Ira e Facão

Ao chegar na roça, Zeca puxou as rédeas do jumento e gritou pelo pai. A voz de Joaquim ecoou ao longe, entre as fileiras de mandioca e milho:

— Ô, moleque! Tô aqui!

Zeca se ajeitou sobre o jumento, esforçando-se para parecer tranquilo, mas na verdade, sua mente trabalhava rápido, ajustando o que diria ao pai. Ele sabia que precisaria escolher bem as palavras para plantar a semente da dúvida sem levantar suspeitas sobre sua própria versão.

Joaquim, ao ver o filho, chamou os outros trabalhadores para se reunirem sob as árvores, onde a sombra refrescante oferecia algum alívio do sol que já queimava alto. No chão de terra batida e limpo, os homens sentaram em silêncio, suas expressões de cansaço suavizadas pela expectativa da refeição. Joaquim virou-se para o filho com uma sobrancelha arqueada.

— Eita demora, menino! O que foi que houve?

Sem perder tempo, Zeca deu de ombros e apontou com um olhar discreto na direção de casa.

— Foi a mãe, pai... Ela demorou com a comida.

Joaquim não respondeu de imediato, mas pegou a panela do jacá e retirou o pano que a envolvia. Assim que destampou a panela, uma expressão de surpresa — e de imediato, de desconforto — atravessou seu rosto. Tudo o que restava na panela eram ossos limpos, como se alguém tivesse devorado o galo até não sobrar quase nada de carne.

— Que diabo é isso, Zeca? Cadê a carne?

O menino engoliu em seco e, depois de uma breve pausa, falou em tom baixo, mas com uma expressão insinuante, como quem conta um segredo perigoso.

— Quando o senhor foi pra roça, pai... vários homens foram lá em casa. Ficaram no quarto com a mãe até perto do meio-dia, e depois… depois eles comeram o frango também.

O silêncio caiu pesado sobre o grupo. Joaquim ficou parado, segurando a panela com as mãos firmes, mas os olhos se encheram de uma fúria contida e desconcertada. O rosto endurecido do pai não deixava transparecer, mas os punhos cerrados sobre a panela indicavam o turbilhão de pensamentos que a fala do filho havia provocado.

Sem dizer uma palavra aos trabalhadores, Joaquim os dispensou com um aceno brusco, a mandíbula travada. Virou-se para Zeca e o puxou pelo braço, ambos deixando a roça em silêncio. A raiva queimava dentro de Joaquim como uma brasa viva. Maria jamais ousaria desonrá-lo daquela forma — ele resolveria aquilo como o homem da casa, com a frieza e a firmeza que julgava necessárias.

Ao se aproximarem da casa, Joaquim avistou o terreiro e parou, o sangue fervendo ainda mais ao notar as marcas profundas de botas indo e vindo da entrada. Aquelas pegadas confirmavam as palavras do filho, e ele não sentiu dúvida alguma sobre o que precisava fazer.

Entrou porta adentro com o facão em punho, a lâmina brilhando com o fio afiado que ele mesmo cuidava de manter, dia após dia. Maria, que estava terminando de lavar as mãos após o trabalho no quintal, levantou o olhar para ele, surpresa e desconfiada.

— Joaquim? Que foi? O que aconteceu? Por que voltou tão ce…

Ela mal conseguiu terminar a pergunta. Com um movimento rápido e brutal, Joaquim avançou, cravando o facão contra ela, num golpe preciso. O sangue jorrou, e Maria caiu no chão de terra batida, os olhos arregalados de incredulidade, sem entender de onde vinha tanta violência. Enquanto a vida escapava dela, Joaquim permanecia em pé, os olhos vazios e sombrios, sem desviar o olhar.

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Comments

valeria la gachatuber

valeria la gachatuber

Não consegui parar de ler! 📖

2025-03-19

1

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