Léo avista a campina, ao longe, no fim do dia. A sensação de familiaridade o desperta a memória de que direção tomar para atingir seu destino.
Sente-se mais tranquilo, com o doce sabor de dever cumprido — mesmo que pense ser apenas parte do real objetivo.
Tal tranquilidade o possibilita perceber toda a beleza que o rodeia. Há muitas flores campestres, de perfume doce, misturado ao cheiro da grama esmeralda.
Arbustos frutíferos ornam o ambiente, deixando-o mais belo.
Léo ainda colhe frutos enquanto segue à morada de Ogum.
Todo orgulhoso, caminha na direção dos irmãos.
Observando os animais e vegetais, Ogum estranha, mede o rapaz com o olhar, levanta e o questiona:
— Demorou… Onde conseguiu e com quem?
— Ibeji… Abikus me ajudaram. Boa tarde, meu pai, meu tio.
Ogum e Exu se entreolham, acenam positivamente com a cabeça e Ogum retoma a palavra:
— E… como foi essa história?
— Primeiro, meu pai. — Léo diz, solene. — Ibeji pediu para mandar um abraço, disse sentir saudades, porém as coisas em seu trabalho estão difíceis, logo, está sem tempo para visitá-los.
Ogum assente.
— Resumindo… — Suspira, tentando criar o resumo em sua mente. — Brinquei com bons e queridos amigos abikus, que conheci de outro lugar. Conheci o grande Iroko, este disse, por intermédio de Mariazinha, que atenderia meu desejo. Não entendi… — Dá de ombros. — Disse que daria tempo e o saudoso Ibeji me presenteou com o dom dos abikus, de me esconder de qualquer um ou qualquer coisa, se estiver correto… também me possibilitando achar qualquer criança, se eu precisar.
Exu e Ogum voltaram a se entreolhar.
— Menino Léo, está nos abandonando!? — pergunta Exu. — Nem sequer aprendeu nossos segredos!
— Jamais! — diz, assoberbado. — Presente não se nega, principalmente se for de gente importante e amada…
— Se saiu bem. — Exu gargalha. — Prepara os bichos e plantas, que eu trago lenha e Ogum traz a nossa louça, justo!?
Todos assentem e iniciam os preparos.
Já é noite quando se reúnem para comer e conversar sobre muito, principalmente sobre a aventura de Léo. Todos estavam curiosos com a história de Iroko se envolvendo com alguém, tão direta e gentilmente, já que era duro e um pouco distante.
— A comida ‘tá boa e o papo ‘tá ótimo! — diz Exu, ao fim da refeição — Entretanto, temos que voltar… ou meus dois outros jovens filhos virão atrás de nós e não queremos isso, não, Léo!?
— Não!? — O jovem indaga. — Seria um problema!?
— Seria, sim, meu filho. — Ogum responde, com tom sério, mexendo na fogueira com sua espada. — Confie nas palavras de Exu. Ele sabe o que diz!
— Sim, senhor, meu pai! — assente, curioso. — Pode me explicar o motivo?
— Sim… — Ogum assente. — Ambos não passaram em meu teste quando vieram até mim… Se não consegue fazer o que veio disposto a fazer, não volte depois. É assim que as coisas funcionam e sempre funcionarão com todos!
Léo engole seco.
— Então, só temos uma chance de nos aproximar de cada Orixá para alcançar seu domínio!? — pergunta, surpreso.
— Exato! — Ogum afirma, severo.
— Obrigado, meu pai. — Léo o reverencia. — Já levava tudo a sério, mas, agora, estarei me empenhando ainda mais!
— Mantenha o constante empenho e estarei lá contigo! Amanhã você não vem, mas depois virá… dia sim, dia não. Justo, Exu!? — Ogum indaga, olhando para o irmão.
— Justo! — Sorri. — Boa sorte, meu irmão. Estamos indo.
— Sigam na luz de Orum. As bençãos de Obatala!
— Axé! — Léo e Exu respondem, em uníssono.
A brisa da noite é levemente frígida.
Léo quebra o incômodo silêncio da marcha, intrigado:
— Há quanto tempo meus irmãos estão aqui? Se puder dizer o tempo da Terra… notei que ele difere e é relativo por aqui.
Exu surpreende-se com a pergunta.
Reflexivo, põe a mão no queixo enquanto conta.
— Creio que Cláudio está há mais de cinquenta anos… e Thaís há uns vinte… Sim, estou surpreso que notou a relatividade do tempo tão rápido!
— Obrigado, eu acho. — Sorri, acanhado. — Não é fácil notar?
— Não… O tempo parece coeso, aqui, mas não é. Iroko tem maior domínio, aqui, e oferece tempo a quem merece e se empenha justa e corretamente.
— Então… eu estaria merecendo… ou não!? — Preocupa-se.
— Só ele sabe! — Exu gargalha, dando de ombros.
Léo assente com a cabeça, pensativo. Buscando maneiras de tornar-se mais merecedor da afirmativa que Mariazinha o disse sobre Iroko.
Absorto em seus pensamentos, subitamente pensa que seus dois irmãos mais velhos deveriam ser mais maduros fisicamente.
— Exu, não envelhecemos aqui!? — pergunta, encasquetado.
— Outra pergunta que não deveria acontecer agora! — Exu gargalha. — Menino precoce você é, ‘hein, garoto!? — Arfa, retomando a solenidade. — Não, a velhice é apenas um reflexo do que enxerga em alguém e em si. A alma não envelhece.
Léo assente, observando-o.
— A matéria responde à vida e mente, que a vestem. Se tem bons hábitos, cuida e mantém a juventude da alma, mesmo buscando sabedoria e constante aprendizado, jamais envelhecerá verdadeiramente.
— Entendo… Se já acontece algo próximo a isso na Terra… aqui, deve ser ainda mais intenso e real.
Exu observa estarem próximos da entrada da casa.
— Sim… — Ele assente, enchendo os pulmões com ar. — Laroiê! — brada, aproximando-se.
Ouvindo-o, do interior da casa, Cláudio e Thaís respondem:
— Laroiê! Exu é mojubá!
— Amanhã começam os estudos e treino — diz Exu, virando-se para Léo. — Quero te ensinar duas coisas antes de entrarmos.
— ‘Tô aqui ‘pra isso! — Léo responde, convicto.
— Justo!
Exu agacha e ensina o básico para entrar numa roda de capoeira e como fazer alguns passos básicos da dança. Ensina algumas canções para facilitar Léo com o ritmo dos movimentos.
— Os dois vão dormir aí fora ou vem jantar!? — Thaís finalmente os indaga, estranhando a demora.
— Desculpa, dona Thaís! — Exu ri. — Vamos, menino Léo. A dama da casa está mandando entrar… nos pegou pela orelha!
Léo assente, rindo.
Ao entrar na casa, notam a mesa servida.
Thaís é uma cozinheira de mão-cheia, logo, sempre produz refeições fartas que perfumam toda a casa.
Ambos sentam e comem em silêncio.
Exu encerra o mórbido silêncio, dizendo:
— Cláudio, ‘tá com ciúmes?
— Jamais, meu pai! — diz, acenando em negativa.
— Deveria! — Exu gargalha, brincalhão.
— Exu, não faz isso. — Thaís pede, franzindo o cenho. — Vai acabar criando problemas.
— Verdade… — Ele assente, ainda rindo. — Desculpe, rapazes… Força do hábito! — Volta a cair na gargalhada.
— Ai, Exu. — Thaís diz, em negativa. — Só você mesmo!
Cláudio encara Léo com certo ar de superioridade.
O jovem não corresponde para não incitar animosidade. Para disfarçar, olha para Thaís, e diz:
— A comida está deliciosa. Parabéns!
— Você gostou!? — Ela sorri. — Que bom!
— Sim, gostei muito! De verdade… Não é exagero. Já ‘tá pronta ‘pra casar! — Dá uma risada.
— Se-sério!? — indaga, acanhada. — Obrigada.
— Depois diz que não ‘tava namoricando… — Exu brinca, rindo. — Olha aí… Já dando em cima da menina Thaís!
Léo emburra, de forma cômica, deixando claro que entendeu a brincadeira e o responde:
— Pronto! Exu casamenteiro… Não posso nem elogiar uma irmã. — Gargalha.
Os olhos de Exu arregalam, surpreso com a postura de Léo.
Ele volta a cair na gargalhada, contagiando todos!
— Exu, posso ir aos meus amigos, de vez em quando? — Léo pergunta, preocupado em manter sua promessa.
— Cumprindo com seus estudos e treino… sim… senão, não.
— Vou realmente me esforçar! — Compromete-se.
— Que amigos, Léo!? — Thaís, curiosa, questiona.
Exu toma a palavra, olhando para o prato:
— Ninguém… Léo ‘tá doido… se perdeu na mata, deve estar falando de algum bicho com quem se afeiçoou. — Ri.
Confusa, Thaís olha para Léo e ele abaixa a cabeça, quieto.
Cláudio crê nas palavras de Exu, sorri de canto de boca e diz:
— Parece que temos um amante dos animais ou adestrador de feras aqui!
Exu olha para Cláudio maliciosamente.
Ri e direciona-se a Léo, orgulhoso, dizendo:
— Não é mesmo!?
— Exu e seus segredos… — Thaís diz, levantando-se para pegar a sobremesa. — O que dizer, não é!?
— E não é!? — Exu cai na gargalhada.
Percebendo que Exu não queria comentar o ocorrido durante o dia, Léo muda o assunto, indagando:
— Tatá, é você que cuida das refeições pelo que notei… ou vamos alternar entre as funções?
— Alternamos, por quê!? — pergunta, servindo-os.
— Entendi. Pensei que não tivesse tempo para estudar, treinar e cozinhar… logo ofereceria ajuda.
— Tenho tempo, sim… Fica tranquilo! Obrigada pela preocupação e, se eu precisar, já que ofereceu, pedirei, prometo!
— Estamos aqui para isso! — O jovem sorri.
Todos se juntaram para lavar a louça ao fim da refeição.
Sem vontade de dormir, Léo deitou em seu quarto repassando as regras e leis mentalmente. Exercitou as cantigas e movimentos até o cansaço lhe prover sono para finalmente dormir.
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Atualizado até capítulo 97
Comments
Cacaco B.S. Nogueira
sem sombras de duvida
2022-06-29
0
Raquel Souza
calmaria antes da tempestade?
2022-06-08
1
Raquel Souza
foi um fim de dia tranquilo... mas tô preocupada...
2022-06-08
1