Incidente

***Benjamin***

De volta ao meu quarto, tentava pegar no sono mais uma vez, mesmo sabendo que levantaria daqui a algumas horas. Virei de lado, olhando as sombras nas paredes, recordava o período que passei na Itália, levando-me a pensar na primeira vez que Ivan Rurik cruzou o meu caminho.

Tudo que aguentei foi apenas pensando que estava aprendendo o necessário para proteger a minha família e principalmente a ela.

Por dois anos, fui torturado e humilhado. Era considerado o "cumpridor de profecias". Matei mais pessoas do que conseguia contar; depois da décima vítima, você para de querer saber o porquê vai fazer isso. O sangue se torna apenas mais uma cor em suas roupas, e os órgãos espalhados, apenas um aperitivo para os cães.

Em meio a todo o meu sofrimento, a única coisa que me mantinha sã naquela época era o conforto de saber que, quando retornasse para casa, veria Emma novamente. Durante o meio tempo entre os italianos, não fiz amigos nem conheci gente nova. Eu só queria que o tempo passasse logo para poder voltar para casa.

Quando estava com quatorze anos, tinha um último serviço a executar antes de retornar para meu país. Em uma noite chuvosa e fria, estávamos aguardando um carregamento no porto. Fui ordenado a ficar na praça central, próximo à igreja matriz. Naquele dia, estava exausto, não dormia há quase seis dias. Meu trabalho era simples: não deixar ninguém passar pela praça até que o carregamento fosse colocado nos caminhões. Pensei que cochilar não causaria problemas, já que era muito tarde e ninguém passaria por ali àquela hora. Meus olhos pesados piscavam a cada fração de segundo.

Em meio a esses pequenos cochilos, avistei um menino distante, perto da fonte do outro lado da praça. Ele estava sozinho, não carregava nada aparente e se aproximava lentamente com as mãos nos bolsos. Outro cochilo, então senti um ardor no meu pescoço e um líquido quente percorrer meu corpo.

Com os olhos fatigados, tentava mantê-los abertos. O menino, de cabelos e olhos negros, olhava para mim fixamente. Parecíamos ter a mesma idade. Olhei ao redor e vi uma enorme poça de sangue em volta do meu corpo. Aos poucos, tudo à minha volta começou a se transformar em um grande borrão. Tentei segurar o braço dele, mas a força havia sumido das minhas mãos.

Aos poucos, ele se afastou, o som de um carro freando bruscamente soou no silêncio da madrugada, o garoto sorriu dando tchau e entrou no veículo.

Acordei seis dias depois, deitado na cama de um hospital. Acordei assustado, olhando por todo o ambiente, vi tio Elliot sentado numa poltrona perto da porta. Ele se levantou e caminhou até mim de maneira sutil. Ao se aproximar, estalou os dedos duas vezes e me deu um tapa, fazendo meu pescoço sangrar novamente.

— Moleque burro, como pôde quase morrer para aquele garoto que não tem metade do seu treinamento? Como deixou isso acontecer? — Meu tio estava vermelho de raiva.

Não disse nada. O corte havia sido profundo o suficiente para me deixar sem falar por quase seis meses. Durante todo aquele período, só pensava no rosto daquele desgraçado. Iria caçá-lo até o fim do mundo e matá-lo com minhas próprias mãos.

Retornei para casa antes de me recuperar por completo. Meu avô só permitiu, pois disse que eu havia aprendido tudo o que podia e que agora era hora de colocar em prática.

Quando me recuperei totalmente, ele fez uma cerimônia e me nomeou o Pilar Secundário, sucessor de todo o império de ferro. Foi naquele dia que revi Emma depois de dois anos. Ela usava um vestido branco rodado, com várias rosas bordadas, e seus lindos cachos castanho-claros emolduravam seu rosto. Ela tinha seis anos no período vigente.

Quando a cerimônia terminou, pude ir até ela e entregar todos os ursos que havia comprado durante minhas viagens. Aqueles olhos gentis, cheios de bondade e amor, quebravam todas as barreiras do meu coração. Observava-a enquanto dava nome a cada um dos ursos. Ao terminar, aproximou-se de mim e tocou na cicatriz que aquele desgraçado havia deixado.

— Nas fotos, você não tinha esse dodói! — Seu olhar gentil percorria todo o meu pescoço.

— Acabei me machucando na última viagem que fiz, mas não se preocupe, não dói mais!

— E esse aqui? — Ela apontou para uma marca específica na minha mão, resultado de um tiro que levei por errar uma única questão.

— Essa foi uma formiga que fez. Acredite! Nunca brinque com formigas, Bananinha — forcei um sorriso.

— Você é muito desastrado, Ben — ela deu um sorriso tão grande que suas janelinhas apareceram.

Foi naquele dia que cobri a cicatriz no pescoço com uma tatuagem de coruja, para lembrar de nunca mais dormir sem necessidade. Nos dois anos seguintes, fiz mais de quinze tatuagens, todas cobrindo cicatrizes antigas e novas. Não queria mais mentir para ela.

Depois de anos longe de casa, era praticamente um estranho para quase toda a família. Nessa mesma época, minha irmã já não morava mais conosco; ela tinha ido para um lar na Suíça e ficou lá até casar com Vittorio, o sucessor da família Caccini.

Enquanto isso, minha vida seguia o mesmo padrão de sempre: morte, sangue, lágrimas, e a necessidade de ser forte e inabalável, como era esperado de um herdeiro.

Ainda me revirava por toda a cama, agitando os lençóis e meus pensamentos, o dia ameaçava invadir meu quarto pela pequena abertura da cortina. Olhando para o teto, ainda predominava a sensação de não ter matado Ivan.

O que também me fez lembrar que não falava com minha irmã há mais de um mês. A última vez que tive notícias dela, Charlotte havia dado um herdeiro aos italianos. Odiava o fato de ela ser praticamente uma prisioneira, uma fábrica de bebê para manter o contrato em nossas famílias por uma linhagem.

A mente fervilhava quando o celular começou a vibrar, peguei o aparelho e, observando a tela, vi o nome do tio Elliot. Era isso, remoer o passado só me fazia sentir um merda, precisava resolver essa ponta solta para poder seguir adiante com a escuridão que chamava de vida.

Levantei rapidamente, troquei de roupa, alinhei o cabelo, acendi um cigarro, hora de trabalhar, tem outros porcos mais prioritários que Ivan Rurik.

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Comments

Jhay_Focas

Jhay_Focas

Por que não ajuda ela?

2025-04-04

1

Nefelibata

Nefelibata

Pq uma coruja, autora?

2025-04-04

1

Bela Black

Bela Black

Eita casqueira... não sei se vou ter pano suficiente pra passar pra vc não em.

2025-04-07

1

Ver todos
Capítulos
1 Infância
2 Primo
3 Incidente
4 Retaliação
5 Puberdade
6 Amor proibido
7 Natsumi
8 Chegada
9 Volta para casa
10 Família
11 Reencontro
12 Reunião
13 Discussão
14 Café da manhã
15 Confissões
16 Verdades
17 Pilar Principal
18 Vovô
19 Amigo
20 Compromisso
21 Felicitações
22 Prisão
23 Desabafo
24 Declínio
25 O fim da era de ferro
26 Notícia
27 Velório
28 Madrugada
29 Aeroporto
30 O fim
31 Preparativos
32 Festa
33 Pedido
34 Fim de festa
35 Dia seguinte
36 Revelações
37 Ava
38 Jantar
39 Funções
40 Abismo
41 Primeira vez
42 Deveres
43 Doutora
44 Festa
45 Escolha
46 Execução
47 Fim da noite
48 Pais
49 Filha
50 Escola
51 Carona
52 Primos
53 A casa verde
54 Apartamento
55 Escadas
56 Garotas
57 Desejo
58 Dever
59 Viúva
60 Celular
61 Desânimo
62 Inveja
63 Pilares
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66 Ruivo
67 Ele sabe de tudo
68 Senhor Brown
69 Desentendimento
70 Punidos
71 Lealdade
72 Segredo
73 Despedida
74 Novo lar
75 O russo
76 O plano
77 Desculpas
78 Andrey Rurik
79 Ele está fingindo?
80 Quer namorar comigo?
81 Invasão
82 Tragédia
83 Dois coelhos
84 Inferno
85 Adeus
86 Desgraça
87 Rota de colisão.
88 A ligação
89 Proposta
90 Partida
91 Maxim
92 Traição
93 Castelo
94 Banho
95 Jantar
96 Visita
97 Aviso
98 Ala sul
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Atualizado até capítulo 98

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