07 • Scissors

Mesmo sendo difícil respirar diante do susto, uso de todo meu alto controle para empurrá-la e assim que se afasta um pouco escapo de suas mãos.

Só então percebo que não estamos em um quarto, é uma espécie de sala de leitura com imensas estantes e poltronas.

Levo a mão ao peito, estou de costas para ela tentando me manter sã e buscando uma forma de fugir dessa situação estranha.

— Qual o problema? — Escuto sua voz próximo a mim e nem tenho tempo para pensar, logo suas mãos estão me puxando para junto a si. Seus braços envolvem meu corpo em um forte abraço por trás.

Fecho os olhos lamentando esse destino que parece estar brincando comigo.

— Eloise, seu marido... — É tudo que me vem em mente.

— Sinto tanto sua falta. Meu marido está sempre no próprio mundo, você sabe. Quando você disse que casaria com Alexa, a princípio achei um absurdo, mas confesso ter gostado de nosso joguinho inicial. E desde que posso vê-la, tendo você aqui perto sem precisar ficar viajando para poder te abraçar e sentir o calor do seu corpo, me faz acreditar que foi melhor que tenha aceito esse casamento.

Como reagir? O que poderia dizer nessa situação? Eloise e Katherine eram amantes e ela viajava até a França apenas para vê-la?

O motivo dela ter me procurado para tomar seu lugar fica cada vez mais claro em minha mente. Katherine desejava fugir não apenas do casamento, mas também das duas irmãs que conheciam ela.

É perturbador nutrir raiva de uma pessoa que está morta, mas não consigo perdoá-la por ter me colocado nessa situação sem aviso prévio.

A admiração que eu tinha por Eloise se esvaiu depois da informação. Ela mantinha tal relacionamento com outra e desejava seguir com a traição embaixo do mesmo teto que o marido. Definitivamente está longe da imagem que passa na internet.

— Alexa não passa de uma mimada apaixonada por uma morta de fome, mas Emily, essa é bem esperta, então mantenha ela o mais longe possível — diz. — Até o fim desse casamento, com cuidado podemos nos divertir muito.

Estou processando suas palavras quando ela segura meu rosto entre as mãos me encarando com seus olhos estreitos. Não tenho tempo para pensar, pois logo seus lábios estão junto aos meus.

Sinto sua respiração em minha pele, assim como seu toque, o cheiro que chega a me causa náusea. Eloise tenta aprofundar o beijo, mas sou salva por uma voz feminina chamando meu nome e rapidamente me afasto. Ouço uma batida na porta que deve ser a do quarto de Alexa e novamente a mulher diz o nome de Katherine, provavelmente uma empregada a minha procura já que não desci quando fui chamada.

— Droga! — exclama Eloise. — Vai, Eleanor deve estar te esperando a um bom tempo. — Apenas confirmo com a cabeça e saio rapidamente.

No andar inferior ao entrar na sala de visitas avisto Eleanor sentada na poltrona e no sofá ao lado está aquela mesma loira que Emily dissera ser a amante de Alexa.

Sento no sofá do outro lado e somos apresentadas, ela se chama Hazel e trabalha na fundação do grupo Vival. Sou informada sobre ganhar um cargo lá também e estranhamente a loira quem ficará responsável por me ajudar com tudo que eu precise. Eleanor manda ela embora logo em seguida, fuzilando-a com o olhar até que saia da sala, então me encara.

— Você já deve saber que essa menina tem sido a diversão de Alexa há algum tempo. — O tom e o olhar da mulher são de total desprezo. — Não passa de uma interesseira que ganhou destaque na fundação se esforçando para me fazer aceitá-la como nora. Quero que você dê um fim a isso antes que Alexa entre em algum escândalo por causa dela.

Sinto um pouco de pena da garota, provavelmente me odia por ter casado com Alexa, mas em nenhum momento transpareceu nada, ficou sempre quieta enquanto Eleanor falava e foi embora quando ela mandou.

O que eu posso fazer em relação as duas sendo uma falsa esposa?

Depois da breve conversa seguimos para a outra sala e almoçamos enquanto Eloise informa Sebastian sobre alguns assuntos referentes a empresa. Nem Emily ou Alexa estão presentes.

Após o almoço subo para o quarto onde fico o resto da tarde procurando o que fazer. Reorganizando as roupas no closet — mesmo que a empregada já tenha feito um bom trabalho —, procurando na Internet sobre a fundação, ou tentando até mesmo dormir.

Já é quase noite quando acordo após um pesadelo com Katherine, sentindo o coração acelerado e suada. O visor de meu celular esta ligado e sentando na cama pego o aparelho, vendo que é uma mensagem do Steve. Abro a mesma na esperança de que ele diga que a mensagem que recebi antes do casamento foi apenas uma brincadeira de mal gosto, mas infelizmente não é bem assim.

"Aproveitando a vida da casada? Lembra que a segunda parte do dinheiro seria após o casamento? Eu decidi adiar, antes você precisa fazer algo para mim. Quero um pen drive de cor prata em formato de coruja que provavelmente está nas coisas de Alexa. Você tem até amanhã a tarde para me entregar, caso contrário sua família pode passar por problemas. Boa sorte na busca."

Solto o celular e enfio as mãos em meus cabelos puxando-os levemente, a ponto de enlouquecer com aquilo.

Ameaças. Quantas ameaças terei que encarar daqui pra frente?

Não me restam muitas alternativas, então levanto da cama e sigo para o andar superior, aproveitando que Alexa ainda não chegou. Além da cama existe um armário e uma mesa repleta de gavetas onde vasculho a procura do bendito pen drive. Tem poucos objetos pessoais, quase tudo são papéis, nada encontro então parto para o armário, mas está vazio.

Enquanto lamento não ter obtido sucesso em minha busca, avisto uma porta que se confunde com o papel de parede e a maçaneta é quase imperceptível. Tento abri-la, mas está trancada.

— O quê está fazendo? — A voz de Alexa me faz paralisar com a mão na maçaneta e os olhos na porta.

— E-eu precisava de... Uma tesoura — respondo a primeira bobagem que surge em minha mente, ainda sem coragem de olhar em sua direção, mas ela mesma faz o favor de me puxar pelo pulso, virando meu corpo para encará-la com meus olhos assustados.

— Esse é o seu primeiro dia aqui e já acha que pode sair mexendo no que não deve? Esqueceu o que eu disse?

— Você fala como se eu tivesse que virar um móvel, não mexer em nada e não fazer nada, não permitir que minha presença seja notada, mas antes de casada com você, mesmo por conveniência, sou um ser humano, tenho... — Minha fala é interrompida quando ela praticamente joga meu corpo contra a parede, prendendo meu braço ao lado de minha cabeça.

— Diga o quê realmente procurava em meu quarto. — Sua voz é firme e o olhar me faz engolir em seco. — Não pense que sou idiota, Katherine.

O que posso dizer? O que dizer? Minha mente está em branco. Não sei como sair dessa situação. Alexa me encurralou e está tão séria que parece a ponto de me dar um soco.

Sem muitas alternativas e sem pensar duas vezes, seguro o rosto dela com  a mão livre e rapidamente uno nossos lábios. Alexa tenta se afastar, mas me agarro a ela passando o braço ao redor de seu pescoço.

Assim como no dia do noivado, não passa de um contato entre nossos lábios, nada que chegue a ser realmente um beijo e acaba quando ela usa um pouco mais de força me empurrando, fazendo com que caia na cama que fica ao lado.

— Você... O que pensa que está fazendo?

— Devolvendo o beijo que você me deu de noivado? — Levanto da cama e saio rapidamente.

Fugi.

Ao menos ela terá aquela cena bizarra para lembrar ao invés de pensar apenas em minha pequena invasão em seu espaço. Penso eu.

O mais importante não consegui e nem faço idéia de onde encontrar o tal pen drive.

Ela pensaria que eu tinha algum interesse? Me pergunto enquanto me acomodo à mesa para o jantar, percebendo que todos já estão presentes, inclusive Emily bem a minha frente.

O jantar é semelhante ao almoço. Percebo que Sebastian costuma falar sobre negócios com as filhas durante as refeições, menos com Emily que após ser questionada cortou o assunto e visivelmente enfureceu o pai. Ela não trabalha exatamente na sede da empresa, pelo que me disse na noite de nossa bebedeira, recentemente deixou o cargo de vice-presidente para Alexa e tornou-se gerente de um dos vários estabelecimentos que fazem parte do grupo Vival.

Pelo que pude notar Alexa ganhou aquele cargo por casar com a filha do ministro. E diante da forma ríspida que Emily respondia ao pai, cheguei a conclusão de que estava chateada por ter perdido para a irmã.

Com certeza o patriarca beneficia quem lhe traz mais lucros e Alexa ganhou muitos pontos com o casamento.

É difícil me concentrar na comida com tanto falatório, mesmo assim acho que passou rápido e quando penso que poderei deitar na cama e fingir que dormi para não encarar mais ninguém, tenho meu plano destruído.

Já estou com o pé no primeiro degrau da escada quando sou surpreendida por Alexa que segura minha mão e me arrasta para a área externa.

Eu ainda não tinha visto a piscina durante a noite, é linda por sinal, mas não posso apreciá-la.

— Vamos deixar algo bem claro aqui, você não pode sair me beijando quando bem entender — começa ela. — Nosso casamento não é real e jamais será! Não pense que irá me seduzir...

— Olha... — Interrompo levantando uma mão. — O que aconteceu mais cedo foi... — O que eu posso dizer? Suspiro desviando o olhar. — Bem, eu estava mexendo nas suas coisas e queria te fazer parar de me questionar o motivo. Apenas isso! Senti-me pressionada, mas jamais te beijaria desejando algo mais. Ah, e... Eu estava mesmo procurando uma tesoura, mas como você não acreditou em mim e...

— Chega, chega! — Me interrompe e acabo rindo de nervoso ao perceber que estava falando demais. — Do que você está rindo? Acha mesmo que tudo isso que disse faz algum sentido? — Nego com a cabeça e ela faz uma expressão um tanto engraçada. — Sua manipuladora barata, não pense que te deixarei fugir das situações sempre que usar desses artifícios.

Alexa sai em direção a uma das várias portas que dão acesso a casa e respiro fundo aliviada por ter conseguido sair viva daquela situação, mas quando viro, para também entrar, me deparo com Alexa de braços cruzados encostada a uma coluna, me encarando.

— Vocês se beijaram, hein? — Dá aquele sorriso debochado e lamento por ter falado alto demais. — Mas isso não vem ao caso. — Ela fica séria. — Seu beijo pode ter distraído minha irmã idiota, mas a mim você não engana. O quê estava procurando nas coisas dela?

Nem tive tempo para comemorar o fato de ter escapado de uma e lá está a outra me colocando contra a parede.

Que primeiro dia horrivel!

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