15 • Harbor

Alexa é aquela típica competidora que fica frustrada sempre que algo da errado ou perde. E para seu azar o que eu não tenho de sorte na vida, tenho no jogo.

— Vamos mais uma! — exclama batendo a mão no centro do tabuleiro assim que terminamos a rodada.

— Se sua sorte fosse do tamanho do teu espirito competidor, com certeza já teria ganho. Eu passo a vez, estou cansada. — Levanto da cama me alongando.

Esta tarde e mesmo que tenha dormido me sinto cansada enquanto ela parece mais acordada que nunca.

— É como dizem, sorte no jogo azar no amor. Não me admira que tenha se envolvido com Eloise.

Estreito os olhos encarando ela.

— Não é como se a sua vida amorosa estivesse na melhor fase, não acha? — Pego minha bolsa e caminho até a porta.

— Ei, ei, aonde vai? — pergunta rapidamente.

— Comer alguma coisa enquanto espero você esquecer essa bobagem sobre Eloise e eu. — Nem me dou ao trabalho de parar enquanto respondo.

...***...

Quando Alexa recebe alta minhas costas agradecem. Pela primeira vez me senti confortável naquele quarto, foi como chegar em casa após uma longa viagem.

Cedo ela voltou ao trabalho, mesmo que em casa, mas no primeiro sinal de que estava bem, voltou a ir para a empresa. Quem não gostou nada foi Eleanor que assim que a filha atravessou a porta de saída começou a me encher a paciência como se eu tivesse algum poder sobre Alexa e não tivesse problemas suficiente.

Aproveitei o tempo livre de ameaças para fazer compras. Apenas ao ver as ruas e lojas enfeitadas lembrei que o natal está próximo. Gastei horas comprando roupas e alguns acessórios, algo que no passado nem em meus melhores sonhos imaginaria fazer.

Nos dias seguintes não vi Alexa chegar. Ao contrário de Eloise que foi necessário eu criar uma rotina baseada na dela para evitar encontros desagradáveis.

Eram quase duas da manhã, eu estava de camisola e sob as cobertas, rolando na cama quando chutes na porta me assustaram. Acendi o abajur e avistei a silhueta de Alexa cambaleando pelo quarto, peguei o robe e após vestir fui rapidamente acender a luz. O cheiro de álcool era forte e ela praguejava a cada vez que tropeçava em um móvel.

Corro para ajudá-la e ao passar o braço ao redor da cintura dela que sorriu daquele jeito idiota de bêbado apontando para meu rosto, me chamando de minha adorável esposa.

Ri da situação, ajudando ela a subir os degraus da escada ouvindo as baboseiras que diz.

Ela praticamente se joga sobre a cama e quando finalmente cubro seu corpo com o edredom respiro fundo cansada, sentando ao lado.

— Obrigada minha princesa — murmura sorrindo de olhos fechados, segurando em meu braço me fazendo rir.

— Estou mais para sua mãe. — Dou um tapa na mão dela e levanto. — Você não pode beber, Alexa.

— Katherine? — chama quando eu já saio. — Eu sou rica, bonita, tenho senso de humor e... — Ri feito uma idiota. — Sou boa de cama — cochica me fazendo rir e voltei a sentar a seu lado. — Não é que eu queira que você se apaixone por mim, não é isso. Você sabe eu tenho a Hazel.

— Ah, claro. — Prendo o riso dando tapinhas em sua mão.

— Mas confesse, você se apaixonaria por mim.

— Você não faz o meu tipo — murmuro.

— Se eu não tivesse a Hazel poderíamos tentar ser um casal de verdade. Minha família ficaria feliz com isso...

— Quem deve ser feliz é você — falo pensativa.

Após um tempo em silêncio enquanto eu penso sobre nossa breve conversa, noto que ela adormeceu e a expressão em seu rosto é como se estivesse tendo um sonho ruim.

Devagar deito ao lado e com o dedo indicador tento desfazer aquelas ruguinhas entre suas sobrancelhas, mas Alexa abre os olhos de repente e fico sem reação. Ficamos nos encarando sem nada dizer, sem nenhuma ação além do piscar involuntário de nossos olhos que não desviam um segundo sequer. Tento ler aquelas orbes escuras e decifrar o que há em sua mente. Provavelmente nada que faça sentido diante do quanto está bêbada.

Tudo parece paz e calmaria até ela repetidamente mover a mão trazendo em direção a meus lábios, onde desliza os dedos, contornando-os de um lado para o outro como se estivesse analisando a textura, despertando em mim a mesma sensação de quando seus dedos tocaram minha pele ao abrir os botões de meu vestido no dia de nosso casamento.

— Se eu te beijar agora, quando o dia amanhecer esqueceremos tudo?

Meu coração bate em um ritmo desenfreado ao ouvir aquela pergunta. A voz de Alexa saiu em um sussurro enquanto os dedos em meus lábios deslizam para a lateral de meu rosto seguindo direto até minha nuca onde ela os move devagar em uma acaricia.

Eu digo para mim mesma que suas ações e palavras são apenas consequência da embriaguês e que a reação de meu corpo é devido a carência.

Vamos, diga que esquecerá tudo, mas faça ela lembrar todos os dia, desejando mais de você. Faça ela te desejar mais que a qualquer outra. Torne-a dependente de ti, tanto quanto você é dependente das mentiras para sobreviver nesse momento.

Aconselha a voz em minha mente.

Me aproximo um pouco mais dela na cama e nossos rostos que antes estavam a mais de um palmo de distância, ficam a bem poucos centímetros, permitindo que eu sinta sua respiração tocando minha face. Por um momento acho loucura, que não há porque me envolver com Alexa. Mas aquela voz volta a me dizer que ter alguém em quem me agarrar ainda é uma boa idéia.

Sou fraca demais para sobreviver sozinha e por algum motivo vejo em Alexa um porto onde posso atracar.

Foi feito um barco à deriva que minha boca buscou aquele porto onde eu me prenderia.

— Será como se nada tivesse acontecido — sussurro antes que meus lábios se unam aos dela.

Apenas início e ela pressiona a mão em minha nuca tomando as rédeas, coordenando os movimentos e deixando minha mente em branco.

Talvez os dedos de Alexa tenham estudado o suficiente de meus lábios e naquele momento seu cérebro mandava as instruções corretas para a boca que encaixou-se a minha tão perfeitamente.

Sinto quando ela levanta um pouco o corpo, sem perder o ritmo do beijo, sem que meus lábios escapem dos seus.

Penso que posso passar horas correspondendo a cada movimento sem pressa alguma para acabar, mas meu corpo avisa que não, eu não posso passar horas apenas correspondendo a aquele beijo sem desejar mais.

Sinto em meu íntimo a consequência de ter sua língua quente percorrendo minha boca e o desejo de senti-la se encaixado a mim faz com que meu corpo reaja e involuntariamente movo os quadris, como se buscasse contato, desejando mais, muito mais que sua boca junto a minha.

Um gemido escapa por meus lábios sendo abafado pelos dela e penso que esse será o fim, pois sua boca se afasta minimamente. Mas ela apenas prende e suga meu lábio inferior voltando a me beijar, dessa vez de forma urgente.

Como se seu corpo estivesse em completa sintonia com o meu que pede aproximação, ela se colocou entre minhas pernas e dobro ambas para encaixá-la melhor. Sinto o roçar de seu corpo contra minha fina calcinha e novamente sai um gemido por meus lábios, não sendo mais responsável pelo movimento de meus quadris em busca de cada vez mais contato.

Meus dedos em sua nuca puxam os fios de seu cabelo e a cada vez que ela suga meus lábios ou língua, desejo sentir sua boca percorrendo meu corpo, mas o momento é quebrado quando ela afasta a boca de repente e ofego.

Por um momento penso que machuquei o local da ferida que obviamente ainda não cicatrizou.

Seu olhar esta tão fixo ao meu que me perco alí e não posso mais pensar em nada.

— Saia daqui — ordena me pegando de surpresa.

Alexa se moveu deitando ao lado e geme devido ao movimento brusco, levando a mão ao ferimento, me deixando preocupada. Sento na cama encarando ela que afirma estar bem, novamente dizendo para eu sair, mas dessa vez não como uma ordem e sim um pedido.

Mesmo que minha vontade nesse momento seja me entregar aos desejos de meu corpo, concordo, então levanto da cama e desço.

Quase não durmo pensando no quanto queria ter bebido para ao menos culpar o álcool quando encarar Alexa no dia seguinte.

O dia já esta quase amanhecendo quando nem mesmo os pensamentos insanos e sujos que rondam minha mente podem me manter consciente e finalmente adormeço.

Sonhando com Katherine e eu sendo esfaqueadas, acordo com um barulho vindo do closet e de certa forma agradeço por ter sido tirada daquele cenário aterrorizante que minha mente criou. O barulho não para, então sento na cama me perguntando o quê Alexa tanto procura. Ela sai de repente, já arrumada para ir trabalhar, tão linda e cheirosa que me sinto vendo a personagem de um filme.

Quando na vida eu teria a visão de uma mulher daquelas caminhando em meu quarto  com o cheiro do perfume — mais caro que você possa imaginar — tomando o ambiente e agindo como um entorpecente?

Quando em minha miserável vida eu imaginaria saber qual é o gosto do beijo dela e o calor de seu corpo junto ao meu?

— Você por acaso mexeu em minhas coisas? — pergunta apontando em minha direção, interrompendo meu momento de apreciação a sua beleza.

— Claro que não. — Minha voz ainda está falha, me fazendo lembrar que eu devo estar com a aparência horrível.

Mas desde quando me importo com minha aparência ou a dela? Volta para a terra Hanna, já faz semanas que você convive com essa mulher, não é como se tivessem casado ontem. Lembra, minha consciência.

— Tem certeza? — Insiste. — Não encontro meu relógio em lugar algum... Espera, acho que usei ele ontem.

— Deve ter perdido já que estava bêbada tropeçando em tudo. Aliás, por que as vezes bebe desse jeito, hein?

— Não, eu não o perderia — afirma para si mesma caminhando em direção a escada, ignorando minha pergunta.

Tenho vontade de jogar um travesseiro nela por me ignorar, mas até de costas a desgraçada me parece linda o suficiente para roubar minha atenção.

— Não é como se você tivesse apenas um — murmuro levantando.

Está difícil fazer qualquer coisa sem lembrar do que aconteceu naquela madrugada. Como ela consegue? Eu não consigo nem piscar sem imaginar onde aquilo poderia dar.

Ainda estou sonolenta por ter dormido pouco, mesmo assim pretendo ir tomar café ao lado daquela gente insuportável.

Quando termino de me arrumar, sentindo meu humor melhor que em qualquer outro dia, saio do quarto e levo um susto ao me deparar com Eloise, como se estivesse me esperando. Não paro de andar, sigo caminhando e ela me acompanha.

— O menino chega hoje — diz. — Ansiosa?

— Nenhum pouco — respondo de forma seca. — Sinceramente, espero que você consiga ao menos ser uma boa mãe. — Não posso dar mais um passo sequer, pois ela me puxa.

— Está me desafiando? — Sua mão aperta meu braço.

— Me larga! — Tento não demonstrar meu medo. — Não vou aceitar que use essa criança para me afetar. Afinal, não foi você quem disse que eu não mereço ser chamada de mãe porque joguei ele no lixo? Então por qual motivo me preocuparia agora?

— O que você acha que Alexa diria se descobrisse que você é esse tipo de pessoa? — Tento puxar meu braço, mas ela consegue me impedir.

— D-de onde você tirou que eu me importo com o que ela diria? — Vacilo no início, mas tento me manter indiferente.

— O que está fazendo? — Alexa surge tão silenciosa que me assustei quando ela me puxa e Eloise finalmente solta meu braço. — Não ouse tocar em Katherine dessa forma novamente.

Eloise dá aquele sorriso que a faz parecer uma louca e após me encarar sai caminhando em direção a escada.

Alexa por sua vez me olha de forma estranha e também sai.

O dia será marcado tanto pela chegada da criança quanto pela entrevista que eu e Alexa daremos no fim da tarde.

Eleanor facilitou as coisas quando após o café me entregou uma folha contendo o que devo dizer e evitar.

Todos já tinham ido para o trabalho e eu aproveito para procurar a roupa que vou usar na entrevista, mas ao entrar no closet a primeira coisa que vejo é o celular de Alexa encima do porta relógios. Pego o aparelho e ao ligar o visor vejo que há uma mensagem. Curiosa, passo o dedo na tela, mas está bloqueado então me pergunto que tipo de senha Alexa colocaria.

Começo a olhar nas gavetas e em tudo que é possível. Subo para o segundo andar até aquela mesa cheia de gavetas e papéis, vasculho tudo me perguntando se ela colocaria alguma data especial de relacionamento com Hazel.

Quando encontro uma agenda dentro da gaveta, folheei observando até encontrar uma data circulada, tento usar como senha, mas nada acontece. Olho mais da agenda e o último dia do ano está marcado com um X. Tento o dia e o mês e o telefone desbloqueia.

— Que previsível Alexa. — Sorrio enquanto abro as mensagens.

A mensagem é de um número que não está salvo na agenda, mas de fato foi enviada por Hazel pedindo para encontrá-la em um horário específico da tarde, afirmando que tem algo importante a dizer e no fim há um endereço.

Sem pensar duas vezes apago a mensagem, dizendo a mim mesma que não vou me sentir culpada ou arrependida, pois Alexa não vai largar tudo para viver com ela contra a vontade da família.

Durante a tarde me enfio naquela sala onde Eloise me arrastou naquele dia, e procuro um livro para ler, mas minha atenção sempre é desviada.

Eu tenho problemas demais e eles me impedem de fugir de minha realidade.

O pequeno relógio em meu pulso marca meia hora antes do horário em que Hazel pediu para encontrar Alexa.

Nos minutos seguintes travo uma batalha comigo mesma até levantar decidida a ir encontrá-la e tentar convencê-la a ficar longe daquela família e da mulher que não sai de meus pensamentos um minuto sequer.

...***...

Em uma rua do Brooklyn encaro o prédio de tijolos vermelhos enquanto os pequenos flocos de neve caem do céu.

Subo até o terceiro andar dizendo a mim mesma que consego fazer aquilo. Seria necessário tratá-la com certa crueldade se eu quisesse fazer com que se afastasse de Alexa, não adiantava nada ficar pedindo. Eu teria que mandar, exigir, levantar o queixo lá no alto e ameaçar de alguma forma.

Meus pensamentos são interrompidos quando me deparo com a porta do apartamento entreaberta. Olho ao redor me certificando de que é o lugar certo. E sem pensar muito empurro a madeira devagar. Chamo o nome de Hazel, mas não obtenho resposta.

Observando noto que não há quase nada, apenas um sofá velho na sala. Correndo os olhos pelo cômodo avisto a porta do quarto e não é necessário me aproximar muito para ver que Hazel está na cama. Chamando seu nome enquanto me aproximo, de repente chuto um objeto que ao olhar para o chão vejo ser uma faca suja de sangue e meu coração quase sai pela boca.

Voltando a olhar Hazel na cama vejo que está ensanguentada e meu primeiro pensamento é ligar para a emergência, mas meus olhos param o chão próximo ao móvel do lado da cama, onde está o relógio de Alexa. Apesar dela ter mais de uma dezena de relógios muito bem organizados, eu já tinha percebido que aquele era o que costumava usar e provavelmente o que estava procurando naquela manhã.

Me aproximo da cama tentando ver algum sinal de que Hazel está viva, mas não tem como saber sem tocá-la para verificar o pulso e eu não tenho coragem para tanto.

Pego o relógio e noto que há uma mancha de sangue na pulseira, mas no mesmo momento ouço passos no corredor. O apartamento é tão pequeno que o som parece ser dentro mesmo, me fazendo entrar em pânico ao imaginar ser vista.

As vozes se aproximam vindo da porta de entrada e minha primeira ação é abrir a pequena janela que dá para a escada lateral de emergência.

O desespero e nervosismo não são páreo para meu instinto de sobrevivência nesse momento. Sei que ser encontrada diante da amante de Alexa naquele estado me colocaria em mals lençóis. E não estou em condições de entrar em uma delegacia, pois a probabilidade de sair de lá é bem baixa.

Mais populares

Comments

Anne Jay

Anne Jay

Ih parece que alguém tá xonada hein

2024-05-05

0

Silvia Galdino

Silvia Galdino

Nossa que CAPÍTULO de tirar o fôlego Meu Deus

2022-11-01

5

Ver todos

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!