Besta Interior e Exterior

A viagem até a casa dos pais de Joaquim foi longa e pesada, o silêncio pairando entre pai e filho como um espectro. As trilhas estreitas, as árvores fechadas ao redor e os sons noturnos da mata pareciam sussurrar segredos sobre o que havia acontecido naquela casa abandonada.

Quando chegaram, os pais de Joaquim os receberam com surpresa, mas ele pouco disse, apenas uma frase seca:

— Não volto mais praquela casa. Nós ficaremos aqui.

Os velhos não fizeram perguntas, apenas acolheram o filho e o neto com um olhar inquieto. Mas, enquanto a noite avançava, um brilho estranho cruzava o olhar de Zeca. O peso da maldição ainda era invisível, mas o destino de Zeca já estava selado.

Quando Joaquim entrou na casa dos pais, não hesitou em despejar a mentira que encobrira suas ações. Sentou-se pesadamente à mesa de madeira rústica, o rosto endurecido e a voz seca ao anunciar:

— Maria me enganou. Para mim, ela está morta.

Os pais de Joaquim se entreolharam, confusos e preocupados, mas sabiam o quanto o filho era inflexível. Não ousaram questioná-lo. A mãe, com um nó no estômago, olhou para o neto, que parecia absorver tudo em silêncio, a expressão inexpressiva, quase fria.

— Vou deixar Zeca com vocês — continuou Joaquim, sem um traço de emoção na voz. — Ele é apenas um menino, precisa de alguém que cuide dele. Vou pra capital arrumar trabalho, mando dinheiro para vocês comprarem o que ele precisar.

Os pais assentiram, resignados, sem entender exatamente o que havia ocorrido para desmoronar a família de maneira tão abrupta. Ao mesmo tempo, algo no olhar de Zeca os incomodava profundamente, um brilho estranho que não parecia de uma criança comum.

No dia seguinte, Joaquim partiu sem olhar para trás, carregando apenas uma pequena mala e sua culpa enterrada em silêncio. O som de seus passos na estrada de terra foi sumindo, e, para ele, aquilo significava o fim de uma vida antiga.

Mas Zeca, agora sob os cuidados dos avós, carregava consigo a maldição de sua mãe, que ele mal compreendia. As noites de lua cheia trariam algo sombrio para sua vida, algo que ele ainda não podia prever, mas que crescia dentro dele como uma sombra, esperando o momento certo para emergir. Naquela noite, a lua cheia subiu no céu com uma luz pálida e fria, iluminando a pequena casa dos avós de Zeca. A casa estava em silêncio, exceto pelo ocasional coaxar de sapos e o farfalhar das folhas na brisa noturna. Todos dormiam, menos Zeca, que se remexia na cama, tomado por uma inquietação crescente. Um suor frio cobria sua pele, e uma febre estranha parecia consumir seu corpo.

Quando o relógio na parede fez ecoar suas doze batidas, Zeca abriu os olhos, que estavam estranhamente brilhantes, refletindo o luar como os de um animal faminto. Uma dor lancinante o atravessou, começando nas entranhas e se espalhando como fogo por cada centímetro de seu corpo. Ele segurou o peito e gemeu, tentando conter a onda de sofrimento que o devastava, mas a dor só aumentava, tornando-se insuportável.

Seus ossos começaram a estalar, cada um se deslocando e alongando de maneira grotesca. Zeca sentiu suas mãos se contorcerem e seus dedos se esticarem, as unhas se alongando e endurecendo até formarem garras afiadas. Seus braços e pernas se retorciam em espasmos, ganhando volume, enquanto o corpo se cobria de uma espessa camada de pelo negro e emaranhado, que parecia brotar de dentro para fora, rasgando sua pele com violência.

Sua mandíbula começou a se estender, os dentes transformando-se em presas pontiagudas que rasgavam a própria boca ao se rearranjarem. Um grito abafado se transformou em um rosnado gutural, horrível, ecoando pela casa. Seu rosto, antes humano, se alongou em um focinho animalesco, e os olhos, agora rubros como brasa, brilharam com uma fome primitiva e insaciável. Os ouvidos subiram em sua cabeça, tornaram-se pontudos e sensíveis, captando os menores sons ao redor.

Quando a transformação terminou, o que antes era um menino agora era uma besta feroz. A criatura, metade homem e metade fera, pulsava com força e selvageria. Seu peito subia e descia, e de sua boca escorria um fio de saliva espessa. As garras afiadas rasparam o chão de madeira, e um rosnado baixo, quase como uma promessa de destruição, escapou de sua garganta. Os pensamentos humanos de Zeca haviam se dissolvido, substituídos pelo instinto predador e pela fúria da maldição que agora dominava seu corpo e alma.

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