Em meio ao conjunto habitacional do Batan, Léo, um rapaz cobiçado por todas as meninas da comunidade, saia de casa.
Sempre bem-vestido, usava calças jeans desbotadas, evidenciando as pernas; uma camisa de um time de futebol europeu qualquer; na cabeça, um boné de aba reta protegeria seus olhos do sol e o jovem portava muita prata. Bem perfumado.
Como sempre, saia de casa batendo a porta bruscamente após mais uma infernal discussão com seus pais.
O jovem não aguentava mais ouvi-los humilhando-lhe. Chamavam-no inútil, dizendo que o jovem de nada ajudava no barracão da escola de samba, herança da família.
Sempre enchiam a boca ao falar da agremiação. Mesmo que o rapaz soubesse que aquele era o verdadeiro amor de seu pai, lhe soava como se falasse apenas para inflar o próprio ego.
Vivia no barracão e pouco se importava com a família, o jovem cresceu observando tal comportamento. Aprendê-lo era inevitável.
Léo seguiu frustrado, incapaz de confrontar seu pai.
Andar a ermo até encontrar um bar, este era o objetivo.
Chegando, pediu sua cerveja e sentou-se à beira da esquina.
Serviu sua tulipa e enquanto saboreava seu calmante de cevada gelado, viu uma beldade, mulata, sobre um grande salto.
A deusa parecia flutuar. Seus cachos esvoaçantes caramelos acompanhavam a pele reluzente de vívida cor do pecado.
Vestia um short curto e um abadá com o nome de um humilde bloco carnavalesco de Realengo. Sua maquiagem gritava “Hoje, estou pronta para arrasar!”
Léo se levantou, estonteado com a beleza. Buscou um lugar para se apoiar e pagou rapidamente a cerveja, trocou sua tulipa por um copo plástico e correu atrás do rabo de saia.
Ele aproximou-se e a observou parar diante de seu prédio. Apreensiva, juntou as mãos a frente do corpo, como se orasse.
Respeitoso, o jovem decidiu não atrapalhar.
Aguardou a beldade terminar enquanto reunia coragem para se aproximar da maravilha escultural, que já adentrava ao prédio.
— Oi, linda! Precisa de ajuda? — O jovem abordou.
A moça virou-se com um aterrador e desdenhoso olhar.
— Tem um milagre guardado no bolso? — arguiu, ríspida.
— Milagre, não… mas, posso, ao menos, melhorar seu humor. Calma! Relaxa. Não vou abusar, não… relaxa, ‘po…
— Não uso droga.
— Caraca, pareço um drogado ou traficante!?
— Quem disse que precisa ter cara ‘pra ser?
— Hm… essa doeu. Tem razão. Perdoa, se me expressei mal.
— O que quer? Já ‘tô sem tempo e hoje não é um bom dia!
— Calma, ferinha. Só convidaria ‘pra tomar uma ‘breja… bora tomar uma? — sorriu de canto de boca.
— Não!
— Ai! Bem, ao menos posso saber o nome? Saber se posso ajudar… moro aqui… veio ver quem?
— Meu nome não é ‘pro seu bico, talarico. Conhece o seu Jambo, me ajuda, acho que ‘tô com o endereço certo, mas mesmo parecendo com a Cohab de Realengo é difícil ter certeza… os prédios são todos muito parecidos.
— Eita!
— O que foi!? — indagou, franzindo o cenho.
— Ele é meu pai, ‘po.
— Quê!? — A mulher pasmou.
— Pois é. Fica tranquila, eu ainda presto um pouquinho mais do que ele. — Léo riu.
— D-desculpa. — A mulher rapidamente reparou-se.
— Pelo quê?
— Eu te destratei. Fui mal-educada.
Léo percebeu a moça engolir seco, muito constrangida.
— Relaxa, ‘po. — O jovem disse. — Não sei qual foi a treta com meu coroa… se me disser seu nome, tento te ajudar.
O rígido olhar foi tomado por uma desesperada esperança.
— Sério!? Sou Rebeca, mas o pessoal me chama Beca.
— Um enorme prazer. Sou Leandro, mas prefiro Léo. — Sorriu. — Agora, qual é a treta com meu velho?
— Sou a presidente do bloco Cravos e Jasmins de Realengo. Antes de falecer, minha mãe precisou de ajuda do presidente da escola Guerreiros do Batan, seu pai.
O semblante da jovem fora inundado por tristeza.
— Ele ofereceu um empréstimo e ela aceitou. Agora, ela faleceu de câncer. Assim que soube seu pai entrou em contato, querendo a quitação da dívida. Nós ainda não conseguimos ter a grana, então, ele me chamou para negociarmos.
— Meus sentimentos por sua mãe. O coroa ‘tá armando. Conheço aquele urubu. A quantia é muito alta?
— Cinquenta barões…
— Putz!
— O bloco era o sonho da minha mãe. Cresci e amo aquele bloco, mas não acho que vou conseguir manter…
— Vem… Vamos tomar uma… Vou tentar te ajudar, ‘po!
— Como!?
— Só confia!
— ‘T-tá bem!
Ambos seguiram na direção da praça, cortaram caminho para chegar a um bar mais reservado, cheio de rapazes.
— Se for parada errada, não quero! — Rebeca disse.
— Calma. Não vou te envolver em bagulho errado, não, ‘po. Seu Zé, traz aquela maliciosa, por favor! — pediu ao dono do bar.
O senhor baixo com sobrepeso, grisalho, não se demorou para servir uma cerveja estupidamente gelada e as tulipas, dizendo:
— E aí, Léo. Vai aceitar aquele papo?
— Acho que sim, ‘né!? Mas… tenho uma contrapartida.
— Qual é a ideia?
— Se eu ajudar no pagode, aqui, o senhor me ajuda a fazer uma vaquinha!? — sugere, sorrindo.
— ‘Pra que!?
Léo abraçou Rebeca na altura do ombro e respondeu:
— Minha namorada é presidente do bloco Cravos e Jasmins da Cohab de Realengo, mas meu pai enrolou a sogra e tal… ‘cês sabem da minha história com ele, ‘né!?
Rebeca arregalou os olhos, assustadiça com a fala do rapaz, porém, antes que pudesse tomar a palavra, Léo a cortou, olhando dentro de seus olhos, tranquilo, e acariciando seu rosto.
A moça ficou confusa, mas, entendendo o pedido para deixar rolar, silenciou, acanhada demais para sequer olhar para os lados.
— Menino, ‘tá arrumando sarna ‘pra se coçar. Veja lá, hein. Se eu ajudar, ele vai saber…
— Fazemos assim. Trago o equipamento ‘pra fazermos um bingo e vinte pagodes zero oitocentos ‘pro senhor. O que me diz? Ele nem precisa saber que será ‘pra isso. Fico no bigode do gato!
— Olhe lá, Léo!
— Confia. Já te meti em furada, seu Zé!?
— Não…
O senhor refletiu por algum tempo, visando as possibilidades e benefícios da proposta com a mão no queixo. Quando finalmente chegou a uma conclusão, apoiou o cotovelo na barriga e disse:
— ‘Tamo junto. Aceito. Precisa de quanto?
— Cinquenta barão!
— Meu Deus, Léo… Isso tudo!?
— Problema de tubarão, ‘né!? É pelo amor da minha vida, ‘po.
— Menino do céu, nem sabia que ‘cê ‘tava namorando.
— ‘Pra tu ver como são as amizades… ninguém sabe nada de mim… ninguém se importa! — riu, charmoso.
— O drama! — Seu Zé gargalhou. — Bom, parabéns, mocinha. O garoto pode parecer não prestar, mas tem um coração de ouro. Todos adoram o Léo. Só toma cuidado. A carne é fraca!
— ‘Coé, seu Zé… ‘tá me queimando!?
— Honestidade salva a vida de um homem, Léo. Lembre-se!
— Sempre, ‘po! — Léo assentiu.
— Okay, garoto. Eu te ajudo. Traz as paradas e começamos amanhã. Acho que precisaremos de dois ou três bingos, mas dá ‘pra resolver… é só colocar nosso nome que lota!
— Fazemos um feijão amigo e botamos uns prêmios bons.
— Deixa os prêmios comigo.
— Tudo bem. — Léo sorriu. — Viu, amor!? Em pouco tempo a gente resolve essa parada, ‘po!
— Uhum. — A moça assentiu, acanhada.
O velho dono do bar observou o semblante da moça e, suspeitando da mentira, aproximou-se e disse:
— Sem beijinho de agradecimento, mocinha? O cara ‘tá aí, te dando ‘mó moral!
Com medo de arruinar a história auspiciosa de Léo, Rebeca simplesmente o beijou. Não era necessariamente um esforço fazê-lo, afinal, Léo não era de se jogar fora. Sem contar que já estava sendo tão atencioso, não custava nada tirar uma casquinha.
O jovem não se fez de rogado, retribuiu o beijo.
Mais tranquilo, o dono do bar retornou ao balcão.
— Desculpa… — A moça sussurrou para Léo. — Não queri-
— Caraca, mas que beijo bom! — Léo elogiou.
— Para, garoto. Já ‘tô cheia de vergonha e ainda lança essa?
— Relaxa, linda. Já que começamos… o que me diz de continuar? A gente dá um perdido no coroa e mais tarde, quando ele ‘já estiver puto, vamos em casa e falo por você, o que me diz?
— Não te dei um beijo porque queria te pag-
— Sei, relaxa… Sou bonitão e ‘cê é um pedaço de mal caminho… nada mais natural, ‘po!
— Não faz sentid-
Léo interrompeu a moça beijando-a.
Rebeca simplesmente desmanchou em seus braços, incapaz de não corresponder. Após o longo beijo, ainda aturdida, ela disse:
— Ai, garoto! Tu é doido.
— Bem que ‘tá gostando da loucura… aceita fechar comigo?
— Aceito, ‘tamo junto!
— Isso aí, moleque bom… quer dizer, menina boa.
— Ai, ai, maluco! — A moça gargalhou.
Ambos seguiram para tomar sua gelada.
Léo tinha o hábito de fazer dinheiro através de eventos com dois amigos. Enquanto namoricava com Rebeca, fez seus contatos para começar a organizar os equipamentos de som.
Rebeca observou o quanto Léo era cortês, gentil, atencioso e carinhoso, perfeito cavalheiro do século XXI. Diferente de seu ex-noivo. Ela precisava se distrair e curtir a juventude. Estava carente, logo, se deixou levar pelo momento, afinal, o que de pior poderia ocorrer já que sua vida e sonhos estavam em cacos?
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 97
Comments
Cacaco B.S. Nogueira
a partir de agora algumas coisas serão esclarecidas do por que e como foram para chegar leo até ali em seu primeiro momento com exu nao deixem de ler ☺️
2022-06-29
2