Neil
Ainda é noite quando desperto, posso ver a escuridão pelas fretas na madeira das paredes. Amanda está sentada numa cadeira ao lado da cama, imóvel como uma estatua.
Ainda usa o vestido com o qual estava na festa. Observa-me com olhos frios e ao mesmo tempo raivosos. Tem uma carteira de motorista nas mãos.
Sento-me no leito, fito-a no rosto.
Pergunto:
-- Tudo bem?
-- Não! Não está tudo bem Neil O’connell. – Fica em pé, atirando a carteira em mim. – V ai me dizer quem é você?!
-- Fique calma. Posso explicar tudo. – Como pude ser tão descuidado ao ponto de deixar meus documentos jogados pela casa?
-- Que outras mentiras inventou além do seu nome? – Ela grita.
-- Não precisa gritar, Amanda. Já disse que posso explicar. – Penso por um instante. O que dizer a ela?
Não há nada além da verdade.
-- Então explica. Estou esperando.
-- Sente-se, a história é longa.
Ela hesita por um instante, então volta a sentar-se na cadeira, cruzando uma perna sobre a outra, balançando um pé num gesto de impaciência.
-- Fui trabalhar no sitio pra investigar Douglas. Minha esposa, assim como algumas outras mulheres, foram brutalmente assassinadas, por um maníaco que as torturou e cortou seus mamilos antes de matá-las. Uma dessas mulheres foi vista pela ultima vez na companhia de Douglas, essa é a única pista que a policia tem. Por isso acho que ele é o assassino.
Ela olha fixamente para mim, um misto de tristeza, ódio e incredulidade nos seus olhos azuis, de onde as lágrimas começam a brotar.
-- Douglas pode ser um adultero, frio, indiferente, mas não é um assassino. Isso posso te garantir.
-- Ah, é?! Como você pode me garantir isso?! – É a minha vez de gritar, a fúria tomando conta de mim por vê-la defendendo-o.
-- Eu sei que ele não seria capaz de tamanha brutalidade, sou casada com ele há cinco anos o conheço o suficiente para afirmar que não fez o que você diz. – Ela afasta uma lagrima com a mão. – Quanto a você, não posso dizer o mesmo.
Chega aqui dando uma de bom moço, mas até o nome mentiu. Eu não sei quem é você.
Coloco-me em pé, aproximando-me dela. Ela afasta-se, estendo a mão para me deter.
-- Por favor não se aproxime de mim.
-- Não fale assim Amanda. Ainda sou eu, o Logan que você conhece.
Apenas meu nome mudou.
-- Eu me lembro de você. Quando a policia interrogou Douglas por causa de um desses assassinatos, pesquisei sobre os casos, me lembro da sua esposa, ela se chamava Rafaela. V ocê é publicitário, tinha os cabelos longos.
Fico chocado pelo fato de ela saber de tudo aquilo. Se o investigou é porque também desconfia dele e ainda assim o defende. Talvez seja apaixonada de verdade por ele e tudo o que aconteceu entre nós, para ela, não passou de sexo.
-- V ocê disse que sua mulher morreu de câncer. Que mentiras mais inventou pra mim, seu desgraçado?! – Há ódio no seu olhar e isso me magoa mais que golpes físicos.
-- Nenhuma. Todo o resto foi verdade. Inclusive meus sentimentos por você são verdadeiros. Eu te amo Amanda. Estou disposto a esquecer tudo, deixar a investigação de lado se você concordar em viver comigo, longe desse lugar e de Douglas.
Ela encara-me em silencio por um longo momento. As lagrimas banhando seu rosto. Daria dez anos da minha vida para saber o que está pensando.
-- V ocê só pode estar brincando.
Quer mesmo que eu deixe o meu marido por alguém que mente pra mim? Que acusa uma pessoa inocente sem ter prova alguma?
-- E por que você ia querer continuar vivendo com ele, se sei que não o ama? É pelo dinheiro que ele tem?
Ela desfere-me uma bofetada no rosto.
-- Nunca mais quero ver você Logan. Ou seja lá como você se chame. Não volte ao meu sitio ou mandarei que o expulsem de lá. – Ela faz menção de sair.
-- Então quer dizer que o que aconteceu entre nós não significou nada pra você? – Pergunto, desesperado com a idéia de não voltar a vê-la, de nunca mais tê-la entre meus braços.
-- O que aconteceu foi entre mim e um homem que não existe. Com você nunca tive nada. – Sem mais palavras, deixa o quarto, saindo para o novo dia que começa.
Quero ir atrás dela, pedir, implorar para que fique, mas não tenho coragem de me rebaixar. Ademais está muito nervosa, nada do que eu disser ou fizer agora a fará mudar de idéia.
V olto a sentar-me na cama, enquanto ouço o ronco do motor do seu carro afastando-se.
A dor me dilacera por dentro. Não consigo aceitar que ela prefira Douglas, um homem que a trai, a trata com indiferença, que pode ser um assassino à mim. Talvez seja realmente pelo dinheiro, talvez seja incapaz de viver sem o luxo que este pode lhe oferecer.
Passo o dia mergulhado naquele inferno. Sentindo-me o ultimo dos homens. Quando a noite cai, só me resta voltar a seguir Douglas. Não posso mais vigiá-lo durante o dia, mas posso à noite. À essa altura a mãe de Amanda já voltou para o Rio, ele está livre para voltar a encontrar sua amante e quem sabe me dar as provas de que preciso, agora com mais urgência, para mostrar também à Amanda que ele é um assassino.
Tomo um banho demorado, visto roupas limpas, sigo para o local na mata onde meu Audi está escondido e parto rumo ao sitio, estaciono no local de sempre, esperando ele sair.
Observo a sacada com esperança de ver Amanda, mas nada acontece.
Por volta das nove horas ele deixa a casa no seu Dodge cor de prata.
Espero que se afaste o suficiente para não perceber minha presença e o sigo de longe.
Fazemos o mesmo percurso de todas as noites em que ele sai.
Passando por Teresópolis, seguindo para o Rio de Janeiro, para o prédio onde mora Camila. Logo ela surge do interior do edifício, bem vestida, com um largo sorriso no rosto. Entra do Dodge e seguem para um restaurante na Barrada da Tijuca.
Após o jantar, vão para o motel.
Nada de anormal acontece, a não ser o fato de que demoram mais tempo no motel desta vez, talvez matando a crise de abstinência, afinal foram vários dias sem se ver.
Ele a leva de volta para casa, deixando-a diante do prédio como sempre e volta para o sitio.
O sigo até que entre em casa, passo adiante com os faróis apagados.
Deixo o Audi bem escondido na floresta e dirijo-me para a choupana à pés. Ao aproximar-me ouço vozes agitadas. Escondo-me atrás dos arbustos para observar. A choupana está transformada em uma montanha de cinzas; os profissionais do corpo de bombeiros ainda estão presentes;
vejo o delegado de Teresópolis entre eles.
Chocado com a cena, aproximo-me.
Todos param para olhar para mim.
-- Que alivio ver você meu jovem.
Pensamos que estava morto. – Diz o delegado.
-- O que aconteceu aqui? – Pergunto.
-- Sua casa foi incendiada. Um cidadão ia passando de carro pela rodovia, viu o clarão e acionou os bombeiros. Mas não deu pra salvar muita coisa, quando eles chegaram já estava praticamente tudo destruído.
-- E o que o senhor está fazendo aqui se não faz parte do corpo de bombeiros?
Ele hesita antes de responder.
-- Bem, os rapazes encontraram evidencias de que não foi um incêndio acidental. Começou de dentro para fora e haviam tábuas de madeira pregadas na sua porta de saída. Está claro de que foi uma tentativa de assassinato. Alguém viu sua caminhonete estacionada do lado de fora e achou que você estava em casa. Quem você acha que poderia ter feito isso?
Minha mente trabalha rapidamente.
Penso em Douglas. Mas ele não sabe que o estou investigando a não ser que Amanda tenha lhe revelado isso e se o fez é possível que seja sua cúmplice. Ele estava com Camila durante a noite, mas pode ter contratado alguém para fazer o serviço durante o dia.
Amanda é a única pessoa que sabe quem sou eu, que estou investigando o caso, que teria motivos para me deter. E se for a assassina? Se for ela o monstro que torturou as amantes do seu marido, arrancando seus mamilos e as assassinando?
Sua reação ao descobrir que eu investigo Douglas foi no mínimo estranha essa manhã. Demonstrou ser uma mulher apaixonada pelo marido. E se for apaixonada ao ponto de matar suas rivais?
Nenhuma hipótese pode ser descartada agora.
-- Tem algum inimigo Logan? – O delegado insiste.
Não estou disposto a revelar a ele o que realmente me trouxe ali, conheço delegados de cidades pequenas, sempre defendendo seus cidadãos, principalmente os cidadãos ricos.
-- Não senhor, não tenho nenhum inimigo. Devem ter pensado que outra pessoa morava aqui. – Minto.
Ele me encara desconfiado.
-- O que pretende fazer agora?
-- Procurar um hotel em Teresópolis.
-- Por que não pede abrigo ao seu patrão. O senhor Douglas é um homem muito generoso.
-- Não trabalho mais para ele.
A desconfiança se acentua no seu olhar.
-- Onde você estava sem sua caminhonete?
-- Caçando. – Respondo sem pensar.
-- E onde está sua arma de caça?
-- Deixo escondida na mata, para a próxima caçada.
-- Não pegou nada hoje?
-- Nadinha.
É como um joguinho bobo, ele sabe que estou mentindo enquanto eu finjo que não percebo.
-- Se pretende se hospedar na cidade te recomendo uma pensão chamada Consuelo, é da minha prima Consuelo, fica no centro da cidade, fácil de encontrar.
-- Procurarei sim. Obrigado.
-- Quer uma carona até Teresópolis?
-- Não obrigado. V ou na minha caminhonete.
-- Ok. Mas preciso que você vá à delegacia amanhã para fazer um boletim de ocorrência.
-- Acho que não será necessário.
Ele me encara como se a desconfiança lhe causasse coceiras em lugares do seu corpo que suas mãos não conseguem alcançar.
-- V ocê é quem sabe. Tenho que ir agora. – Gesticula para que seus homens o sigam. – Se mudar de idéia, estarei na delegacia.
-- Pode deixar. Obrigado.
Entra na sua viatura e parte, seguido por mais dois carros. Os bombeiros recolhem seus equipamentos e vão embora.
O dia começa a clarear. Aproximo-me do que restou do casebre, não é muita coisa, mas é possível ver o pedaço de madeira nova que segurava a porta para que eu não saísse se estivesse lá dentro. Tenho certeza de que a pessoa que fez isso é a mesma que assassinou Rafaela e que vem assassinado todas aquelas mulheres. Só me resta saber se foi Douglas, Amanda, ou os dois juntos.
Tenho alguma vantagem sobre meus inimigos, pois acreditam que estou morto. Estando isolados no sitio dificilmente saberão que seu plano falhou. Mas não consigo pensar em nada agora, estou exausto, passei a noite em claro, preciso descansar.
Então, entro na minha caminhonete, seguindo para Teresópolis. Não procuro a pensão que o delegado me indicou, hospedo-me em um hotelzinho simples num bairro recôndito chamado Taquaral, onde dificilmente serei encontrado pelos meus inimigos. Por sorte carregava meus documentos e cartões de credito na carteira quando incendiaram o casebre, perdi apenas as roupas.
O quarto onde fico é simples, porem aconchegante. Mobiliado por uma cama de solteiro, um armário antigo, um criado mudo, uma poltrona e uma mesinha que compota uma televisão. A limpeza deixa o ambiente agradável.
Certifico-me de que a porta está bem trancada, tomo um banho demorado e, como não tenho o que vestir, deito-me completamente nu na cama, adormecendo rapidamente.
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Comments
Maria Luiza Giuliani
Ciúmes da Rebeca pelo desprezo de Logan
2024-07-10
2
Maya
E se amanda tiver matado as amantes do seu marido?
2024-04-09
1
Katia Sousa
eu acho que a assassina é a Rebeca
2024-01-06
4