Primo

Apesar de conhecer meus pais, fui criado em um internato pouco convencional até completar nove anos. Minha primeira lembrança da infância é ser retirado dos braços da mulher que dizia ser minha mãe, mas nunca me deu um pingo de afeto. Meu tio mais velho por parte de pai me levou para a Nova Zelândia.

É difícil descrever aquele lugar maldito e imundo, um enorme castelo no interior cercado por vastos campos verdes, onde vivíamos entre paredes cinzas e frias.

Enquanto a maioria dos internos levava uma vida convencional, cerca de dez de nós éramos completamente isolados do mundo. Vivíamos em uma área separada do internato e tínhamos obrigações completamente diferentes das outras crianças.

Enquanto elas estudavam matemática básica e línguas estrangeiras, nós, os excluídos da sociedade, éramos obrigados a aprender matemática avançada e estratégias militares, além do ensino básico como qualquer outra instituição.

Nossa rotina incluía quase cinco horas diárias de treinamento militar, resistência física e psicológica. Para mim, havia um treinamento especial em que passava dias, às vezes até semanas, sem ver absolutamente ninguém. De acordo com eles, isso me manteria mais forte e perspicaz.

Desde cedo, aprendi que todos poderiam ser potenciais inimigos, e os únicos dignos de confiança eram minha família. Minha lembrança mais antiga daquele lugar é o som constante de água pingando numa pia, meu peito ardendo, a respiração sendo esmagada pela dor latente.

Um exercício para manter a mente sempre alerta, eu era afogado várias e várias vezes. O método conhecido como afogamento simulado era simples: eles me amarravam em uma cadeira, colocavam um pano sobre o meu rosto e jogavam água sobre ele. Isso tudo enquanto faziam perguntas de matemática avançada e cálculos que até Einstein teria dificuldade para responder, sob tanta pressão.

Sou Benjamin Collins, destinado a ser o futuro pilar do Império Vermelho. Meu avô foi conhecido por jamais deixar um único inimigo vivo, a menos que precisasse dele para formar uma aliança através do sagrado matrimônio. Isso nos leva a uma pequena particularidade sobre minha família.

Meu tio mais velho nunca foi obrigado a casar, o que resultou em ele não ter filhos, e embora nunca tenha questionado o motivo pelo qual ele não teve, mesmo não sendo casado, compreendo. Também não traria para esse mundo de merda que vivemos.

Dessa forma, quando nasceu o primeiro neto homem, meu avô decretou que esse seria o sucessor do seu filho mais velho. Minha vida foi ditada desde o primeiro suspiro que dei. Assim tem sido para todos os "privilegiados" que nascem dentro da minha família. Antes de narrar o que de fato aconteceu em minha vida, é importante entender como funciona a singularidade do meu mundo.

Meu amado avô teve seis filhos, cinco homens e uma mulher. Sua esposa faleceu quando o filho mais velho tinha quinze anos. Foi ele, e somente ele, quem fundou o império no qual vivo, à custa de assassinatos dentro de sua própria família. Quando meu avô tomou consciência dos erros cometidos pela sua linhagem, não pôde mais aceitar tal conduta. Sem muito esforço, eliminou toda a alta escala hierárquica da época, composta por mais de quatro famílias.

Das quatro, apenas os russos escaparam, pois descobriram antecipadamente o massacre e fugiram para sua cidade natal.

Meu avô ensinou a todos os filhos o ofício que desempenhariam pelo resto de suas vidas, e estes transmitiram seus ensinamentos para as gerações seguintes. O maior de nossos mandamentos era a lealdade à família acima de tudo. Vovô se arrependeu amargamente de ter que matar seus próprios tios e seu único irmão para forjar seu império. Por conta disso, fomos criados para dar a vida um pelo outro.

Começo aqui a contar como o nascimento de uma garotinha mudou completamente minha vida. Apesar de amá-la mais do que minha própria existência, sei que nunca a terei só para mim. Amar Emma Collins foi meu pior castigo, minha fraqueza e, ao mesmo tempo, minha maior alegria. Desde o dia em que ela nasceu, Emma roubou todo o meu coração e arrebatou minha alma.

A primeira vez que a vi, ela tinha quase um ano de idade, e naquele momento fui envolvido pelo amor que brotou em meu coração. Acabara de retornar do internato, após completar o treinamento, e estava prestes a iniciar outro estágio para aprimorar minhas habilidades diversas. Antes disso, meu avô permitiu que eu tivesse alguns meses de folga para conhecer meus primos e compreender quem teria que proteger. Retornei para casa no ano de 1995.

Em menos de duas semanas em casa, já tinha conhecido todos os meus primos, faltava apenas Emma. Lembro-me claramente do dia em questão; fiz minha mãe comprar um urso de pelúcia para ela, já que era a única bebê entre meus primos. Chegamos à casa do tio Sebastian por volta das 16h. Minha mãe ficou conversando com a esposa do meu tio na sala principal, enquanto fui levado até minha prima. A mesma brincava com a babá do lado de fora da casa sobre um pano macio que cobria parte da grama.

Lembro-me vividamente daqueles olhos, do sorriso sem dentes e das mãos, as quais mais pareciam dois marshmallows. Uma sensação de extrema proteção irradiou em meu coração. Sentia que precisava protegê-la a todo custo. Passei boa parte do tempo sentado ao lado dela, apenas observando-a brincar. Quando minha mãe veio até nós, lembro-me de dizer algo que nunca esqueci.

— Mãe? — olhei para ela com toda a confiança do mundo. — Quando eu crescer, posso casar com a Emma?

Ela sorriu juntamente com minha tia.

— Ben! Querido, por que está me fazendo essa pergunta

— Porque ela é linda, e meu coração me diz para protegê-la para sempre!

Elas sorriram novamente.

— Filho?! Ela é apenas um bebê. Por que não espera até que ela cresça? Quando você crescer, talvez mude de ideia!

Queria que aquilo tivesse acontecido, e eu tivesse parado de amar Emma. No entanto, a cada ano, o sentimento que tinha por ela se tornava cada vez mais forte, mais complexo e muito mais perigoso.

E por esse motivo estou saindo às pressas no meio da noite para garantir sua segurança, mesmo tendo a total certeza de que ela estaria segura e seus pais não a fariam mal algum, no entanto, Emma sempre vai ser minha prioridade.

Corri para o banheiro, lavei o rosto e escovei os dentes rapidamente. Troquei de roupa correndo, saí do quarto sem dizer para qualquer pessoa onde iria, apenas chamei dois seguranças e o motorista para irmos até a casa do tio Sebastian.

As ruas estavam vazias e a neve a cobria de maneira parcial. Mesmo derrapando algumas vezes pelas ruas, fiz o motorista chegar à residência deles em menos de trinta minutos. Sabia a senha do portão, digitei, as travas foram desligadas e a passagem ficou livre. Subindo a pequena inclinação, mandei os seguranças descerem junto comigo.

Os guardas da casa se olharam e balbuciaram um "boa noite", apenas ignorei. Abri aquela porcaria de porta igual a um touro enfurecido, encontrando Emma sentada em um tipo de recamier, balançando o corpo para frente e para trás. Ao me ver, ela se jogou em meus braços, chorando.

A apertei com toda força e conseguia sentir seu coração pulsar de maneira frenética.

— Minha princesinha, apenas respire — ouvia seu pai gritar como um lunático — vai ficar tudo bem.

Levantando, vi uma das empregadas parada no corredor com a cabeça baixa.

— Você! — A olhei com a cabeça levemente inclinada. — Faça algo quente para ela tomar e fique na cozinha junto dela!

Me agachei de novo em frente a ela.

— Bananinha, vá tomar alguma coisa, está muito frio... — afagava seus cachos macios e perfeitos.

Emma desceu da espécie de banco e correu em direção à empregada, segurou sua mão e seguiram para a cozinha. Não sabia o que estava acontecendo, mas Sebastian não tinha autorização para fazer mal nenhum à sua mulher, exigência do meu avô, a qual não entrarei em detalhes.

Subi a escada dupla em direção ao quarto do casal, os meus seguranças haviam ficado do lado de fora. Praticamente corria sobre o carpete aveludado por todo o corredor, chegando diante da porta, ouvia choros e o tio falando coisas que, para mim, até aquele momento, não faziam sentido.

Se eu batesse na porta, ele não abriria, sendo assim, retirei o revólver enfiado na calça perto do quadril, destravei a arma, com ela em punho, chutei a porta, revelou-se um cômodo escuro, a luz do abajur jogado ao chão ainda balançava de um lado para o outro, alguns cacos de vidro, peças de roupas espalhadas.

Entrei, Sebastian olhou no fundo dos meus olhos e recuou, sentou-se na beirada da cama, jogou o copo em sua mão na parede, levando vários fragmentos de vidro a se espalharem ainda mais e deixando a parede molhada com o que tinha dentro. Olhei por todo o quarto e não encontrei Helena.

— Quem te chamou aqui, segundo pilar? — Ele falava de forma pausada.

— Emma me ligou, disse que vocês estavam brigando — olhei outra vez pelo ambiente — onde está sua esposa?

— Não sei, ela saiu depois que me descontrolei. — Sebastian bufou e pegou a garrafa de licor que estava sobre o piso. — Vai embora, Ben, prefiro ficar sozinho...

— Por mim, você poderia se matar que não faria diferença nenhuma, mas Emma está assustada, estou pouco me importando com o seu bem estar, mas espero que saia da droga desse quarto e vá até sua filha e diga que está tudo bem.

— Não quer saber? Benzinho, o que o meu amado pai fez? — Ele levantou, cambaleando em minha direção.

— Quero que a Emma fique bem, não me interessa o que o pilar principal fez...

Sebastian segurou meus dois ombros e colou sua boca no meu ouvido, e disse a pior merda que poderia, não queria saber aquilo, ele poderia ter guardado aquela informação apenas para si.

— É mentira! — Afastei-o, segurando seu rosto. — Não pode ser!

— Não era pra ser! Mas esse filho de uma prostituta o fez, e me deixou as cegas todos esses anos, como vou olhar pra ela agora? — segurou firme nos meus ombros e os balançou.

— Deve ser um engano, tem ideia da merda que isso vai gerar pra toda a família?

Meus anseios não cabiam em mim, tudo ruía igual a um castelo de areia.

— Tenho, é por esse motivo que preciso da sua ajuda. Eu preciso de você para que isso dê certo, entendeu, Ben?

— Não vou concordar! — Afastei-me, coçando a cabeça.

— Vai sim, por Emma você vai fazer, mas prometa-me que vai tocar nela apenas quando ela for mais velha!

Aquelas palavras transbordaram todo o ódio que senti por aquela merda de situação. Sem pensar ou medir forças, parti para cima dele e o soquei, mais vezes do que consegui contar, o soltei apenas quando ouvi um grito distante, forçando-me a retornar para aquela realidade insana.

— Que merda de pessoa você acha que sou? Seu bastardo imundo, acha que gosto dela desse jeito, ela é uma CRIANÇA! — cuspi em seu rosto — Não vou dar ouvidos a você!

Ele agarrou a manga da minha blusa.

— Me ouça! — cuspindo sangue no chão e limpava a boca com dificuldades — senão se unir a mim, todos vamos perecer quando essa merda explodir, entendeu, seu burro?

Tio Sebastian sempre foi meu tio preferido, não apenas pelo fato de ele ser pai da Emma, mas porque ele nunca mentiu para mim.

— Tio! — Ajoelhei-me na sua frente de cabeça baixa, com as mãos apoiadas sobre as pernas e continuei — Amo o senhor; mas isso vai destruir a família — Elevei o olhar até os seus — Não importa o que aconteça ou como aconteça e nem quanto tempo leve — seus olhos estavam quase cobertos pelo inchaço ao redor — Mas vamos contornar isso sem perdas...

Levantei, segurando a respiração, o observava deitar no chão de barriga para cima, puxando o ar com dificuldades. Segui para fora do quarto, reprimindo cada passo, passando ao lado de Helena, que se encontrava agora acuada perto do batente da porta, com a mão na boca, suprimindo sua respiração.

— Isso é verdade? — Com os olhos arregalados, seu olhar era fixo no marido. — Helena, está me ouvindo?

Ela olhou para mim por míseros segundos. Com as mãos ainda na boca, apenas sacudiu a cabeça.

— Vejo vocês outro dia, vou levar Emma para a casa da tia Sophia.

Saindo do cômodo com as mãos sujas de sangue, olhei por alguns segundos para minhas mãos trêmulas, Emma não precisava me ver daquele jeito. Atordoado por cogitar no que ela pensaria sobre aquilo, corri para o banheiro mais próximo. Segurando a maçaneta fria, girei o trinco, que fez um pequeno clique. Entrei no banheiro, a luz acendeu automaticamente, logo minhas mãos deslizavam uma sobre a outra, livrando-se de cada vestígio de sangue.

Ao mesmo tempo que a água quente fluía entre meus dedos, olhava para os meus olhos que, mesmo azuis, refletiam apenas a escuridão, o reflexo da minha alma podre e vazia. Destinado a viver um fardo que nunca quis, meu olhar correu pelos quatro cantos do espelho, quando vi no canto inferior um rosto com os olhos arregalados, se apoiando no umbral, deixando parecer apenas metade do seu corpo.

— Eles pararam de brigar? — Mexia seus pezinhos de maneira contínua, olhando-me através do espelho.

— Sim, pequena, eles foram dormir... — sacudi as mãos, retirando o excesso de água. — Não precisa mais se preocupar — falava enquanto enxugava os antebraços.

— Você vai embora? — Emma deu dois passos para frente, colocando as mãos para trás.

— Sim, mas você vai comigo...

— Posso mesmo! — Ela se balançava de forma agitada, então olhou para minhas mãos, mordendo quase todo o lábio inferior, e se afastou um pouco. — Como machucou a mão?

Pequenas fissuras sobre a pele apareceram no torso da mão próximo aos dedos. Olhei em seu rosto triste.

— Não se preocupe, vou ficar bem, vamos para a casa da tia Sophia...

Ela fechou a cara e ficou com um bico enorme em seu rosto.

— O que aconteceu? Não gosta da tia Sophia? — Me aproximei dela e curvei-me até à sua altura.

— Gosto, mas o Axl é muito calado, ele parece mudo.

Sorri ao mesmo tempo que colocava seus cabelos atrás das orelhas.

— Ele está viajando, não vai incomodar você. Podemos ir?

— O papai e a mamãe não vão?

— Não, Bananinha, eles vão fazer uma pequena viagem amanhã.

— Mas eles não iam!

— Eu sei, mas o vovô pediu de última hora — esfregando de forma suave seus braços, buscava uma forma de acalmá-la — esqueça isso, vá pegar suas coisas.

Ela segurou minhas mãos e deu um pequeno beijo em cada uma.

— Elas vão ficar boas logo, a mamãe sempre faz isso quando eu me machuco.

Um sorriso fino apareceu em seus lábios. Nesse momento, a babá apareceu, respirando fundo, segurando o abdômen.

— Senhorita estava lhe procurando! — falou de maneira exaltada.

— Arrume a mala dela para duas semanas. — Ordenei, fixando o olhar na babá.

— Sim, senhor.

A moça, cujo nome não fazia ideia de qual seria, cuidava de Emma desde os seis meses. Sem hesitar por um único momento, ela se retirou da minha presença. Levantei, segurei a mão da Bananinha e a levei para o hall de entrada, onde logo a babá retornou com uma mala e um casaco para Emma. A empregada envolveu minha garotinha, colocou um gorro e luvas nela, ficou toda empacotada.

  Nossa tia estava nos esperando, havia avisado antes de sair da casa do tio Sebastian. Logo que Emma viu nossa tia, ela correu e abraçou sorrindo, apenas acenei e virei para retornar ao carro. Estava entrando no veículo quando senti algo puxar o meu casaco. Olhando, vi Emma agarrada com todas as forças a uma parte da roupa.

— Promete uma coisa para mim! — De cabeça baixa, ela cochichava.

— O que, pequena?

— Prometa que quando casarmos nunca vamos brigar! — Emma soltou o meu casaco e se afastou.

Respirei fundo, segurando o riso, apoiei dois dedos em seu queixo e ergui seu belo rosto até conseguir ver aqueles olhos gentis.

— Escuta, Bananinha, não pense nessas coisas, mas prometo a você que nunca iremos brigar, tudo bem? Agora está frio, é melhor entrar.

Beijei em sua testa e ela saiu correndo para dentro da casa. Todos os dias, antes de dormir, penso nela e em tudo que precisei passar para mantê-la segura, não apenas ela, como todos os outros.   

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Comments

Paulo St

Paulo St

desculpe autora, mas infelizmente não posso deixar passar... O livro tava muito bom, mas o fato desse menino ter ações de um homem, me tirou da experiência maravilhosa que estava tendo. Eu não estou dando do fato dele dar ordens, ter uma hierarquia maior que um adulto, por que isso eu passo um pano. Agora ele abrir a porta com um chute, avançar sobre um adulto bater nele como se tivesse estatura e força de um adulto... Me tirou bastante da história.

2025-04-04

1

Jhay_Focas

Jhay_Focas

O que será que o levou a isso tudo? Quer dizer, além do que foi falado

2025-04-04

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Kelly Ramos

Kelly Ramos

Lembrei de uma prima minha que quando criança falava que ia casar com um amigo do pai dela.

2025-04-03

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