Enquanto seguia à casa de Ogum, uma forte tontura, causada pela febre, atingiu Léo.
Um estridente som do choque de metais começou a soar.
Para não saber de qualquer segredo, ele decidiu sentar-se para tentar se recuperar um pouco, antes de seguir. Estava distante demais para pedir ajudar.
A febre espalhou um forte ardor em seu corpo, queimando suas forças, sua energia, levando-o a recostar-se numa árvore.
Com os olhos fechados, começou a ouvir atabaques, distantes, soando como se motivassem aqueles de fé a acompanhar.
Instintivamente, lembrou-se do rosto de Rebeca e chorou copiosamente. Levou as mãos ao rosto, lembrando dos poucos sorrisos que pôde ver.
No dia de seu casamento, ela parecia feliz, esperançosa, não somente por ele, mas pelo sonho que ele prometera cumprir.
Tal momento de gozo e nostalgia fora interrompido pela melancólica lembrança da primeira vez que a fez chorar.
Uma força diferente surgiu no rapaz, intensa e selvagem, mas domável. Como uma fera adestrada, perigosa, porém sob controle.
Usando dessa força, Léo conseguiu se levantar, rosnando para o nada, firmou sua perna e seguiu lentamente.
Parecia que o mundo estava às suas costas, mas, obediente ao chamado em seu âmago, ele continuou… ainda chorava, de tristeza, dor.
Os pés estalavam devido ao peso em seu corpo.
As pequenas pedras no chão pareciam estacas contra o couro de seu pé! Contudo, o jovem não desistiu.
Agarrando-se à vontade de seguir por entre urros de dor, ele finalmente chegou à morada de Ogum e bradou, com muita força:
— Ogunhê! Patakori, Ogum!
— Entre e seja bem-vindo a minha morada, meu filho. — A forte voz de Ogum lhe respondeu.
O som dos atabaques intensificou e o som do metal cessou enquanto o jovem entrou, tentando manter-se firme.
Viu Ogum sentado de costas para a entrada, parecia estar limpando algo.
— Cheguei, meu pai.
— Parece mal. Por que veio?
— Porque um filho teu jamais foge da responsabilidade e da luta! Se Zambi me prova, tenho que ser meritoso de sua atenção.
Ogum olhou sobre os ombros, em silêncio, por um tempo.
— Estou orgulhoso! Tome…
Estendeu-lhe: um par de facões; uma navalha borboleta; um bengalete com a cabeça de um dragão entalhada, lâmina oculta no cabo, e um anel sinete, com um firmamento de Ogum encrustado em ônix.
Os itens estavam sob um pano azul de puro aço, reluzia como prata e era ornado com motivos africanos.
— Poucos receberam esta benção. Forjei apenas para ti. Não importa a distância, eles responderão a ti. O
anel guardará de lâminas e setas, das amarras da vida. O bengalete lhe apoiará quando cansar. As lâminas lhe defenderão, jamais cegarão ou quebrarão; cortarão tudo e todos os inimigos. Use com sabedoria.
Léo chorou, orgulhoso, sentindo-se muito honrado. Eram lindos presentes, muito bem trabalhando. Jamais imaginara!
— Meu pai… não mereço tanto!
— Penso diferente… parece que não só eu. Esses indumentos são como armadura e arma para ti, guerreiro de Aruanda!
Aos prantos, o jovem caiu, sentindo o peso sair de suas costas.
Uma alegria transbordante atravessou sua alma, rasgando sua dor. Sentiu-se ainda mais honrado, vendo-se reconhecido como guerreiro por seu pai. Um dos maiores guerreiros!
Observou os adereços, sentindo-os como parte de si. Acariciou-lhe com ternura, carinho, admiração.
Lembrou-se do colar e relógio que Rebeca lhe dera. Os primeiros presentes que lhe foram dados de coração.
— Queria mostrar algo! — Levantou, tomado pelas emoções.
— Então, vamos lá fora! Vemos se sabe usar teu presente… se não souber, posso ensinar!
— Sim, senhor!
Ambos seguiram à área de treinamento de Ogum.
Léo foi ao centro do círculo.
O vento, passeando em seu rosto, refrigerou o úmido caminho das lágrimas.
Concentrando-se, o jovem bradou:
— Ogunhê!
Seu corpo enrijeceu e esquentou ainda mais.
A alta temperatura consumiu a febre, retornando-lhe as forças que perdera.
O jovem sentiu-se com força para carregar o mundo nas costas, sem dificuldades.
Ao observar seus punhos, os viu encandecidos.
Assustou-se, batendo um contra o outro na intenção de apagá-los! Desesperou-se quando o choque entre ambos brandiu como metal.
— Excelente, meu filho! — Ogum gargalhou. — Essa é uma boa surpresa. Estou contente. Hoje é um dia muito especial. Realmente Exu estava certo.
— Qu-que ‘tá acontecendo, pai!? ‘Tô pegando fogo!
— Sim, mas não lhe fará mal. É o incandescer de sua fornalha. Um segredo de batalha. Além da resistência, tornando sua pele como uma armadura, sua força aumenta. Há outro fogo, domínio de Omulu: destrutivo e selvagem, renovador e livre.
— Mas- Ah! Deixa ‘pra lá… Eu me adapto.
— Ótimo. Vamos! Quero ver como se sai com seu presente.
— Sim, senhor!
Léo era péssimo na arte com as armas, logo, em risos e desdém, fraternal, Ogum começou a ensiná-lo.
O jovem se lembrava de sentir o emi para alcançar conhecimentos ancestrais. Isso colaborou muito com a navalha, mas o facão ainda lhe era uma grande dificuldade.
Sem cessar, o jovem treinou, nem sequer percebendo o momento em que o sol começou a esconder-se.
— Impressionante! — Ogum elogiou, admirado pela determinação do filho. — Realmente Exu estava certo! Provavelmente sabe de algo que não sei… aquele espertinho! Puxarei sua orelha — gargalhou.
— Pai, me perdoa. Preciso correr! Já é noite e prometi estar na hora do almoço! — Léo falou, apressado.
— Noite!? Que noite!?
Tornando a olhar ao redor, o céu estrelado foi substituído pela claridade do dia. O sol estava em seu pico.
O jovem estranhou, balançando a cabeça.
— Deve ser o cansaço… — concluiu.
— Meu filho, você recebeu uma benção que não vemos ocorrer há eras. Iroko intercede por ti. Esqueça teu
conceito de tempo, apenas foque em fazer este mérito valer!
Léo arregalou os olhos, surpreso.
Lembrou-se das palavras de Iroko. Lentamente assimilou o significado de suas palavras, associando a estranhas ocorrências dos dias anteriores.
Claro, seu senso de tempo estava ainda mais confuso!
— Pomos em prática esses dez dias que treinamos aqui!? — Ogum interrompeu os muitos devaneios do jovem.
— Dez dias!?
— Sim. — Ogum gargalhou. — Notei o tempo passar, mas voltar, pois, sou Orixá!
— Pelo amor de Zambi!
— Comecemos!
Ogum assumiu a ofensiva, usando o que conhecia de Léo para nivelar sua força, forçando-o a aplicar tudo que aprendera.
Satisfizera-se com o primoroso aprimoramento que o jovem apresentava. Era apenas o começo e ele estava melhor que o esperado. Era muito aplicado e precoce.
Isto o colocava pronto para estar na linha de frente, exigindo somente polimento e experiência prática.
— Treinamos mais um pouco e lhe ensino sobre a forja. Depois, você pode ir comer.
— Estranho… não sinto fome!
— O tempo não passou para teu corpo.
— Entendi… — Ele assentiu. — Então, vamos.
Léo treinou e foi às lições na forja.
Parecia que dias passaram-se, ao fim, seu corpo ganhara massa e estava mais definido.
Finalmente, a fome chegou ao seu corpo.
— O relógio clama. — Ogum riu. — Está livre o resto do dia.
— S-sim, senhor.
Léo o cumprimentou e despediu-se.
Seguiu ao rio para se banhar e encontrou Thaís na água, nua, parecia bastante distraída, avoada.
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Atualizado até capítulo 97
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