Terminando, Léo seguiu para lavar louça. Thaís, como um gato manhoso, ficou o cercando, cheia de carinho para dar.
Ao terminar, enquanto secava as mãos, Léo olhou para Thaís.
— Preciso sair, se incomoda? — perguntou, terno.
— Não. Que isso! Jamais, amorzinho. — Ela sorriu.
Léo riu, beijou a moça e seguiu a floresta para achar um lugar isolado em meio a mata. Encontrou uma clareira fechada, onde pouco se via por entre as passagens das árvores.
Era extensa, de terra batida, com poucos sinais de uso.
O jovem sentou-se para colocar sua mente em harmonia. Concluiu que sua vida deveria mudar, já que não importava seu esforço, jamais suprimiria seus desejos egoístas.
Exercitou usando dos recentes conhecimentos apenas para extravasar e libertar-se de suas angústias, rumo a sua nova vida.
O breve tempo passado o livrou de suas feridas do passado, curando-o e permitindo-o sentir a natureza como Ogum e Exu lhe disseram anteriormente.
Seu emi ampliou de forma única, possibilitando-o sentir a presença de todos os Orixás.
O jovem prostrou-se e chorou, derramando todo o seu fardo, seus desejos e intentos, com exceção do desejo de ajudar e proteger aquela que ele jamais deixaria de amar. Talvez mantivesse o desejo de guiar sua família para caminhos justos.
Um novo propósito surgia em Léo. Mesmo que não tivesse perdido sua vida, precisava deixar seus grilhões para trás.
O antigo Léo com muitas desculpas e autopiedade morrera, mas deixou marcas em sua alma.
Ele queria se entregar a Thaís, apesar de não saber como.
Decidiu a cumprir três coisas, antes de seu objetivo particular: fazer Thaís feliz, empenhar-se totalmente em seu aprimoramento e, por último, servir ao propósito dos Orixás, unicamente como guerreiro e aprendiz.
Mantendo-se concentrado nisso, o jovem seguiu despindo-se de quaisquer outros pesos e sentimentos de culpa.
Ao terminar, levantou-se para praticar com a capoeira, livre. Buscando torná-la mais natural, ao invés de precisar se concentrar em seu emi para tal. Conseguiu avanços!
Testou seus presentes, invocando-os, e assim que apareceram em suas mãos, decidiu seguir ao rio para finalmente se banhar.
Nenhum acaso lhe incomodou durante o banho.
Terminando, ele seguiu à casa de Ossaim, ao chegar bradou:
— Ewé ó!
— Seja bem-vindo a minha morada, jovem Léo. — Ossaim o respondeu ao abrir a porta.
— Obrigado, senhor.
— O que houve? Veio tão rápido.
— Além do convite… queria saber se há cura para a saudade do amor… para a falta que ele traz. Dói demais!
O jovem fora incapaz de segurar suas lágrimas. Sabia que buscar Oxum para tratá-lo, mas ela o trataria como homem e não era isso que ele ansiava.
Aturdido, sem perceber, viu-se buscando ajuda do Orixá da cura. Infelizmente, por mais que tentasse, além de não conseguir libertar-se de suas lembranças dolorosas e sua saudade de Rebeca, ainda sentia muita dor ao tentar.
Ossaim o guiou a um assento e o respondeu:
— Não há cura, meu filho. O amor não é uma doença. O problema é sua interpretação. Saudade não é um mal, mas, como qualquer sentimento, pode ser mal interpretada e criar uma sensação ruim. O tratamento para estes só pode ser criado por ti.
Complacente, ele sorriu, observando o jovem.
— Eu o testaria, rapaz, mas o que vejo é mais que eu esperava. Estou surpreso com o quanto evoluiu. Que alma limpa e pura tens! Seu arrependimento é verdadeiro, mas não sou o mais experiente com isso.
Paternal, o Orixá enxugou o pranto de Léo.
— Há três Orixás, que precisa conhecer, mas soube que Exu quer te levar amanhã a algum lugar. Após isso, se ele permitir, estarei lhe aguardando aqui, tudo bem?
Triste, porém, ainda coeso, Léo refletiu sobre as palavras de Ossaim, fitando o sábio Orixá.
— Sim… Entendi. Obrigado, senhor. Se Exu permitir, virei, sim.
— Ótimo! Pode ficar para beber um chá. Eu te entrego tudo que puder para seus estudos e, se Exu deixar, vou até sua morada para lecionar todo meu conhecimento sobre cuidar de alguém.
— Seria uma honra, senhor.
— Disponha.
Ossaim levantou para preparar um chá calmante.
Léo bebeu o chá, que estava delicioso, e recebeu a benção do domínio de Ossaim e o material de estudo de seus segredos.
Antes de partir, decidiu despertar tal domínio.
Sentiu um peso forte em sua alma, afinal, o domínio da cura era algo forte e pesado, muito distante do que estava aprendendo.
Nada que realmente pudesse derrubá-lo.
Exercitou até o cair da noite e partiu, pensativo.
Ao chegar, Exu estava na porta. Ele olhou o jovem distante.
— Léo? Está tudo bem?
— Acho que sim. Não precisa se preocupar, Exu. Obrigado. Não sei o que pretende amanhã, mas Ossaim disse que se me liberar, eu devo ir em sua casa.
— Entendo. Vejo que já recebeu outro presente. Sente algo?
— Estou um pouco dormente.
— A cura e seus domínios são pesados para você. Estou surpreso que ainda esteja de pé!
— Vou preparar o jantar! — disse, entrando.
— Thaís já está cuidando. Quer dar uma festa!
— Tu-tudo…
Léo ouviu a fala de Exu se distanciando.
O corpo ficou leve como se estivesse flutuando.
— Léo? Léo… Ih, deu ruim!
Antes que o jovem caísse, Exu foi rápido e o pegou, acolhendo-o em seu colo.
***
Ao abrir os olhos, Léo viu-se em um lugar cinza, escuro, e aparentemente sem vida alguma.
Algumas poucas árvores estavam secas e o céu estava repleto de nuvens negras, trovejantes.
Viu um homem de plana e percebeu onde estava.
Sentiu um arrepio, mas ajeitou-se para reverenciar, bradando:
— Atotoó Omulu!
A figura coberta de palha se virou, carregava uma lança bem ornada em palha, com haste de madeira, e caminhou na direção de Léo, observando o jovem prostrado.
— Então, é o jovem que Iroko disse?
— Não sei, senhor. Perdoe-me, mas se desejar posso me esforçar para ser quem deseja. Infelizmente, não lhe garanto.
— Honesto. Gostei! Levante-se, rapaz.
— Sim, senhor!
— Sabe por que está aqui?
— Não, senhor. Se posso deduzir, morri!
— Não, rapaz. — Ele riu. — Só queria lhe ver amanhã. Será um grande dia, sabe disso, não é?
— Não faço ideia. Senhor Exu e seus mistérios.
— Entendo. Então, lhe dou um teste. Se passar, lhe permitirei o uso de meus domínios, senão, lhe buscarei.
— É justo!
— Quando julgar ser o momento certo, brade meu nome. Se estiver certo, despertará em meus domínios. Se não estiver, virá direto para cá.
— Obrigado, senhor!
— Agora vá! Estão preocupados.
— Perdão, senhor!
Léo sentiu o chão sumir e após muita queda, despertou num susto. Thaís, preocupada, agarrou-se ao seu pescoço, chorosa.
O jovem pôde ouvir as orações de Thaís em que ela se ofertava a Omulu em seu lugar.
Novamente tocado por seu bem-querer, Léo a abraçou, fazendo a jovem chorar ainda mais, enterrando a cabeça em seu ombro.
— A viagem foi boa, Léo!? — Exu indagou, rindo. — Agora ‘cê foi bem longe, hein!
— Sim, Exu.
— Vem! — Thaís chamou, soltando-o. — Eu te levo à mesa… e nada de passear. Hoje, ‘cê descansa!
— Mas, eu quer-
— Se quiser, vamos até à campina. Lá você dorme no meu colo. Por favor, me deixa cuidar de você! — pediu.
Léo emudeceu, assentindo com a cabeça.
Thaís o guiou à mesa, onde Cláudio estava sentado.
— Parabéns, garoto. Conseguiu tudo que queria e ainda conseguiu fazer cena! — Cláudio disse.
Exu olhou para Cláudio, severo, com a íris enrubescida.
— Menino Cláudio, acho bom manter nosso acordo… ou cobrarei eu, do meu jeito!
— Perdão, Exu. A partir de agora, me mantenho em silêncio.
— Se é realmente incapaz de falar algo que preste… fica calado! Até na malícia há propósito, mas na maldade nunca!
— Sim, senhor, Exu! Perdão.
— Agora, podemos comer?
Thaís serviu o jantar farto e generoso. Estava bem ornamentado expressando a felicidade da jovem.
Serviu Exu, Léo e, por último, Cláudio.
A atenção da jovem voltada para Léo durante a refeição levou Cláudio a se apressar. Ao fim, ele levantou e disse:
— Obrigado pela refeição. Vou descansar. Amanhã tenho serviço.
Todos retribuíram e ele partiu.
— Pode parecer cruel, mas, se ele não quer, não serei eu quem o fará aproveitar a festa que começa agora! — Exu disse.
Ele se levantou para pegar a pinga e o rum guardados no armário da cozinha e continuou:
— Comam e levem com vocês. Ficarei.
— Mas, Exu…
— Presente pelo namoro, menina Thaís. Só aceita! Aproveita!
— Obrigada… — Ela acanhou-se.
Exu partiu e o casal terminou sua refeição em meio a namoricos e trocas de carícias suaves.
Léo esforçou-se para se manter acordado e prover um bom momento para Thaís. Funcionou, claro, e isto ficou evidente no belo brilho que preenchia o olhar da jovem.
Ao fim da refeição, ambos seguiram a campina, entre a casa de Exu e a floresta.
Thaís manteve-se agarrada ao braço de Léo durante a caminhada, usufruindo da proximidade. O jovem continuou acariciando a moça enquanto seguiam.
Ao chegar, ela se desvencilhou e se distanciou para sentar no chão. Serviu a pinga e o rum e bateu as mãos no chão, dizendo:
— Senta aqui!
— Claro. Agora, boa bebia, linda companhia e noite maravilhosa… o que mais eu quero!? — riu.
— Sei o que se passa nessa sua cabeça, seu maldoso, mas não! Agora, você só vai beber e dormir.
— Poxa! — sorriu, ladino.
Ambos riram e Léo abaixou-se na sua frente para sentar. Parou para fitar os dourados olhos de Thaís. Mergulhada em seu olhar, Thaís apenas manteve a observância.
O céu estava estrelado, bem aberto, anunciando um dia quente. A lua nascente e o petricor da campina permeavam o ambiente com um ar romântico.
Finalmente, um beijo honesto, gentil, aconteceu.
Thaís entregou-se aos braços do jovem, partilhando de sua total entrega. Compartilharam uma noite feliz, demorada.
Findadas as carícias e ofertas, o rapaz deitou no colo de Thaís, admirando a beleza daquela que lhe dava um belo sorriso.
Banhado por esse sorriso, o jovem adormeceu.
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Atualizado até capítulo 97
Comments
Valdirene Gomes
estou amando muito Axé
2022-07-19
0
Cacaco B.S. Nogueira
bem realmente esses capitulos de arco especiais são algo que saiu de meu amago e parte do que conheci da historia de meus pais e aprendi sobre a religião sincretistas com eles entao ta ai uma homenagem a eles espero que gostem
2022-06-29
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