O sol nascente tingia o céu com tons de vermelho e laranja, mas para Zeca, aquela manhã não trazia luz, apenas o peso sufocante do que havia acontecido. Ele acordou na entrada da floresta, o corpo exausto, coberto de suor frio e sangue seco.
Quando se ergueu, sentiu a dor surda dos músculos exaustos, o peso da transformação ainda presente em seus ossos. Ele olhou ao redor, tentando se situar, até que seus olhos caíram sobre algo espalhado pela grama úmida. Primeiro, viu um pedaço de tecido, a camisa que Joaquim usava na noite anterior. Depois, pedaços de carne dilacerada, ossos expostos e órgãos arrancados de seus lugares.
Seu olhar tremeu quando encontrou o rosto do pai – ou o que restava dele. A cabeça estava tombada para o lado, os olhos abertos, congelados em uma expressão de horror absoluto. Metade do crânio havia sido esmagado, a mandíbula pendia de maneira antinatural, e marcas de dentes estavam cravadas em sua bochecha.
Zeca caiu de joelhos, sentindo um frio gélido subir por sua espinha. Ele queria vomitar, queria negar, queria acreditar que aquilo era apenas mais um de seus pesadelos sangrentos. Mas o cheiro forte de carne pútrida e sangue seco não deixava espaço para ilusões.
Ele sabia a verdade.
Zeca caminhou de volta para a casa em passos lentos, como se o peso da noite anterior estivesse agarrado a seus ombros. O cheiro de sangue impregnava sua pele, seus cabelos grudavam na testa suados, e cada músculo parecia moído, como se tivesse passado por um moedor de carne. Ele precisava sair dali. Precisava apagar o que aconteceu, pelo menos por um tempo.
Ao entrar na casa, o cheiro de madeira envelhecida misturava-se ao ferroso do sangue seco. Ele ignorou as marcas de destruição, os móveis quebrados, as paredes arranhadas. Subiu as escadas trôpego e foi direto para o banheiro. Ligou o chuveiro e deixou a água fria escorrer por seu corpo, lavando o sangue e os resquícios da noite passada. Esfregou-se com força, como se pudesse apagar o que tinha feito, mas, por dentro, nada mudava.
Depois do banho, vestiu roupas limpas—jeans escuro, uma camisa larga e uma jaqueta surrada que encontrou no armário. Pegou sua mochila, jogando dentro dela algumas roupas, uma faca, um pouco de comida e o maço de dinheiro que encontrou entre as coisas do pai. Não era pouco. Era suficiente para sumir por um bom tempo. Com um último olhar para a casa onde viveu toda sua vida, onde se tornou aquilo que era agora, ele girou a maçaneta, atravessou a porta e nunca mais olhou para trás.
A estrada de terra ficou para trás quando Zeca finalmente pisou no asfalto da cidade. O cheiro de mato e sangue foi substituído pelo odor forte de gasolina, fritura e lixo acumulado nas esquinas. Carros passavam velozes, pessoas caminhavam apressadas, algumas rindo, outras de cabeça baixa, imersas em seus próprios mundos. Ele era só mais um garoto com uma mochila surrada nos ombros, sujo de estrada, ninguém olharia duas vezes para ele. Era exatamente isso que queria.
Seu estômago roncou, e ele percebeu que não comia há horas. Encontrou uma lanchonete pequena e entrou, ignorando o olhar desconfiado do atendente. Sentou-se em um canto escuro e pediu um hambúrguer mal passado e uma coca. Enquanto comia, observava os rostos ao redor. A cada mordida, flashes da noite anterior voltavam – carne dilacerada, sangue quente escorrendo pelos dedos, ossos quebrando entre seus dentes. Ele engoliu em seco e forçou o lanche para dentro, tentando se convencer de que aquele tipo de fome estava saciada.
Depois de pagar, caminhou pelas ruas sem rumo, deixando os pés decidirem para onde ir. Passou por becos úmidos, prédios pichados e vitrines iluminadas. Precisava de um lugar para passar a noite. Não podia se dar ao luxo de ficar em um hotel, não ainda. Encontrou um prédio abandonado na periferia, com janelas quebradas e paredes cobertas de pichações. O lugar cheirava a mofo e urina, mas era discreto o suficiente. Subiu as escadas rangentes e escolheu um canto afastado, jogando a mochila no chão antes de se deitar sobre ela.
Enquanto o silêncio da madrugada tomava conta da cidade, Zeca fechou os olhos e tentou não pensar. Não lembrar. Mas a lua cheia brilhava lá fora, e ele sabia que aquilo nunca o deixaria em paz.
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Atualizado até capítulo 24
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