acorda, pisca confusa, tentando assimilar onde está, percorre os olhos ao redor e os detêm em mim, quando então parece sobressaltada, sentando-se rapidamente, encolhendo-se de encontro à cabeceira da cama.
Arregala os olhos, como se estivesse assustada, percorrendo-os através do meu corpo, examinando as tatuagens, o volume na minha cueca. O que há de errado com ela?
Ontem parecia a dona do mundo, demitindo-me com autoridade, agora parece uma criança assustada.
-- Bom dia. – Falo.
Ela não responde, continua agindo como um animalzinho assustado.
Talvez sejam as tatuagens, moradores do interior acreditam que pessoas tatuadas são também drogadas e arruaceiras. Pensando nisso, vou até o armário e cubro meu corpo com um roupão.
-- Aceita um café ou prefere ligar logo pro reboque? – Insisto.
-- Reboque. – Ela responde, a voz é meiga.
Pergunto-me o que ela estava fazendo na estrada sozinha aquela hora da noite, debaixo daquela chuva. Onde estaria seu marido?
-- Quer ligar para seu marido também?
Seus olhos azuis assumem uma expressão de angustia. Preciso de um grande esforço para conter ao impulso de consolá-la com um abraço apertado. Está claro que há problemas entre ela e o marido. Não é por menos. Que espécie de idiota deixaria uma mulher como aquela dirigir sozinha à noite?
-- Não. Falo com ele quando chegar em casa. Agora só quero ir embora.
Será que você pode sair para que eu troque de roupas?
-- Claro. Se precisar usar um banheiro, fica ali. – Gesticulo para a porta.
Deixo o quarto, com involuntária relutância.
Na sala, telefono para o reboque, que estará aqui dentro de uma hora.
Como não sei a exata localização do carro dela, virá nos pegar na choupana.
Poucos minutos depois, Amanda deixa o quarto, penetrando a sala, com movimentos hesitantes, timidamente. Usa um vestido preto colado, que emoldura seu corpo perfeito.
-- Já telefonei pro reboque. Estão a caminho. Espero que você não tenha esquecido do nosso trato.
Ela me encara diretamente pela primeira vez aquela manhã. Há irritação no seu olhar lindo.
-- Não sou mulher de faltar com minha palavra. V ocê terá seu emprego de volta como prometi.
-- Não disse que você ia faltar com sua palavra, estava apenas me certificando de que você não mudou de idéia.
-- E por que eu mudaria? V ocê me deixou passar a noite aqui. Estou sã e salva.
Se aquela morena peituda não estivesse comigo na noite anterior, não tenho certeza se ela estaria tão salva assim.
Repreendo-me mentalmente, afastando o pensamento. Não posso desejar esta mulher, pois é casada com o suposto assassino que eu pretendo investigar.
-- Para onde você estava indo ontem a noite quando seu carro saiu da estrada?
-- Para Teresópolis.
-- Por que seu marido não foi como você?
Ela fica sem jeito. Evita meu olhar, mexe nervosamente numa correntinha de ouro que tem pendurada no pescoço. Está envergonhada.
-- Meu marido saiu ontem a noite.
Ainda não tinha voltado quando deixei a casa. – Fala, num fio de voz.
Droga! Não posso acreditar! O maldito solto por aí e eu em vez de segui-lo estou bebendo e fazendo sexo. Maldição! O que teria ele aprontado na noite anterior? Teria feito mais uma vitima? Se tiver, logo saberei pelos noticiários.
-- Parece irritado. Disse algo que o aborreceu? – Ela franze a testa.
Fico impressionado com o seu poder de percepção, normalmente não sou tão transparente assim.
-- Nada. Agora espere aqui. V ou tomar um banho.
Ela se mexe sem jeito, como se algo a incomodasse.
Não tento descobrir o que é, depois desta bola fora, só posso pensar em planejar uma estratégia para não deixar mais Douglas solto por aí sem minha vigília.
Demoro cerca de meia hora sob os jatos de água do chuveiro, livrando-me do cheiro de perfume barato que a morena me deixou e do nosso suor grudento. Após o banho, faço a barba, penteio os cabelos, visto a camisa de flanela, que me deixa parecido com um autentico peão e a calça jeans.
Encontro Amanda na sala, sentada no sofá, fitando fixamente a mesa sobre a qual comi a morena na noite anterior.
-- Vamos nessa? – Proponho.
-- Claro.
No instante em que ela fica de pé, há uma batida brusca na porta.
-- Quem é? – Quero saber antes de abrir.
-- Delegado de Teresópolis . – É a resposta.
Curioso, abro a porta. Há vários homens na varanda e pelos arredores. Entre eles reconheço Douglas, vestido formalmente, com roupas sociais. Tem a postura altiva e o rosto arrogante. Já o tinha visto em fotos antes, mas é a primeira vez que fico frente a frente com ele.
-- Estamos procurando uma mulher jovem, loura, olhos azuis. O carro dela saiu da estrada aqui perto. Por acaso você não a viu? – O delegado pergunta.
Não respondo de imediato, pois não sei qual a situação de Amanda, se quer que o marido saiba que está aqui.
-- Bom dia. – Fala Douglas, aproximando-se.
Mantêm as mãos nos bolsos da calça e me encara com altivez.
Parece muito calmo para quem não sabe onde a esposa passou a noite.
-- Este é o senhor Douglas, marido da mulher que procuramos. – Diz o delgado.
Olho novamente para ele. O suposto assassino de Rafaela.
Visualizo mentalmente o momento em que ele tira a vida dela, torturando-a, cortando seus mamilos enquanto ainda está viva, para depois enfiar uma bala na sua testa.
Sou invadido por um turbilhão de pensamentos sombrios. Meu desejo é de espancá-lo, arrancar os seus olhos enquanto agoniza, torturá-lo como fez com minha amada e depois matá-lo. Mas não tenho certeza se realmente foi ele.
-- Estou aqui. – Amanda surge na porta, passando por mim, atravessando-a.
Douglas não demonstra qualquer emoção ao vê-la, nem surpresa ou alivio. Não a abraça feliz por tê-la encontrado a salvo, como faria um homem apaixonado.
-- O que aconteceu com você? – Pergunta ele, com a frieza de quem pergunta a um estranho que horas são.
-- Estava me sentindo sozinha e resolvi dar uma volta em Teresópolis quando perdi o controle do carro.
-- E esse aí, quem é? – Ele se refere a mim.
-- É funcionário do sitio. Me deixou passar a noite aqui.
-- Que bom. Agora que está tudo bem podemos ir pra casa. Quer uma carona para o trabalho meu rapaz?
Puta merda! A mulher mais linda do mundo sai de casa sozinha a noite porque se sente só, dorme na casa de um estranho e o marido não esboça qualquer reação! Nem um vestígio de ciúme ou contrariedade. Esse cara só pode ser gay ou doente mental. No lugar dele eu estaria esmurrando as paredes.
-- Obrigada, mas vou na minha caminhonete. – Respondo.
Ele olha com desprezo para minha velha pick up e mais uma vez quero esmurrá-lo.
-- Estão até mais.
Ambos afastam-se sem se tocarem, sem agradecerem a mim ou ao delegado, que permanece em pé na varanda, observando a cena tão boquiaberto quanto eu.
-- Então meu rapaz, obrigada por abrigar nossa cidadã. Se precisar de alguma coisa, estou na delegacia. – Aperta-me a mão. – Até mais.
-- Até.
Ele gesticula para que os demais homens o sigam e parte na sua viatura, pela estrada estreita sem asfalto, lamacenta, que sobe pelo morro, levando à rodovia.
Quando todos partem tranco o casebre, embora duvide que alguém tente assaltar aquilo e parto para o sitio, a caminhonete em baixa velocidade, já que não tenho nenhuma pressa de chegar, de pegar naquele serviço horrível.
Raimundo me recebe com um largo sorriso nos lábios. Sabe que não estou aqui pelo emprego, já que lhe paguei milhares de reais para que me contratasse, porém não questiona meus motivos. Pela forma como age ao me ver chegar, percebo que temia que lhe tomasse o dinheiro de volta após minha demissão.
O trabalho é árduo, cansativo e incessante. Às dez horas da manhã, já estou fedendo a esterco de cavalo e a outras coisas que sequer imagino o que sejam. Minhas roupas estão sujas, minhas botas enlameadas. Na hora do almoço posso finalmente me sentar, sem qualquer dignidade, em cadeiras de madeira colocadas nos fundos da propriedade para a alimentação dos empregados, como se fossemos animais.
No final da tarde, Raimundo me manda aparar a grama do jardim próximo à imensa piscina, quando toda a fadiga adquirida durante aquele dia é compensada pela mais encantadora visão: Amanda surge do interior da mansão usando um minúsculo biquíni verde, expondo as curvas perfeitas do seu corpo, a pele rosada, uniforme, sem qualquer imperfeição. Tem os seios pequenos, tão firmes que a parte superior do biquíni dispensa alças; a barriga é achatada; a cintura fina; os quadris redondos e as coxas bem desenhadas.
Ela espalha bronzeador sobre a pele, não sei se é impressão minha, já que usa óculos escuros e fica difícil saber, ou se ela olha diretamente para mim antes de espichar-se sobre a cadeira de praia, permanecendo imóvel sob o sol fraco.
Paro de cortar a grama para observá-la, simplesmente não consigo desviar o olhar, é como se estivesse hipnotizado. Percorro os olhos por cada detalhe do seu corpo lindo e imagino mil coisas que poderia fazer com ela, deixaria aquela pele vermelha com a força das minhas mãos, depois a lamberia inteira, fazendo-a ficar molhadinha, para me receber.
O pensamento me causa uma ereção. Meu pênis fica tão duro que chega a doer dentro da calça.
De repente sou surpreendido por uma moça de cabelos vermelhos, que pula na minha frente usando roupas de corrida e tênis. É muito parecida com Amanda. Tem a mesma pele rosada e os olhos azuis.
-- Gostando do que vê? – Pergunta ela.
-- É uma bela paisagem. – Não nego, porém, disfarçadamente, jogo a camisa por sobre o jeans, escondendo a protuberância que se faz ali.
-- Ela é casada, sabia?
-- Sabia. Tive o prazer de conhecer o marido dela esta manhã.
Ela fita-me surpresa.
-- Ah, então você é o cara na casa de quem ela passou a noite.
-- Sim, mas não aconteceu nada.
-- E nem aconteceria, minha irmã é super fiel ao marido.
-- Então você é a irmã mais velha dela.
-- Sim. Rebeca ao seu dispor. – Ela estende-me a mão enquanto fita-me profundamente nos olhos, retribuo ao cumprimento, ignorando seu olhar sequioso. – E você, quem é?
-- Sou Logan, assistente do caseiro.
-- Então, Logan, o que você gosta de fazer para se divertir, quando não está olhando mulheres de biquíni?
Ia responder-lhe, mas Amanda vira-se de bruços sobre a cadeira de praia e perco a voz, pois a maneira como ela se move, seu traseiro empinado, oculto apenas pelo fio dental, é o mais fascinante espetáculo da terra. Não posso deixar de olhar.
-- Ei cara! Estou falando como você! – Rebeca se impacienta.
-- Ah sim, desculpe.
-- Nossa! Você está ligado mesmo na minha irmã. Pode tirar o olho, ela já tem dono. – Seu tom é arrogante e me irrita.
-- Não estou afim dela se é isso que você está insinuando. Estou apenas olhando, sem maldade.
-- Você não respondeu a minha pergunta.
-- Ah, sim, gosto de ir a um bar que tem no centro de Teresópolis.
-- O Bocadu’s ou o DNA?
-- Acho que se chama DNA.
-- Cara, eu adoro aquele lugar.
Qualquer dia desses podemos beber umas lá. O que acha?
-- Acho ótimo.
-- Amanhã é sexta. Podemos ir lá à noite.
-- Com certeza.
-- Então está combinado. Ás nove?
-- Fechado.
Ela se afasta correndo, partindo rumo à estrada. Sequer passa pela sua mente que não tomaria uma bebida com a cunhada de um assassino, que não quero amizade com ninguém daquela família.
V olto meu olhar para a deusa de biquíni, mas ela não está mais lá.
Maldita Rebeca que me impediu de apreciá-la um pouco mais.
A noite cai. Volto ao casebre, tomo banho, troco de roupas, vou até o local na floresta onde meu Audi está estrategicamente escondido, entro, examino o equipamento de filmagem, constatando que estão todos funcionando perfeitamente, ligo o carro e parto de volta para o sitio. Posiciono-me em um ponto da estrada onde não posso ser visto pelos moradores da mansão, mas posso ver quando Douglas sair.
Espero, os minutos passam lentamente. Por volta das nove horas um carro sai, um Dodge cor de prata novinho em folha. Não consigo ver quem está dirigindo, mas só pode ser ele. Espero que se afaste o suficiente para não perceber minha presença e começo a segui-lo de longe, com cuidado para não perdê-lo de vista.
Atravessamos Teresópolis, seguindo para o Rio de Janeiro, para a zona sul. Em Ipanema ele estaciona diante de um luxuoso edifício de onde logo sai uma mulher, alta, morena, sofisticada e entra no carro dele. Partimos novamente, rumo ao centro da cidade. Param diante de um restaurante, fazem a refeição mais rápida que já vi e saem. Antes que retornem ao carro, consigo tirar varias fotos de ambos juntos.
Servirão como provas.
Seguimos agora para a baixada fluminense, onde o corpo de Rafaela foi encontrado. Meus sentidos estão todos em alerta, sinto que algo vai acontecer e de repente não sei o que farei se acontecer. Devo deixá-lo matá-la, filmar tudo e entregar o vídeo à policia? Ou devo deixar a filmagem de lado e salvar a vida da moça? Os pensamentos causam um bolo no meu estomago.
Para minha total surpresa, eles entram num luxuoso e discretamente localizado motel. Será que pretende assassiná-la lá dentro?
Continuo esperando no carro, as horas passam com uma lentidão impressionante. São duas da madrugada quando eles deixam o motel. Se algo vai acontecer será agora. Mas nada acontece, ele a leva de volta para casa e parte de volta para o sitio.
Não foi desta vez que tive minhas provas, mas não faltará oportunidade. Se ele é capaz de trair uma mulher como Amanda não é difícil que seja um assassino.
Ao atravessar Teresópolis quero parar em um bar e tomar um uísque para relaxar, mas me recordo de que tenho que trabalhar pela manhã, no maldito emprego fatídico, preciso descansar um pouco antes que o dia comece.
Quando Douglas deixa a auto estrada, pegando a estradinha sem asfalto que leva ao sítio, preciso apagar os faróis, ou ele perceberá que tem um carro seguindo-o. V ou me guiando pelas lanternas traseiras do seu carro.
No instante em que ele atravessa o portão de entrada da propriedade, algo estranho acontece: uma mulher surge do interior da mansão, vai até ele e ambos dão inicio a uma frívola discussão, infelizmente não posso ouvir o que dizem, pois fico estacionado a alguns metros de distancia para não ser visto.
Como o farol do carro dele permanece aceso, consigo reconhecer a mulher, é Rebeca.
Parece bêbada ou drogada. Faz com que Douglas salte do veículo e tenta abraçá-lo, mas ele se esquiva do contato, segurando seus dois pulsos.
Ela é insistente, tenta levar seus lábios até os dele, como não consegue o agride, com unhas e dentes. Esmurra-lhe o peito, chuta-lhe as pernas. Ele não reage, apenas foge dos golpes. Afinal o que significa aquilo? Gostaria de entender.
Ficam naquela por mais algum tempo, até que ele se desvencilha dos ataques dela, volta para seu carro, dando a partida, deixando-a sozinha no portão. Ela caminha devagar para a garagem, com passos cambaleantes, como quem está embriagada, pega outro carro e dá a partida, seguindo rumo a Teresópolis. Me abaixo para não ser visto quando passar por mim.
Quando passo diante da entrada do sitio, rumo à minha choupana, vejo o carro de Douglas estacionado lá dentro. Imagino como Amanda deve estar se sentindo, por ter seu marido de volta a uma hora daquelas e por ter que passar a noite inteira sozinha naquela casa tão grande. Se não tivesse meus objetivos em mente, não me importaria em ir fazer-lhe companhia.
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Comments
Giulia Pereira
desconfio mais da cunhada louca apaixonada do que do Douglas
2024-01-07
8
Acacia de Lourdes
pensei tbm
2023-12-07
1
Edijane Silva
pensei o mesmo
2023-10-11
3