Verdades

Andando de um lado para o outro, esperava Oliver chegar, tinha fumado quase uma carteira de cigarros, pela primeira vez na vida eu não sabia o que fazer. Após ouvir que Natsumi estava grávida, apenas a deixei no banheiro e saí, não queria ter que lidar com aquilo, não agora, precisava saber se violaria alguma regra se a mandasse abortar, àquela altura eu precisava ser perfeito, e uma gravidez indesejável não seria bom para ninguém.

Os pensamentos fervilhavam ao ponto de gritar sozinho, permitindo o som reverberar pelas paredes daquela enorme garagem. Burro era pouco para me ofender, pois um asno ainda seria mais inteligente do que fui. Como pude acreditar nela? Todas as vezes que perguntei se ela estava tomando anticoncepcional, Nat olhava para mim e dizia que sim. Sempre deixei claro que não pretendia ter filhos. Por qual motivo ela fez isso?

Respirava fundo, olhando para o teto cinza de puro concreto, o cheiro abafado de mofo me deixava mais inquieto, todas as garagens tinham esse mesmo cheiro atroz. Ainda de cabeça erguida e olhos fechados, apoiava as mãos no quadril, quando escutei um motor ao longe se aproximar. Ao abrir os olhos, virei o rosto para o lado e vi o carro do meu pai.

Manobrando, ele estacionou na sua vaga, saiu do carro, olhou para mim e balançou a cabeça, dizendo.

— Ela te contou, não foi? — Seu olhar gélido me sufocou.

— Você sabia? — Meu peito ardeu, a cada respirar uma nova dor surgia.

— Entra no carro e vamos conversar!

Entrei naquele veículo com mais raiva ainda, o meu corpo estava tomado por uma fúria descabível e não poderia colocar culpa em ninguém além de mim mesmo, pelo menos era o que eu pensava.

— Posso tirar aquilo dela? — Sem pudor ou refletir pelo menos um pouco, perguntei.

— Não, não pode — Oliver respirou fundo — Quer saber o motivo?

— Ainda pergunta, eu não quero ser pai, não quero ter um filho o qual não vou amar, não vou ter afeto, não preciso ser como vocês, por qual razão, motivo, que falha eu cometi para ter esse castigo? Não desobedeci a nenhuma regra! — Meu peito espremia cada vez mais.

— É verdade, seu único erro foi não se manter vigilante...

— Fala de uma vez, para com esse jogo de palavras. — Olhei em seus olhos.

— Elliot mandou ela fazer isso, a garota sabia quem você era, sabia onde você estaria, o jantar foi apenas uma distração, pois Elliot tinha certeza que se você a conhecesse em outra circunstância não iria baixar a guarda. — Ele respirou fundo e soltou o ar pela boca — Seu tio planejou isso durante um ano, nós precisávamos de uma passagem segura para chegar com as armas até a Asia, no entanto estávamos tendo dificuldades, todos que estavam disposto a fazer isso queriam fazer uma aliança, mas a maioria das famílias tinham filhos homens, Elliot queria que você fosse o selo do contrato, quando ele achou a Matsubara neta de uma ramificação de uma família super influente na Yakuza, ele decidiu que seria ela.

A cada sílaba solta pelo ar, meu estômago embrulhava mais. Ouvir que eu não passei de uma peça no tabuleiro do primeiro pilar foi excruciante.

— Ela sabia? Sabia de tudo? — A minha traqueia fechou de vez, parecia ter recebido uma tacada no peito.

— Sim, sabia, como disse, a Natsumi é neta de um homem muito poderoso, chamado Yamaguchi Matsubara, o homem é uma das cabeças principais da Yakuza. — Ele olhou de relance para mim — O acordo era ela gerar um filho, assim que isso acontecesse você se casaria e o contrato começaria a entrar em vigor, a família Matsubara ia ser o intermédio para venda de armas em toda a Ásia.

— A troco da minha cabeça? É isso, Oliver? — meu cérebro formigava — Por que caralho eu não posso recusar? Ele não se casou, por causa dessa merda eu sou o herdeiro da família, agora vou ser obrigado a ficar com aquela meretriz que conseguiu me enganar? — esfregava as palmas das mãos sobre o painel do carro ao mesmo tempo que fitava os meus pés inquietos.

— Sim, eu sinto muito, queria que isso fosse uma escolha não só para você, mas para todos, só que a vida não é um conto de fadas e precisamos seguir regras para que a nossa família permaneça unida

— Unida? — Sorri com os lábios selados — Chama isso de união? Vocês vivem à sombra do primeiro pilar! Você só se casou com a Broke para gerar uma herdeira para aqueles comedores de massa, nem vou entrar em detalhes na imundice que é seu casamento! Tia Sophia casou-se em menos de um mês depois do assassinato do primeiro filho para trazer um carrasco de elite para a família e gerar o próximo para a geração futura, que agora está em treinamento com apenas dez anos de idade. Sean casou apenas para manter os cartéis colombianos em ordem, mas nunca amou a mulher e acabou dando um tiro na boca da pessoa a quem ele jurou lealdade, isso quando o James tinha apenas doze anos, nem vou lembrar das outras merdas em que essa família é submersa, para você dizer que somos unidos! Não somos unidos, somos tolerantes uns com os outros, mas até quando? Até o vovô morrer e iniciarmos as matanças internamente?

— Benjamim! Não ouse falar dessa forma, não casei com sua mãe apenas por isso, na época eu a amava, e você não tem ideia do que Sean passou para que isso acontecesse, você nem aqui vivia, falar disso não vai mudar o fato de que você terá que casar com a mãe do seu filho, apenas aceite. Moleque ingrato! — Oliver acendeu um cigarro e abriu os vidros das janelas dianteiras — a senhorita Matsubara ligou há mais de dois meses antes de vocês virem, dizendo que carregava um filho seu, o contrato já está feito, quando vocês casarem será o selamento.

— Defenda mesmo seus irmãos, são tão imundos quanto você! — respirava de modo frenético, estalando o pescoço que seguia dolorido. Prossegui — Se for menina? — tentava manter a calma envolto da fala pesada.

Aquela era a prova de quem o primeiro pilar era frio, calculista, impiedoso e sem pudor algum, um filho da puta narcisista de merda, um feto mal parido e imundo. A minha vontade naquele momento era invadir a casa principal e estripar aquele ser desprezível e o ouvir grunhir como um porco.

— Não altera o contrato, ela disse não apenas para nossa família, mas também para a dela, a única diferença é que se for menina a senhorita terá que carregar outro filho seu até dar o herdeiro para nossa casa, pois o sexista do Elliot só vai tornar seu filho em pilar se for homem.

— Eu quero que ele enfie esse título no cu dele e morra! — estiquei as costas, olhando para os seguranças parados perto do elevador. — E se eu não dormir mais com ela, como isso vai ocorrer? Será que o tio Elliot pensou nisso? Pelo menos chegou a cogitar que ela poderia perder a criança sem "querer".

— Benjamim, você não faria isso com seu próprio sangue e o seu tio sabe disso. Enquanto a senhorita Matsubara ficar grávida novamente, é preocupação para o futuro caso o filho que ela carregue seja menina.

Abri a porta, deixando-a escancarada, e expressei-me.

— Obrigado pelas palavras esclarecedoras, foram muito educativas, Oliver. — Desci do carro.

— Onde você vai? — Ele elevou a voz.

— Conversar com a mãe do meu filho e esclarecer alguns pequenos pontos no nosso mais novo relacionamento.

De cabeça baixa, repassava tudo de novo no meu consciente o que acabara de ouvir. Os minutos que se seguiram até o apartamento procuravam meios de não matar a Nat quando a visse novamente. As portas abriram, tirei os sapatos e apenas os joguei no hall de entrada, passei pela sala de estar, jantar, de visita, e o escritório do meu pai até chegar no segundo andar.

Segurava firme na maçaneta, meus olhos estavam fixos no objeto dourado entre meus dedos, então vi meus anéis. Agora iria ter que usar outra aliança, mais uma corrente para minha coleção. Merda de vida! Agora até mesmo o desejo que Sebastian tinha em seu coração fazia cada vez mais sentido.

Abri a porta de maneira lenta, meus olhos percorriam cada milímetro daquele quarto até encontrá-la sentada, acuada, com os joelhos próximos ao rosto, chorando baixinho. Ao vê-la daquele jeito, apertou meu coração, ainda sentia algo por ela. Fechei a porta e caminhei em silêncio. Sentando ao seu lado, puxei-a para mais perto de mim, passando a enxugar suas lágrimas.

— Me perdoe, sei que deve estar assustada tanto quanto eu, mas serei claro em minhas palavras para que não haja desentendimento entre a gente e possamos viver relativamente bem.

Ela olhou em meus olhos.

— Eu já sei de tudo, meu pai me contou o que precisava ser dito, sendo assim preciso que você entenda como vai funcionar a nossa vida daqui em diante — acariciei seu rosto retirando os fios de cabelos soltos de sua pele — primeiro você vai morar em uma casa um pouco afastada da cidade, mas terá todo apoio possível, empregados, seguranças, absolutamente tudo para que viva relativamente bem, não sei quais são as cláusulas do contrato, mas segunda-feira estarei abrindo uma conta no seu nome onde depositarei uma quantia significativa todos os meses para você, segundo vamos nos casar, mas será apenas no papel, no dia a dia você será livre para fazer o que bem entender, ficar com quem quiser, no entanto vai está proibida de levar qualquer pessoa que seja para dentro da minha casa, dessa forma você não poderá interferir no que sinto em relação a Emma, mesmo que eu fique com ela ou com outras mulheres você não poderá ver isso como traição tendo em vista que me traiu primeiro quando decidiu me deixar a cegas mesmo sabendo de tudo.

Ela seguia calada, pus-me de pé quando ouvi sua doce voz de maneira melancólica, algo torturante.

— Eu sinto muito — a fala nasalada deixava-me incomodado — quando me disseram o que eu precisava fazer, apenas aceitei, em nenhum momento cheguei a cogitar que iria realmente me apaixonar por você... — Nat enxugava as lágrimas que ainda rolavam pelo seu rosto — me perdoe, Benjamim, não fiz por mal, estou feliz por estar esperando um filho seu, mesmo que não seja da sua vontade.

— Está tudo bem. — Voltei para junto dela e repousei minha mão em seu rosto. — Por hora, vamos tentar nos dar bem, não sei mais o que sinto por você, mas prometo que não irei voltar a machucá-la de novo. — Deslizei os dedos para seu pescoço visivelmente machucado, carregando resquício de hematomas. — Descanse durma um pouco, eu preciso ir trabalhar.

Naquele momento, passei a matar aos poucos o que sentia por ela. Foi a primeira vez que fui enganado, fui cego e tolo de verdade, me deixei levar por suas doces palavras e afetos dos quais nunca tive. Mas uma coisa fluiu de todo esse infortúnio, eu nunca mais baixei a guarda para ninguém, exceto para Emma, ela sempre vai ter todo o meu coração.

Reprimi toda a minha incerteza e insignificância e fui para o hospital onde meu avô estava, fui chorar para ele, o que não poderia fazer para mais ninguém.

Pela primeira vez, senti o gosto da derrota. Comecei a jogar esse jogo aos meus quatorze anos e não parei mais. Hoje tinha levado um tiro à queima-roupa, executado de uma forma desumana. Como viveria em paz sabendo que logo sangue do meu sangue passaria pelo mesmo tipo de sofrimento o qual vivo até hoje?

Descendo a escada, vestia um casaco que tinha pego no divã perto da sacada, quando avistei Broke, nossos olhos cruzaram-se e ela se encostou na parede, abaixando a cabeça. Passei por ela igual às outras vezes, de cabeça erguida e peito estufado. Odiava aquela mulher mais do que tudo nesse mundo.

Ela estava deixando o meu campo de visão quando a senti segura em meu braço. Parei e virei a olhando por cima do ombro.

— O que quer, Broke? — falei de forma ríspida.

— Permita que a Natsumi fique aqui!

— A última coisa que quero é você perto dela ou do meu filho — virei o corpo totalmente para encará-la — solte o meu braço.

— Não... — ela cochichou de cabeça baixa.

— Não! — segurei firme em seu pulso e a puxei para mais perto do meu rosto — Creio que perdeu a noção de com quem está falando, não é mesmo? Aqui você não passa de uma prostituta, chocadeira, uma vagabunda sem valor, então da próxima vez que se dirigir a mim, me chame de segundo pilar ou senhor Collins, conseguiu entender, Broke?

Seus olhos marejados e indecisos não ficaram parados, a pupila pequena, os olhos vermelhos, desmancharam-se em lágrimas.

— Nunca me viu como mãe, não é mesmo, Benjamim? Não fiz nada para você...

— Isso mesmo, a senhora nunca fez nada. — A encostei contra a parede quando a porta principal se abriu, olhei para o lado vendo meu pai. — Seu redentor chegou, querida, já pode ser depósito de esperma como sempre foi!

A soltei e passei por Oliver, que estava parado no corredor fixo, olhando para ela.

— Não a trate desse jeito, Benjamim, já conversamos sobre isso, ela é sua mãe...

— Não me diga, Sherlock, descobriu isso quando?

Entrei no elevador de nariz empinado, olhando por cima de suas cabeças. As portas se fecharam, pude respirar sem querer vomitar, sentindo aquele perfume de baunilha repulsivo dela. Meus olhos pesados só queriam deixar fluir tudo o que eu sentia por toda aquela merda.

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Comments

Severa Romana

Severa Romana

eu achava que o livro era sobre o amor do Benjamin e Emma, mas o livro é só sofrimento e confuso sobre quem a Emma gosta..o Tito fala uma coisa, mas o livro é outro..parando de ler..

2025-03-10

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