Quando os primeiros raios de sol tocaram a vila, o horror da noite anterior foi revelado em toda a sua brutalidade. As ruas, antes tranquilas, estavam cobertas de sangue seco e corpos mutilados. Pedaços de carne e ossos quebrados espalhavam-se pelos becos e portas arrombadas. O cheiro de ferro e morte impregnava o ar, e um silêncio sepulcral pairava sobre os que sobreviveram.
Os moradores que conseguiram se esconder saíam de suas casas com expressões de puro choque e desespero. Mulheres choravam sobre os corpos de seus filhos, homens olhavam para as ruínas do que antes era seu lar, incapazes de encontrar palavras para descrever a tragédia. Ninguém tinha certeza de como aquilo acontecera, mas um sussurro começou a se espalhar entre os sobreviventes: Zeca.
Muitos ainda se recusavam a acreditar. Ele era apenas um garoto, um órfão recluso que mal falava com os outros. Mas as coincidências eram perturbadoras: a história de sua família, a maldição que diziam pairar sobre ele, e o fato de que ninguém o vira durante o massacre. Os mais revoltados não queriam esperar por respostas. Armados com facões, enxadas e espingardas velhas, um grupo decidiu que precisava agir. Mesmo sem uma prova definitiva, o medo e a dor transformaram-se em fúria.
— Ele sempre foi estranho! — gritou um dos homens, com os olhos injetados de ódio. — Se não formos atrás dele, isso pode acontecer de novo!
Sem um plano, mas com o desejo de vingança ardendo em suas veias, os aldeões partiram em direção à casa de Zeca.
Zeca despertou com o corpo pesado, uma dor latejante percorrendo seus músculos. O cheiro metálico de sangue impregnava suas narinas, e, ao abrir os olhos, viu suas mãos sujas com os resquícios da carnificina da noite anterior. A sala onde dormira estava um caos – móveis quebrados, marcas de garras nas paredes e manchas escuras no chão de madeira. Fragmentos de memória começaram a invadir sua mente: gritos, carne sendo rasgada, o calor do sangue fresco em sua pele. O gosto ferroso ainda estava em sua boca, e isso fez seu estômago revirar e sentir prazer ao mesmo tempo.
Seu peito subia e descia rapidamente enquanto se deliciava com a mistura de sentimentos. Então, ouviu. Vozes. Gritos furiosos. O som de passos pesados se aproximando. Os aldeões. Eles estavam vindo. Seu coração disparou, e ele soube naquele instante que não poderia mais ficar ali. Aquele não era mais seu lar. Mas para onde poderia ir?
Sem tempo para pensar, ele correu para os fundos da casa, saindo pela porta dos fundos, descalço e sujo de sangue. Do lado de fora, a floresta chamava por ele, seu único refúgio. Os galhos retorcidos das árvores pareciam braços prontos para envolvê-lo, escondê-lo da fúria cega dos aldeões. Sem hesitar, ele se lançou na mata fechada, ignorando os galhos cortando sua pele e os espinhos cravando-se em seus pés.
Ele não foi longe antes de ouvir os primeiros disparos.Os aldeões viram a casa de Zeca suja de sangue e marcas das garras da besta nas parede e chão, não havia dúvidas Zeca era o monstro. O estrondo das armas ecoou pela floresta, e os pássaros assustados fugiram para o céu nublado. Balas zuniram pelo ar, acertando troncos, arrancando pedaços de madeira e folhas. O som seco de um tiro mais próximo o fez se encolher atrás de um tronco caído. Respirou ofegante, o peito subindo e descendo com dificuldade. Mas então veio a dor.
A bala o atingiu na lateral do abdômen, queimando como fogo. O impacto fez seu corpo sacudir, e ele quase soltou um grito, mas mordeu os próprios lábios com tanta força que sentiu o gosto do próprio sangue. Não podia fazer barulho. Se fizesse, seria seu fim.
Apenas alguns metros adiante, os aldeões avançavam, seus olhos selvagens em busca de qualquer movimento. Zeca pressionou a mão contra o ferimento, sentindo o sangue quente escorrer entre seus dedos, mas ficou imóvel, esperando, segurando a respiração.
— Ele tem que estar por aqui! — rosnou um dos homens. — Vi algo se mexendo!
— Apareça seu Maldito de Merda!!!— gritavam alguns.
Outro disparo rasgou o ar, atingindo uma árvore próxima. Zeca fechou os olhos com força, sentindo o suor frio escorrer pela testa. Se conseguisse sobreviver àquele dia, precisaria encontrar um novo lugar para chamar de lar. Mas antes, precisava continuar invisível.
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Atualizado até capítulo 24
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