Eu tava deitada na cama do meu quarto chique, olhando pro teto de novo — sério, isso já tava virando um vício. O confronto com o Rafael na noite passada ainda tava ecoando na minha cabeça, tipo um podcast que eu não conseguia pausar. “Você é mais real do que metade dessa gente”, ele disse. Meu Deus, o que era aquilo? Um elogio de verdade vindo do iceberg? Eu nem sabia o que sentir — parte de mim ficou quentinha por dentro, mas outra parte só pensava: “Tá, mas e daí? Isso aqui ainda é tudo de mentira”. E pra completar, tinha o tal brunch com os investidores hoje. Mais uma rodada de sorrisos falsos e conversas que eu mal entendia. Eu tava exausta só de imaginar.
O celular vibrou na mesinha de cabeceira com uma mensagem do Rafael: “10h, não se atrase. Roupa leve, mas elegante. Fernanda já deixou algo no seu quarto.” Suspirei e levantei, arrastando os pés até o armário. Lá tava ela, a Fernanda mágica, deixando tudo pronto como se eu fosse uma boneca de vestir. Dessa vez era um vestido floral, soltinho, com manga comprida e um cinto fino na cintura — chique sem parecer que eu tava tentando demais. Joguei ele no corpo, passei um rímel e um batom leve, e desci pra sala com cara de quem preferia estar comendo miojo no meu apê velho.
O Rafael já tava me esperando, como sempre impecável. Dessa vez ele tava mais casual — se é que dá pra chamar uma camisa polo caríssima e uma calça de alfaiataria de “casual”. Ele me olhou de cima a baixo e deu um aceno curto. — Tá ótimo. Vamos.
— Bom dia pra você também, querido — falei, com aquele tom irônico que ele já conhecia bem. Ele nem respondeu, só pegou as chaves e fez sinal pro motorista que já tava na porta. O cara sério de sempre abriu o carro pra mim, e lá fomos nós pro tal brunch, que ia ser num rooftop de um dos hotéis da rede Albuquerque, com vista pra cidade e um monte de gente que eu nunca vi na vida.
Chegando lá, eu quase engasguei com o ar de novo. O lugar era lindo pra caramba — uma varanda enorme com mesas cobertas de toalhas brancas, arranjos de flores e um bufê cheio de coisas que eu nem sabia pronunciar direito. Tinha uns caras de terno leve e mulheres com chapéus chiques que pareciam saídas de um filme de época. O Rafael pegou minha mão assim que saímos do elevador, e eu já sabia: sorrir, fingir que tava tudo bem, e deixar ele conduzir.
— Rafael, meu garoto! — gritou um homem de uns 50 anos, cabelo grisalho e óculos de armação cara, vindo na nossa direção com uma taça de mimosa na mão. — E essa deve ser a esposa que todo mundo tá comentando. Clara, né?
— Isso mesmo — respondi, apertando a mão dele com o melhor sorriso que consegui. — Prazer em conhecê-lo…
— Roberto Vasconcelos, acionista majoritário — completou ele, com um sorriso que mostrava uns dentes branquíssimos. — Rafael, você acertou em cheio dessa vez. Ela tem um charme natural, hein?
— Ela tem seus talentos — disse Rafael, com aquele tom calculado dele, apertando minha mão de leve. Eu só sorri, tentando não parecer uma completa fraude enquanto o Roberto me olhava como se eu fosse uma joia rara.
O brunch foi rolando, e eu fiz o que o Rafael mandou: fiquei do lado dele, dei risada nas horas certas, e respondi com um “Ah, sim, foi em Paris” sempre que alguém perguntava do nosso “namoro”. Mas, Meu Deus, cada sorriso forçado, cada “querido” que eu jogava pro Rafael, parecia que eu tava colocando mais um tijolo numa parede que eu não sabia se aguentava. E o pior é que o Felipe ainda tava na minha cabeça, tipo um mosquito zumbindo que eu não conseguia espantar. “Você não tá feliz com ele”, ele disse. Será que dava pra ver? Será que esses ricaços tavam percebendo que eu era uma mentira ambulante?
Num momento que o Rafael foi falar com um grupo de homens engravatados, eu peguei uma taça de suco e me encostei numa mureta, olhando a cidade lá embaixo. São Paulo tava linda, com o sol batendo nos prédios e aquele caos que eu conhecia tão bem. Mas eu me sentia tão fora de lugar ali, tão… pequena. Foi quando ouvi uma voz atrás de mim.
— Cansada da festa, Clara? — Era o senhor Albuquerque, surgindo do nada como sempre, com aquele jeito de tubarão que me dava arrepios. Ele tava segurando um copo de algo forte — porque, né, os Albuquerque e suas bebidas caras eram inseparáveis.
— Só pegando um ar, senhor Albuquerque — respondi, forçando um sorriso. — Tá tudo incrível aqui, como sempre.
Ele deu uma risadinha seca e se encostou na mureta do meu lado, me encarando com aqueles olhos que pareciam ver através de mim. — Você é boa nisso, sabe? No papel de esposa. Mas me diz uma coisa, Clara: você tá gostando mesmo dessa vida ou só aguentando por causa do meu filho?
Eu quase deixei a taça cair. Meu Deus, ele sabia? Ou tava testando de novo? Respirei fundo e fui na onda: — Eu gosto do Rafael, senhor Albuquerque. Ele é… intenso, mas me faz querer estar aqui. Não é só aguentar, é aprender a fazer parte.
Ele me encarou por alguns instantes e tomou um gole da bebida. — Interessante. Você tem garra, Clara. Mais do que eu imaginava de uma jornalista de Santo André. Mas cuidado para essa garra não te consumir.
Ele se afastou antes que eu pudesse responder, me deixando ali com o coração disparado. “Cuidado para essa garra não te consumir”. O que raios ele quis dizer com isso? Será que ele desconfiava do contrato? Ou era só mais um dos joguinhos dele pra me desestabilizar?
O Rafael voltou logo depois, com aquele ar de quem acabou de fechar um acordo milionário. — Tudo bem? — perguntou, olhando pro meu rosto que provavelmente tava gritando “socorro”.
— Seu pai acabou de me dar um aviso criptografado — falei, baixinho, enquanto pegava o braço dele pra voltar pro meio da festa. — Ele disse pra eu tomar cuidado pra não me queimar. Acho que ele tá farejando algo, Rafael.
Ele franziu a testa, mas não parecia surpreso. — Meu pai sempre fareja. É o jeito dele. Mas ele não tem nada concreto, Clara. Só não dá brecha pra ele cavar mais fundo.
— Tá, mas e se ele cavar? — insisti, sentindo o pânico subir. — E se o Felipe abrir a boca? Ou se a mídia começar a juntar as peças?
Ele parou, me puxou pra um canto mais vazio e me olhou nos olhos, com uma firmeza que eu não esperava. — Se isso acontecer, eu resolvo, Clara. Meu pai, seu ex, a imprensa — eu cuido de tudo. Mas você precisa segurar a onda. Você é boa nisso, lembra? No jantar, no evento, agora. Não deixa eles te abalarem.
Eu balancei a cabeça, forçando a saliva pra descer pela garganta seca. — Tudo bem, eu vou me esforçar. Só que, Rafael… tem horas que esse papel parece difícil demais pra mim.
Ele fez uma pausa breve, e eu poderia jurar que vi um brilho diferente nos olhos dele — talvez pena, talvez compreensão, ou apenas um sinal de exaustão. — Então deixa isso de lado quando estiver comigo. Em casa, pelo menos. Não precisa sustentar a encenação o tempo todo.
Eu pisquei, surpresa. Era o mais próximo de “humanidade” que eu já tinha visto dele. — Tá me dando folga do papel de esposa perfeita, é?
— Só em casa — disse ele, com aquele meio sorriso que eu tava começando a gostar. — Na frente dos outros, você ainda é a senhora Albuquerque.
— Beleza, trato feito — respondi, rindo de leve.
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Atualizado até capítulo 40
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