Quando os últimos sons dos aldeões desapareceram na floresta, Zeca finalmente ousou se mover. Cada passo era uma dor excruciante, a bala alojada em seu abdômen pulsava como se estivesse viva dentro dele. Sentia o sangue quente escorrendo por sua pele fria, empapando a calça já suja de lama e restos de carne seca.
Arrastando-se de volta para casa, fechou a porta atrás de si com um estrondo abafado, os braços trêmulos sustentando seu próprio peso. Sua respiração era irregular, e a dor crescia a cada segundo. Não tinha escolha. Precisava tratar o ferimento ou morreria ali, sozinho e abandonado como um animal ferido.
No canto da cozinha, o velho fogareiro de seu avô estava coberto de poeira e fuligem, mas ainda funcional. Com dedos trêmulos e sujos de sangue, Zeca pegou pedaços de carvão e lenha espalhados, jogando-os na pequena câmara de metal enferrujado. Riscou vários fósforos antes que um finalmente acendesse, e logo as chamas tímidas se espalharam, dançando à medida que alimentava o fogo. O calor começou a se espalhar, iluminando fracamente o ambiente destruído.
Seu olhar pousou sobre a faca de cozinha largada na pia. Pegou-a com pressa, observando o fio gasto da lâmina. Isso teria que servir. Com a respiração curta, colocou a lâmina direto sobre o fogo, esperando até que o metal ficasse incandescente, um brilho alaranjado mortal que prometia dor. Enquanto a faca esquentava, procurou na caixa de ferramentas do avô e encontrou um velho alicate de ponta fina, enferrujado, mas firme o suficiente para agarrar o chumbo alojado em sua carne.
Zeca sentou-se no chão, apoiando as costas na parede. Levantou a camisa rasgada, expondo o ferimento no abdômen. A carne ao redor da entrada da bala já estava escura, pulsante, o sangue escorrendo lentamente em pequenos filetes. Ele mordeu um pedaço de pano velho, fechando os olhos por um momento. Depois, com a mão coberta de sangue, segurou firme o alicate e empurrou as pontas metálicas dentro da ferida.
A dor foi instantânea, uma corrente elétrica que atravessou seu corpo como um raio. Seu grito morreu abafado contra o pano na boca enquanto suas mãos tremiam violentamente. Sentia o alicate tateando dentro dele, raspando contra carne e osso, forçando-se mais fundo. O suor escorria por seu rosto, misturando-se ao sangue e às lágrimas que ele nem percebia que derramava.
Quando finalmente sentiu a bala entre as pontas do alicate, puxou com toda a força que conseguiu reunir. Um som nauseante acompanhou o movimento, um estalo de carne sendo rasgada, seguido por um jorro de sangue fresco. A bala caiu no chão com um som seco.
Zeca respirou fundo, o corpo inteiro tremendo de exaustão. Mas ainda não havia acabado. A faca.
Pegando a lâmina incandescente, aproximou-a do ferimento. O calor irradiava antes mesmo de tocar a pele, e o cheiro metálico do sangue se misturou ao odor queimado da carne chamuscada. Ele hesitou por um segundo, mas então pressionou a lâmina contra a ferida aberta.
O mundo explodiu em dor. Um chiado sinistro encheu a cozinha quando sua própria carne fritou sob o metal em brasa. A pele se contraiu, as bolhas se formaram instantaneamente, e o cheiro de carne queimada encheu suas narinas. Ele se arqueou para trás, batendo a cabeça contra a parede, mordendo o pano com tanta força que sentiu o gosto do próprio sangue.
Por intermináveis segundos, ele ficou ali, ofegante, o corpo sacudindo em espasmos de pura agonia. Quando finalmente retirou a faca, a ferida estava cauterizada, a pele carbonizada ao redor da marca fumegante. Ele deixou a cabeça tombar para o lado, sentindo o mundo girar.
A última coisa que fez antes de sucumbir à exaustão foi pegar a velha linha de anzol e a agulha grossa que seu avô usava para costurar sacos de farinha. Suas mãos ainda tremiam, mas ele não podia deixar o ferimento exposto. Com movimentos lentos e dolorosos, atravessou a carne com a agulha enferrujada, sentindo cada ponto rasgar sua pele, unindo as bordas da ferida com laçadas grosseiras e apressadas.
Cada costura era um novo tormento, mas ele não parou até que estivesse seguro de que o corte estava fechado. Quando terminou, caiu para trás, os olhos semiabertos, a respiração entrecortada. O chão frio era a única coisa impedindo seu corpo de entrar em colapso total.
A dor era insuportável. Mas ele estava vivo.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 24
Comments