Amigo

Passou quase duas semanas e nada mudava o quadro de saúde do meu avô, e Benjamim simplesmente sumiu, não ligava, não vinha a minha casa, não mandava nem se quer uma mísera mensagem para dizer que estava vivo, ouvia apenas da boca de Axl todas as vezes que perguntava a respeito dele a mesma resposta genérica e sem graça. "ele está ocupado com funções internas da empresa" palavras que entravam pelo ouvido e saiam pelo outro.

Não queria saber o que ele estava fazendo, necessitava vê-lo, já não bastava as viagens intermináveis, o que seria bem mais provável de estar fazendo do que tratando de algo burocrático.

Nesse período, acabei me reaproximando mais de London, levando-me a estar vendo um jogo de vôlei sentada sobre uma cadeira de plástico, ouvindo a multidão de gralhas torcendo pelo time principal da nossa escola competindo por uma vaga para semifinais do campeonato estadual.

É repulsivo ser a única a não ver nada demais, tudo bem, eles são altos e bonitos, alguns, bom, a minha cenoura é, mas não fazia sentido elas ficarem gritando como hienas no cio.

O jogo estava no quarto set, se a nossa escola ganhasse, iria acabar e poderíamos ir para o shopping como ele tinha me prometido se eu viesse para esse show de horrores que essas garotas faziam.

Gosto do esporte, não suporto é ver essas magrelas babarem por ele, e para minha eterna infelicidade acabei sentando ao lado da pior delas, Alice é branca igual a uma boneca de porcelana, cabelos loiros, lábios simétricos, nariz empinado, bochechas finas e se fizesse cosplay ela poderia ser a Olivia palito, por toda a sua magreza excessiva.

Um maior traço nela são suas clavículas incrivelmente protuberantes, me dá agonia, tenho medo desse filhote de Jack (do estranho mundo de Jack) acabar quebrando, poderíamos estudar anatomia com o corpo dela, seria até mais educativo. Já não bastava ter que aturá-la na sala de aula, o London fez o improvável, ter que conviver com ela em pleno sábado de manhã.

— Levanta, Emma, é o último ponto! — segurando minha mão, Alice gritava próximo ao meu ouvido.

— Viva! — sorri com as sobrancelhas erguidas e um sorriso forçado.

Graças a Deus, era o último ponto, assim não precisaria mais sentir o perfume Chanel dela de quinta categoria, o qual embrulhava o meu estômago com toda a sua doçura. O apito final soou, a nossa escola conseguiu passar para as semifinais, o que quer dizer mais jogo no próximo final de semana, estava louca para não ir.

Minhas pernas estavam dormentes, minha bunda já tinha o formato da cadeira, via por entre as gralhas eufóricas que se abraçavam na minha frente seus olhos cor de mel a procurar por mim, quando me avistou fez um sinal com a mão indicando que iria tomar banho, apenas sorri.

— Vai continuar sentada? — Alice murmurava enquanto passava por mim.

— Vou esperar o London aqui mesmo... — sorri meio indiferente.

— Legal, então fala pra ele que vou estar esperando-o no horário marcado, na minha casa. — Falou com tanto entusiasmo.

— Sim, senhora...

A minha vontade era de quebrá-la igual a palito de dentes, ao invés disso, mantive-me sentada como uma garota educada que sou. Dessa forma, apenas bufava pelos quatro cantos, imitando a forma como Alice falava, quando fui surpreendida por um rapaz.

— Ela deve ser muito chata mesmo — sorriu, sentando ao meu lado — Já se passaram incríveis quinze minutos desde que começou a se balançar e imitar os gestos iguais a ela.

— Oi! — sentei-me de maneira ereta. — Desculpe, mas o conheço?

— Não, garotinha — ele sorriu, olhando fixo para mim.

Olhei aflita para a saída do vestiário. Erguendo o pescoço, apoiei as mãos para levantar quando ele segurou meu pulso.

— Calma! Garotinha, apenas achei interessante o seu monólogo de caretas e expressões exageradas.

— Gostou, foi? — Dei um sorriso amarelo. — Poderia me soltar? O meu amigo está me esperando. — Apontei para a saída do vestiário.

— Então ele é seu amigo? — Soltou meu pulso e olhou na mesma direção a qual apontei.

— Sim — finalmente vi London sair com os cabelos ainda úmidos — Se me der licença, preciso ir! — tentei passar pelo rapaz, no mesmo instante ele se levantou.

— Posso saber seu nome? — Parado à minha frente, me fez tremer diante daqueles olhos escuros.

— Emma...

— Emma, um lindo nome, combina perfeitamente com você.

— Obrigado! — tentava controlar a respiração de uma forma que não percebesse o meu nervosismo — e o seu?

— Andrey!

— Andrey, preciso mesmo ir, tenha um ótimo sábado! — disse sorrindo enquanto me esgueirava por um espaço pequeno entre ele e a fileiras de cadeiras.

— Sim, nos vemos por aí, Emma...

Olhei para trás sorrindo sem graça, London estava na metade da arquibancada quando o abracei fortemente.

— Quem era? — Ele sussurrou, segurando minhas costas.

— Não sei, vamos sair daqui, por favor!

— Está tudo bem? — Ele acariciava minhas costas.

— Tudo bem! Tudo bem seria um exagero, mas vamos embora. — Olhei nos olhos de London — ele está olhando para a gente?

A minha cenoura olhou por cima da minha cabeça e cochichou.

— Parece hipnotizado!

— Vamos embora, se vira e sai, antes que ele queira nos acompanhar!

— Ele não teria essa audácia!

— Acho que teria sim.

Ainda com a mão apoiada nas minhas costas, saímos do enorme ginásio.

Passamos a caminhar por entre as pessoas as quais transitavam nas calçadas que seguiam a enorme avenida, meu coração naquele momento sentiu um sufocamento, aperto, minhas mãos tremulavam, ainda rodeada pelo seu cheiro, lembrava-me um enorme campo de lírios.

Conheci Andrey Rurik antes mesmo de saber sobre toda a verdade da minha família, antes de saber dos planos que meu tio tinha, antes de perder meu mundo inteiro, antes mesmo de saber que aquele Andrey seria o mesmo a transformar a minha vida em ruínas.

London segurou pela minha cintura e subimos a rua, olhando entre seu braço por cima do ombro, vi Andrey acenando. Se soubesse o que sei hoje, teria ficado naquela quadra, teria o conhecido melhor.

Virei o rosto rapidamente, balançando a cabeça, tentando dispersar sua presença, a qual perturbava minha mente. Andrey é extremamente bonito, seus cabelos chegam aos ombros, loiro ao ponto de quase ser branco os fios, olhos negros, tinha mais piercings no rosto que conseguia contar, as orelhas eram repletas de furos, tinha no nariz, lábios, supercílio e aparentava ter vinte anos, da estatura de Benjamim era mais baixo que London. No entanto, aquele olhar era sem vida, frio e implacável, como a fúria de mil homens.

Segui o caminho todo ouvindo o murmúrio de animação por terem vencido o jogo, mas minha mente estava afastada o suficiente para a voz dele ser apenas sons distorcidos como arranhões em um quadro negro, aquele garoto ainda perturbava a minha alma inquieta.

Chegamos ao local sem perceber, adentramos no shopping, sendo envolvidos pela massa de ar frio, apertei o braço de London, que voltou a me abraçar, só assim me dei conta de onde estávamos. Passamos por diversas lojas até chegarmos à praça de alimentação. Sendo mais específico em um restaurante italiano. Sentamos nas mesas da frente, esperando o garçom vir até nós.

London balançava os pés sob a mesa, acabava cutucando os meus sem querer.

— Garoto, você está balançando a mesa, para com isso! — resmunguei, me inclinando sobre a mesa coberta por uma toalha vermelha.

— Você me deixa assim! — Ele sorriu de um modo doce.

— Não começa, — lembrei do que Alice havia me dito — sua namoradinha vai estar esperando você hoje! — retrocedi, me encolhendo na cadeira.

— Que namorada, nunca te pedi em namoro!

— Alice — afinei a voz, revirando os olhos.

— Não marquei nada com ninguém, deve ter falado isso apenas para te deixar chateada, viu? — Inclinou a cabeça ligeiramente e ergueu de modo rápido as sobrancelhas — Estar com ciúmes de mim!

— Não estou nada, ela só é insuportável! — Cruzei os braços.

— Admita, Emma, no fundo você me ama!

— Eu amo você! Seu ridículo!

— Não desse jeito, estou falando do jeito que ama o Ben! — Ele fungou e desviou o olhar.

— É você quem está falando... acho...

— Estou mentindo? — continuava olhando para nada à sua esquerda.

O analisava de modo fixo quando o garçom se aproximou com um pequeno bloco de anotações, trajando uma roupa mais social junto com um avental verde de pano.

— Boa tarde, jovens, já querem pedir? — O moço alternava o olhar entre nós

— Sim, — sorri para ele — vou querer massa à putanesca com uma limonada.

— E você, rapaz? — Com as mãos suspensas, ele esperava, olhando atentamente para London.

— Uma lasanha média e uma lata de Coca-Cola.

— Lasanha tradicional?

— Sim!

— Ok, retorno em alguns minutos.

Depois da fala desprovida de um bom entendimento de London, apetecia ir embora, não queria ficar olhando para ele em silêncio como se fôssemos dois desconhecidos, contudo foi o que aconteceu, passamos toda a refeição quietos, ele mexendo no celular ao mesmo tempo que minha alma caía lentamente no desespero de querer fugir sem poder.

A melancolia silenciosa me acertou em encheio deixando tudo um tanto tenso entre a gente, depois de comermos, ele chamou um táxi que nos levou até a entrada do condomínio, pois ninguém desconhecido podia passar pelos portões altamente vigiados.

Arrastando o meu corpo por entre as calçadas de calcário, admirava as casas acendendo as luzes de modo gradativo, iluminando as ruas um tanto apagadas. O cheiro de cravos preenchia o ar, permitindo que meu coração aliviasse aquele fardo de nunca ter correspondido aos desejos e sentimentos de London. Assim, ganhávamos as ruas pouco a pouco, por fim chegamos às casas mais afastadas, onde os terrenos eram maiores, onde existiam apenas três casas e uma delas era a minha. Não queria voltar para casa, não daquele jeito.

Parei de modo brusco, o fazendo parar com um pequeno puxão em seu moletom azul.

— O que aconteceu? — Com o olhar triste e a voz mansa, cochichou.

— Podemos ir para sua casa? — minha respiração ficou mais intensa.

— Quer mesmo? — ele se aproximou, tocando em uma pequena mexa do meu cabelo.

— Quero, podemos ver algum filme ou ficar vendo apenas videoclipes ou vídeos de pegadinhas, não quero ficar brigada com você por algo inútil.

— Realmente, é exatamente isso que Benjamim Collins é, um inútil.

— Para com isso, apenas vamos.

Ambos de acordo retrocedemos duas ruas para irmos à sua casa. Parada ao seu lado, diante do enorme muro cercado por um tipo de musgos, trepadeiras que floresciam flores roxas com cheiros azedinhos e intensos.

Esperava ele digitar a senha no portão. Amava aquela fachada, lembrava um jardim escondido, uma porta para um mundo onde tudo parecia possível, onde as minhas fantasias ganhavam vida.

Adentramos o enorme jardim cheio de roseiras brancas, algumas flores silvestres e diversos arbustos em formatos redondos e fofinhos. Andávamos por cima de tijolos vermelhos que deixavam aquele jardim com cara de recanto das fadas, a mãe de London amava jardinagem e paisagismo, tudo ali foi pensado e projetado para parecer uma floresta encantada.

As trepadeiras cresciam até mesmo em algumas paredes da própria casa com traços da era vitoriana, deixando tudo perfeito. Entramos pela porta da cozinha, onde as luzes estavam apagadas, deixando tudo um tanto na penumbra, tornando-se um breu senão fosse pela luz distante no corredor.

A cada passo mais fundo, menos barulhos ouvíamos, subíamos as escadas iluminadas pela luz fraca do hall de entrada. Os nossos passos eram abafados pelo carpete cinza, o qual se alastrava por todo o segundo andar. Chegando no quarto, ele jogou a enorme bolsa em um canto embaixo da janela que lembrava um lindo arco branco, ao lado do computador, o mesmo iluminava parte do quarto.

— Deixou-o ligado o dia todo? — Apontei para o objeto.

— Esqueci... — entortou o nariz — iremos assistir o quê?

— Não sei! — Sentei na beirada da cama e tirei as sapatilhas.

A cama balançou com ele pulando sobre a mesma, deitando de lado, apoiando a cabeça com a mão, me olhando de maneira excessiva.

— Ela é tão bonitinha quando está com raiva!

— Quem? Sua namorada? — resmunguei, massageando os pés, um pouco doloridos.

— Você!

— Não estou com raiva.

— Então, o que esse bico lindo faz no seu rosto? — Ele se aproximou, caminhando igual a um cachorro por cima da cama.

— Não tem bico nenhum!

— Tem sim, e agora está maior — London fez um bico e estreitou o cenho.

— Para com isso! — empurrei seu ombro.

— Ou o quê? — Ele apertou minha cintura

— London, por favor, liga a droga dessa televisão!

— Tem medo de ceder e dormir comigo, né? Bananinha!

— London! Não me chame assim...

— Esqueci que apenas os priminhos podem. — Ele saiu da cama e pegou o controle sobre o rack em que o aparelho de TV estava.

— Não é isso, mas o tom de sarcasmo foi bem evidente na sua fala.

— Sei! — Ele voltou, deitou de novo na cama — Deita do meu lado e vamos assistir a esse filme.

Me estendi sobre a cama, olhava para a TV, onde passava uma animação chamada Robôs, já havíamos assistido aquele filme antes, mesmo assim rimos das mesmas falas de um dos personagens, comentamos quase a mesma coisa em cada cena. Quando terminou, começou Os Simpsons, onde vi apenas três episódios e acabei adormecendo ao toque suave e quente da sua mão resvalando em meu braço.  

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!