Uma Nova Vida Para Zeca

Zeca acordou com o som insistente de uma buzina. O céu ainda estava escuro, apenas algumas nuances alaranjadas começavam a surgir no horizonte. Levantou-se com preguiça, passou um pouco de água no rosto e saiu.

Lá fora, Seu Expedito estava em sua velha moto, com um chapéu de palha cobrindo parte do rosto enrugado.

— Achei que tu não ia acordar — disse ele, soltando uma risada.

— Eu nunca disse que ia — respondeu Zeca, seco.

— Pois agora já tá dentro, bora simbora!

Sem opção, Zeca subiu na garupa, e o velho arrancou, pegando a estrada de terra que saía da cidade. O vento cortava o rosto do garoto, e o cheiro da manhã era diferente ali, uma mistura de terra molhada, mato fresco e fumaça distante.

Depois de uns vinte minutos de viagem, chegaram à roça. O lugar era vasto, com campos de plantação que se perdiam no horizonte. Filas de milho cresciam altas, balançando com a brisa suave. Mais à frente, havia um pasto onde algumas vacas pastavam preguiçosamente, e uma pequena casa de madeira que servia de abrigo para ferramentas e descanso. Pés de manga, caju e buriti se espalhavam ao redor.

— Aqui é minha vida, rapaz — disse Seu Expedito, descendo da moto e esticando as costas. — E hoje vai ser tua também.

Zeca olhou ao redor, sentindo a terra fofa sob seus pés. O ambiente era tranquilo, mas ao mesmo tempo estranho para ele.

— O que eu tenho que fazer? — perguntou, já imaginando que ia se sujar todo.

— Primeiro, ver se tu presta pra alguma coisa. Depois a gente vê — respondeu o velho com um sorriso zombeteiro, pegando uma enxada e jogando outra para Zeca.

O garoto pegou o cabo de madeira e suspirou. Aquele dia seria longo.

O sol já ia alto quando Seu Expedito fincou a enxada no chão e esticou as costas com um gemido. Zeca, suado e sujo de terra, parou logo depois, sentindo os músculos dos braços arderem. Nunca tinha trabalhado tanto com as mãos daquele jeito.

— Rapaz, tu tá mais branco que leite de moça. Bora parar pra comer antes que tu desmaie aqui — disse o velho, caminhando até uma árvore alta e frondosa, onde a sombra era densa.

Zeca jogou a enxada no chão e seguiu o homem, sentando-se com as costas apoiadas no tronco. Seu Expedito abriu uma sacola de pano e tirou duas marmitas de alumínio amassadas pelo tempo.

— Trouxe pra nóis. Sei que tu num é bicho do mato, mas aqui nóis come é comida de sustança — disse o velho, entregando uma das marmitas para Zeca.

O garoto abriu o recipiente e o cheiro de arroz, feijão e carne de sol subiu, misturado com um pedaço de macaxeira cozida. Seu estômago revirou na hora. Ele sentiu a boca seca, como se estivesse prestes a engolir areia. Não era aquilo que seu corpo queria. O cheiro da carne cozida não lhe despertava apetite algum. Ele queria carne fresca. Sangue.

Respirando fundo, pegou a colher e levou um pedaço de feijão à boca. Mastigou devagar, sentindo a comida pesada, quase indigesta. Seu corpo rejeitava aquilo, mas ele forçou mais uma garfada, depois outra. Seu Expedito comia sem cerimônia, enchendo a boca de comida, alheio ao desconforto do garoto.

— Tá ruim, é? — perguntou o velho, percebendo a demora de Zeca.

— Não... só... não tô muito acostumado com comida pesada assim — respondeu ele, empurrando um pedaço de carne de sol para dentro da boca, tentando ignorar o sabor seco e salgado.

— É comida de verdade, moleque. Melhor do que esses trem de lanchonete que tu deve comer na cidade — disse Seu Expedito, limpando a boca com o dorso da mão.

Zeca engoliu com dificuldade, o gosto da carne parecendo áspero na língua. Ele sabia que precisava continuar fingindo, precisava parecer normal. Mas, naquele momento, tudo dentro dele gritava por outro tipo de alimento. Algo quente. Algo vivo.

Enquanto descansavam à sombra do cajueiro, Seu Expedito limpava os dentes com um palito de madeira e olhava Zeca de canto.

— E tu, garoto? Parou de estudar em que ano?

Zeca hesitou por um instante, depois respondeu de forma direta:

— Terminei o fundamental. Era pra eu ter começado o ensino médio, mas perdi um ano.

O velho assentiu, coçando o queixo.

— Pois isso num é coisa que se faça. Um rapaz novo feito tu, cheio de vida, tem que estudar. Vou te matricular numa escola à noite. A filha minha estuda lá, vai ser tua colega.

Zeca arqueou a sobrancelha, surpreso com a decisão repentina do homem.

— Não precisa, Seu Expedito. Eu tô bem assim.

— Besteira, rapaz! Se tu vai morar aqui, tem que fazer direito. Estudar, trabalhar, viver. E num te preocupa, lá tu vai ter boa companhia. Minha filha, Isadora, é a melhor aluna da turma. Inteligente que só vendo! Puxou a mãe, graças a Deus, porque se fosse pra puxar a mim, tava enrolada! — Ele riu alto.

Zeca permaneceu calado, e o velho continuou:

— Isadora é uma moça direita, educada, dessas que qualquer pai tem orgulho. Bonita também, viu? Mas num é dessas de se achar, não. Boa de coração, ajuda em casa, cuida da mãe doente, estuda e ainda arruma tempo pra dar aula pras crianças na igreja. Um anjo em forma de gente.

O garoto apenas assentiu, forçando um sorriso discreto. Mal havia chegado e já estavam decidindo seu futuro por ele. Mas, no fundo, parte dele sabia que talvez fosse melhor assim. Se quisesse parecer normal, teria que viver como uma pessoa normal. Mesmo que, por dentro, ele soubesse que não era.

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