Eu tava olhando pro espelho do meu quarto chique, tentando me convencer que a mulher ali refletida era eu mesma. A Fernanda, a estilista mágica do Rafael, tinha voltado naquela manhã com mais uma arara de roupas, e dessa vez eu tava vestindo um vestido preto longo que abraçava meu corpo como se tivesse sido feito pra mim — o que, pensando bem, provavelmente foi mesmo. O decote era discreto, mas elegante, e o tecido tinha um caimento que me fazia parecer mais alta e menos desajeitada. O cabelo tava solto, com umas ondas que a assistente dela fez com um babyliss. Eu tava bonita, admito, mas ainda me sentia uma impostora naquele look de gala.
O evento da empresa era naquela noite, quinta-feira, e o Rafael tinha deixado claro que era mais um teste de fogo. “É uma festa pra acionistas e diretores da rede de hotéis”, ele disse na véspera, enquanto tomava o uísque de sempre. “Meu pai vai estar lá, e ele vai querer te ver em ação de novo. Só sorria, fala pouco e me deixa conduzir.” Tá, fácil falar, né? Mas eu sabia que era mais do que isso — eu tinha que convencer um salão cheio de ricos que eu era a esposa perfeita do herdeiro Albuquerque, tudo isso enquanto tentava não tropeçar no salto ou derrubar champanhe na cara de alguém.
Desci pra sala com o coração na boca, segurando uma clutch minúscula que a Fernanda me deu — um trocinho que mal cabia o celular. O Rafael já tava me esperando, impecável como sempre, de smoking preto e gravata borboleta. Ele me olhou de cima a baixo quando me viu, e dessa vez não teve franzir de sobrancelha nem comentário seco. Só um “Você tá bem” que saiu quase como um elogio. Quase.
— Valeu, querido — respondi, com um sorrisinho irônico que já tava virando minha marca registrada com ele. — Vamos logo com isso antes que eu desista e volte pro meu pijama.
Ele nem riu, só fez sinal pra eu ir com ele pro carro. O motorista — o mesmo cara sério de sempre — abriu a porta pra mim, e lá fomos nós, rumo ao tal evento no Hotel Albuquerque, o carro-chefe da rede da família dele, um prédio de vidro e mármore no Jardins que eu só conhecia de foto.
Chegando lá, eu quase engasguei com o ar que tava respirando. O salão era gigante, com lustres que pareciam joias penduradas no teto, mesas cobertas de toalhas brancas impecáveis e garçons circulando com bandejas de taças e uns canapés minúsculos que eu não sabia nem como comer direito. A música vinha de um quarteto de cordas num canto, e o lugar tava lotado de gente chique — mulheres com vestidos caros, homens de terno que pareciam custar meu aluguel de um ano, e todos com aquele ar de quem nasceu sabendo segurar uma taça de champanhe sem parecer ridículo.
O Rafael pegou minha mão assim que entramos, e eu senti um choque que não esperava. Não era nada romântico, claro — era só pra manter as aparências —, mas o calor da mão dele na minha me pegou desprevenida. Ele me guiou pelo salão, cumprimentando um ou outro com aquele sorriso calculado que ele dominava tão bem, e eu só ia atrás, tentando não parecer um peixe fora d’água. “Senhora Albuquerque, que prazer”, disse um cara de meia-idade com cara de quem manda em alguma coisa, apertando minha mão com força demais. Eu sorri e murmurei um “Obrigada”, rezando pra não ter que falar mais que isso.
Aí o senhor Albuquerque apareceu. Ele surgiu do meio da multidão como um predador saindo das sombras, com o mesmo terno impecável do jantar e aquele olhar de tubarão que me dava calafrios. — Rafael, Clara — disse ele, com a voz grave que parecia ecoar mesmo num salão barulhento. — Que bom ver vocês dois juntos de novo.
— Pai — respondeu Rafael, com um aceno curto, enquanto apertava minha mão de leve, como quem diz “entra no modo esposa agora”. Eu respirei fundo e soltei meu melhor sorriso.
— Senhor Albuquerque, é um prazer estar aqui — falei, tentando soar natural. — O hotel tá incrível, dá pra ver o quanto o senhor e o Rafael se dedicam a tudo isso.
Ele me encarou por uns segundos, como se estivesse pesando cada palavra, e deu uma risadinha seca. — Obrigado, Clara. Mas me diga, como tá sendo se adaptar à vida de casada com meu filho? Ele não é exatamente um livro aberto, é?
Eu quase engasguei com a pergunta, mas o Rafael me salvou, falando antes que eu pudesse meter os pés pelas mãos. — Ela tá se saindo melhor do que eu esperava, pai. Clara tem um jeito de deixar as coisas mais… leves.
— Leves, é? — repetiu o senhor Albuquerque, com um brilho nos olhos que eu não sabia se era aprovação ou desconfiança. — Interessante. Bom, aproveitem a noite, vocês dois. E, Clara, espero que você dance com meu filho mais tarde. Quero ver esse “leve” em ação.
Ele se afastou pra falar com outra pessoa, e eu soltei o ar que nem sabia que tava segurando. — Meu Deus, Rafael, seu pai quer me ver dançando com você? Eu nem sei dançar direito! — sussurrei, puxando ele pra um canto.
— Relaxa, Clara. É só uma valsa básica. Eu te guio — disse ele, com aquele tom de quem já resolveu o problema antes de eu surtar de vez. — Só não pisa no meu pé e vai ficar tudo bem.
— Tá, mas se eu pisar, a culpa é sua por me jogar nisso — retruquei, cruzando os braços. Ele só deu aquele meio sorriso e me puxou de volta pro meio do salão.
O resto da noite foi cheia de conversas curtas, taças de champanhe que eu tomava devagar pra não fazer papel de idiota, e sorrisos forçados pra todo mundo que vinha me cumprimentar como “senhora Albuquerque”. Até que o quarteto mudou o ritmo, e uma valsa começou a tocar. O Rafael me olhou, estendeu a mão e disse: — Hora de dançar, querida.
Eu quis morrer por dentro, mas peguei a mão dele e deixei ele me levar pro meio do salão. Tinha outros casais dançando, mas eu sentia todos os olhos em mim — ou pelo menos os do senhor Albuquerque, que tava num canto, nos observando como um juiz implacável. O Rafael colocou uma mão na minha cintura e a outra segurando a minha, e começou a me guiar. Eu tava dura feito pedra no começo, mas ele sussurrou: — Relaxa, segue meu ritmo”, e eu tentei. Não pisei no pé dele — milagre! —, e aos poucos a coisa fluiu. Ele girava comigo como se soubesse o que tava fazendo, e por um segundo eu quase esqueci que era tudo de mentira.
Quando a música acabou, ele me soltou devagar, e eu vi o senhor Albuquerque batendo palma de leve, com um sorriso que não dava pra decifrar. — Nada mal, Clara — disse ele, se aproximando. — Talvez você seja mesmo boa pro meu filho.
— Obrigada, senhor Albuquerque — respondi, com o coração ainda disparado. Ele assentiu e se virou pra falar com outra pessoa, me deixando ali com o Rafael.
— Viu? Não foi tão ruim — disse ele, me entregando uma taça de champanhe.
— Não foi ruim porque você me carregou na dança, seu convencido — retruquei, dando um gole na bebida. — Mas, tá, sobrevivemos.
Ele riu — um riso baixo, quase imperceptível, mas que me pegou de surpresa. — Você tá aprendendo, Clara. Quem sabe até o fim do ano você vire uma Albuquerque de verdade.
— Nem vem, Rafael. Um milhão e tchau — respondi, mas não consegui não rir também.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 40
Comments
Cicera Santos
vira uma Albuquerque e ganha mais de um milhão
2025-03-23
2