Acordei com a cabeça pesada, abri os olhos. Depois da ligação que tive com Benjamim, passei quase toda a noite em claro. Como ele poderia ter alguém na sua vida? E ainda ter feito o que fez? Ontem acreditei que ele me amava, mas agora já não tinha essa certeza.
Afundada entre os lençóis, ouvi o despertador tocar, era exatamente 8h do sábado e, como todos os sábados, eu visitava meu avô. Passava quase quatro horas lá. Desde que ele tinha sido internado por conta de uma ponte de safena mal sucedida, os médicos já haviam desistido, mas eu não. Seguia acreditando que vovô sairia daquele lugar triste e ermo.
Meu adorável avô tinha setenta anos. Depois que ficou viúvo, nunca se casou novamente e criou os seis filhos sozinho. Sempre foi presente na vida de todos os filhos e netos. Sendo assim, fazia questão de ir vê-lo não apenas eu, mas como quase todos os meus primos.
Ainda atordoada pelo que ocorreu no dia anterior, criei coragem e finalmente saí da cama. No meio daquela escuridão que chamava de quarto, procurava o controle das persianas para permitir que a claridade do dia irradiasse não apenas o local, mas também o meu interior. Depois de muito revirar a cama, o encontrei sobre o divã perto da enorme porta de vidro.
Acionei as persianas que se abriam de maneira lenta, com as mãos nos olhos deixava pequenas brechas entre os dedos para que se adaptassem à claridade e ao esplendor do sol alpino, passava dos grandes pinheiros.
Com os olhos adaptados àquele maravilhoso dia, abri a porta, para experienciar o fresco dos ventos, os quais brincavam com os galhos das árvores. Uma forte brisa rodeava meus cabelos, fechei os olhos e inspirei fundo. O cheiro de relva molhada pelo sereno da noite percorria para os meus pulmões.
As rajadas traziam um pouco de paz para o meu coração machucado. Alonguei cada parte do corpo enquanto tomava um banho de sol. Após dispersar toda a tristeza em minha alma, parti para tomar uma ducha rápida.
Sem demora, escovei os dentes, lavei o rosto, passei protetor solar no rosto e creme de cereja em meu corpo, vesti uma calça jeans e uma blusa com a estampa dos Animaniacs, um dos desenhos que mais vi na infância. Calçando um tênis qualquer, desci para comer algo antes que Axl chegasse, já que todos os sábados era ele quem ia comigo para o hospital.
Entrando na cozinha como um foguete desgovernado, dei de cara com Maya.
— MAYA! — pulei em seu colo, abraçando-a, beijava todo o seu rosto — Vamos para o shopping hoje?
Um belo sorriso apareceu em seus olhos e lábios.
— Se ainda estiver viva até lá, podemos ir sim... — ela afastava o meu rosto com suas mãos — Para com isso, Emma!
Dei um último beijo e a puxei para junto da sala de jantar para que tomássemos café da manhã.
— Sabe que não posso, Emma. — Maya puxou a sua mão da minha.
— Deixa de besteira, meus pais nunca a trataram de maneira ríspida ou com indiferença. A segurei firme ao ponto de as pontas dos seus dedos ficarem roxas.
— Não é isso... — abaixou a cabeça — minha mãe disse que já estamos bem grandinhas e que preciso entender o meu lugar nessa casa.
— E qual é o seu lugar? Você nunca foi empregada, Maya, pode ser filha de uma, mas meus pais e principalmente eu, jamais a vi dessa forma, o único lugar que deve ocupar é de minha amiga — revirei os olhos e a puxei novamente — depois daquela cenoura falante, você é a única amiga em quem confio.
Ela sorriu novamente, mas dessa vez foi um sorriso mais fino. De mãos dadas, entramos na grande sala, onde havia uma mesa de vidro com mais de doze cadeiras, ao redor grandes vasos de plantas, vários candelabros de prata presos no teto sobre a mesa.
Os jogos americanos postos para quatro pessoas. Puxei a cadeira de madeira entalhada e sentei, fazendo Maya sentar ao meu lado.
Enquanto as copeiras nos serviam, ela seguia calada. O café, como todos os outros, torrada, bolo, geleia caseira de pêssego, suco natural de maçã e melão, e mais uma pequena porção de mingau de aveia.
Sempre começava pela pior parte, o mingau de aveia, a textura grudenta e viscosa me dava náusea. Brincava com a colher, mexendo aquele grude várias vezes, ao mesmo tempo que Maya ria de mim, servindo uma robusta xícara de café.
— Come isso a vida toda, Emma, como pode não estar acostumada? — O som da xícara sendo posta sobre o pires soou entre nós, enquanto Maya passava geleia na torrada.
— Isso é nojento, enfadonho, repulsivo, pode escolher! — olhava para o prato, entortando os lábios.
— Quer que eu te dê na boca ou coma por você como fazia quando éramos crianças?
Aquela voz rouca me deixou sem ar. London sentou na minha frente e pegou um morango. O mordendo, permitiu que o sumo da fruta escorresse pelos cantos dos lábios. Olhava fixo para o gesto, mas não deixei de notar que Maya também olhava para ele com a boca entreaberta.
— Bom dia também, London, caiu da cama? Combinamos algo? — Dei um pequeno empurrão com o cotovelo em Maya.
— Não, mas o Axl me ligou ainda pouco...
— E por acaso você vai conosco? — Tentava engolir o mingau
— Não, ele vai me trazer uma encomenda que pedi a ele há uns dias — ele seguia mastigando os morangos.
— Você em algum momento não está comendo? — Outra colherada que mais parecia cimento.
— Deixa de frescura e come logo esse mingau, Emma! Ou me deixa comer. — London olhou para mim de um jeito tão provocador que senti minhas pernas formigarem.
— Sabia que você queria — peguei a tigela e levantei para entregar a ele.
— Garota, és a única pessoa que conheço que não gosta de mingau!
Ele pegou a tigela da minha mão e comeu em menos de três colheradas aquele grude, enquanto Maya seguia calada, ao mesmo tempo em que London implicava comigo, a minha mãe entrou no cômodo.
— Bom dia, meninos, vejo que estão bem animados hoje, vão sair? — Ela sentou-se em uma cadeira depois de London.
— Bom dia, senhora Collins. — Maya e London disseram.
— Bom dia, mãe, não, eu vou ver o vovô junto com a Maya, esse menino — joguei um pedaço de torrada em direção a ele — está esperando o Axl.
— Compreendo, bom, sendo assim, finjam que eu não estou aqui, vou tomar um café rápido e ir até a casa da sua tia Broke.
— Aconteceu alguma coisa? — Parei até mesmo de respirar naquele momento.
— Acho que não, querida, ela parecia um tanto triste, mas sua tia fica dessa forma até mesmo se não consegue comprar alguma joia da temporada. Então, fique tranquila.
Ela sorriu na minha direção e iniciou o seu desjejum, quando novamente a porta se abriu, agora revelando Axl.
Axl é filho da tia Sophia, ele sempre foi mais retraído. Amava seu olhar apático, sua voz suave, sempre foi agradável e gentil. Sua pele branca igual a uma folha de papel ofício gritava por uma vitamina D. Seus cabelos castanhos-dourados, olhos esverdeados, que quase não se notava, pois vivia de cabeça baixa, seu rosto fino igual às suas mãos, de todos os meus primos sempre foi o mais baixo, com seus 1,75 m. Ele, assim como todos os outros homens da minha família, tinha tatuagens, porém, bem menos que os demais.
— Bom dia! — foi tão baixo que soou um tanto melancólico.
— Tem certeza de que está bom, Axl? — indaguei, tentando ver seus olhos escondidos pelo seu cabelo que os cobria de modo parcial.
— Vai ficar — ele ergueu o rosto e sorriu — ainda bem que você já está aqui. — Tirou algo discreto do bolso e entregou para London.
— Obrigado — a minha cenourinha levantou — tenham um bom sábado.
— Você já vai? — Levantei e fui até ele.
— Preciso treinar — London segurou meu rosto — Passa lá na quadra mais tarde, vai me ver jogar!
— Se der tempo...
Ele inclinou-se para beijar minha bochecha quando Axl enfiou a mão, impedindo o ato.
— Pode ir, London! — Axl disse de modo firme.
— Como assim, garoto? Tira sua mão daí! — segurei o pulso de Axl.
— Entendi — London respirou fundo e saiu sem se despedir.
— Por qual razão fez isso? Idiota! — olhei para a mesa, como se pedisse ajuda da minha mãe.
— Axl, é só o London, pare com isso e venha comer. — De costas para nós, minha mãe disse.
— Desculpe, tia... — ele sentou ao lado da minha mãe e iniciou o café.
— Vem, Maya, vamos esperar o projeto de Gasparzinho lá no jardim! — entornando a voz, revirava os olhos de um lado para o outro.
Maya, que comeu quase todo o tempo calada, levantou-se pedindo licença, juntou-se a mim e fomos para o jardim em frente à casa.
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Atualizado até capítulo 36
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