Família

Parecia ter me fundido ao colchão quando abri os olhos, fiz um esforço enorme para mantê-los abertos. O quarto seguia na mais completa escuridão, me deixando às cegas, sem saber se era dia ou noite.

Um som distante perturbava minha mente, como se no mais profundo interior soassem batidas, parecia estar sonhando, quando alguém abriu a porta do quarto de forma rude, fazendo com que a claridade me cegasse.

Fechei os olhos, então ouvi a voz irritante do meu pai.

— Se vista, agora! Temos um problema! — Ele saiu do quarto a passos pesados, deixando a porta escancarada.

Olhei para o lado e vi Natsumi dormindo de uma forma angelical. Retirei meu braço com delicadeza debaixo de sua cabeça, sentei na beirada da cama com os pés no chão, alongando o pescoço e, na sequência, as costas, levantei, praticamente corri para o closet, vesti uma calça jeans preta e uma blusa de manga branca.

Meus olhos encontraram o meu reflexo cansado e abatido no espelho acima das gavetas de joias, respirei fundo, passando a mão entre os cabelos.

Abri as gavetas à minha frente e peguei todos os anéis postos em fileiras milimetricamente predispostas, havia deixado ali quando viajei para a Europa, tive medo de invadirem meu apartamento e os levassem, mesmo sabendo que algo desse nível seria impossível. Peguei os três que usava na mão direita, o primeiro com o brasão da família, a letra C em destaque cravejada em safiras e em seu contorno traços de rubi, os outros dois anéis eram símbolos dos internatos por onde passei.

Na mão esquerda usava quatro: a aliança, a qual simbolizava o meu compromisso com a família; um solitário de rubi, que tinha como objetivo identificar de qual geração eu pertencia; o terceiro era um anel de aço polido, o qual ostentava o símbolo da casa de ferro; e o último era um rústico de prata, o qual tinha gravado o nosso tipo sanguíneo. Recebemos essa joia quando fazíamos seis anos e precisávamos carregar pelo resto da vida um lembrete de como éramos frágeis.

Estando em casa, precisava usá-los todo o tempo, não somente eu, como todos os pilares da minha família. Meus primos usavam apenas quatro, dois em cada mão. As mulheres eram tatuadas assim que iniciavam na família, precisavam carregar o brasão da família na pele para jamais esquecer a quem elas eram leais, não importava com quem eram casadas.

O que nos leva à pior regra de todas, caso o contrato acabasse com a família a qual você era casada, sendo mulher nos Collins, o cumpridor de profecias matava todos os filhos que tivesse, pois a linhagem teria que ser exterminada para não haver mais contrato. Isso aconteceu uma única vez, mesmo porque meu avô não teve irmã e teve apenas uma única filha, a qual precisou ver seu primeiro filho ser morto, pois o marido dela na época traiu a nossa família. O meu primo tinha apenas quatro anos no ano dos fatos.

Ossos do ofício, que nunca fui de acordo. Estava perdido, repassando as leis que possivelmente havia descumprido ao trazer Nat comigo, quando senti suas mãos por debaixo da minha blusa.

— Está fugindo de mim, servo? — Ela mordeu minhas costas.

— Não! — A puxei para frente. — Preciso resolver um pequeno imprevisto.

Ao mesmo tempo que falava, ela tirou o colar da Emma que estava em minhas mãos.

— Vai ver a priminha? — Nat segurou o colar em frente ao meu rosto.

— Depois, se tiver tempo... — peguei o cordão de sua mão e o coloquei no pescoço, escondendo-o em seguida sob a camisa — Minha mãe deve estar em casa, mas se não quiser falar com ela, não vejo problema, fique no quarto que mandarei Dominic trazer algo para você comer.

Deslizei o polegar sobre seu rosto macio.

— Tudo bem, estou louca para conhecer minha sogrinha! — Ela sorriu.

— Preciso ir! — Não tinha muito o que ser dito, naquela hora só queria saber o que havia acontecido.

A deixando dentro do closet, fui rápido para o banheiro, bochechei o enxaguante bucal e cuspi na pia, mal lavei a boca e saí do quarto dando de cara com meu pai parado no corredor, andando de um lado para o outro, falando no telefone.

— O que aconteceu? — O via agitar suas mãos, andando em círculo.

Ele apenas levantou o indicador e olhou em minha direção. Sabia que boa coisa não viria daquele telefonema. Me encostei no parapeito do corredor com os braços cruzados, o observava tagarelar sem parar, quando ele, por fim, desligou o celular e jogou toda a merda de uma única vez.

— Aquele caralho do seu tio quer o líder do cartel La Rosa.

— E qual é o problema? — Não via problema naquilo.

— Ele quer agora! Pra ontem e adivinha, seus primos estão mais uma vez de babá daquela bonequinha de porcelana que você tanto idolatra! Preciso que pegue o cara com suas próprias mãos ou faça aqueles imprestáveis deixarem a pobre indefesa sozinha!

— Onde está todo mundo? O que vocês fizeram na porra desses últimos anos? Ta chamando meus primos de emprestáveis, em algum momento viu como teus irmãos são inúteis para tudo!

Ele se aproximou e encostou sua testa sobre a minha.

— Você ainda não é de fato o primeiro pilar, não tem permissão para perguntar nada e sim acatar ordens. — Oliver me empurrou com a cabeça.

Sei que ele é meu pai, mas a vontade de enfiar uma bala no fundo da sua garganta foi tentadora.

— Certo! — balançava a cabeça em concordância com um sorriso cínico nos lábios. — Que porra ele quer com Carlos? — meu sangue fervia.

— Desde quando o Elliot dá algum tipo de satisfação pra a gente! Ele apenas quer, eu preciso ir para casa verde, não posso lidar com isso agora, deixa o teu novo brinquedo aí e vai atrás dos teus primos. O Elliot quer que o Carlos esteja diante dele antes das dezenove horas — ele olhou para a tela do celular — Você já está atrasado, são cinco e dez da tarde.

Meu pai virou as costas e desceu a escada correndo. Odiava quando tio Elliot fazia essas merdas. Com o celular em mãos, liguei para todos os meus primos. O primeiro foi Axl, que disse estar de serviço para o tio Andrew. Depois, tentei Noah, que não atendeu, como sempre, devia estar fazendo merda. Então tentei com James, que atendeu no mesmo instante, dizendo que estava finalizando uma cobrança.

— Pensei que estava cuidando da Emma? — Respirei fundo.

— Pedi para o Anthony!

— Justo ele? Esqueça. Do que precisa para pegar aquele comedor de tacos? — Encostado no corrimão branco do segundo andar, olhava para o lustre de cristal de modo fixo.

— Preciso da Emma! — Sua fala tremulou.

— Quer morrer junto com o Carlos?

— Escuta primeiro, depois você surta por nada.

— Sabe muito bem que ela não tem a mínima ideia sobre os negócios da família, por qual motivo precisa dela? — entornei a voz em um tom mais rude. — E ela não está com o Anthony?

— Não sei, pedi para ele tomar conta dela hoje, mas não sei se ele foi mesmo, apenas me ouça. Carlos gosta muito de menininhas inocentes.

— Como pretende fazer isso, James?

— Não se preocupe...

— Se ela suspeitar de algo, sabe que vamos ser mortos pelo vovô, não sabe?

— Relaxa, vai dar certo!

— É bom que dê mesmo...

Ao desligar o celular, o objeto passou a tocar no mesmo momento.

— Fala! — disse de modo ríspido.

— Axl disse que você estava precisando de ajuda — com a fala abafada, como se estivesse com algo na boca, resmungou Anthony.

— Você está com a Emma?

— Não, estou indo buscá-la agora, qual o problema?

— AGORA? Como assim agora? Hoje você não ia ficar com ela o dia todo?

Meus olhos tremiam de ódio.

— Nop — falou de modo calmo — tio Sebastian pediu apenas para ir buscá-la, e outra, hoje passei o dia com o tio Sean no porto.

— Eu acho que estou entendendo errado, mas ninguém mais vigia as meninas vinte e quatro horas, é isso?

— Achei que tio Elliot havia lhe dito, depois que o vovô foi internado ele mudou algumas coisas por aqui, como você é o segundo pilar, pensei que sabia sobre as novas regras da casa! — Anthony pigarreou.

— Não, não sei, mas vou adorar saber em um jantar depois da reunião. Por hora, fique perto da rua Kennedy e aguarde instruções do James.

— Certo!

Mal encerrei aquela ligação que me deixou submerso em ódio por não saber de porra nenhuma do que aconteceu nos últimos meses, vi outra vez o nome de James aparecer no visor do aparelho.

— O que conseguiu? — Falando com James, esperava que ele arrumasse outro meio de pegar aquele desgraçado.

— Carlos passa todos os dias ao entardecer na rua do teatro, posso usá-la para ser uma distração?

— Tem o número daquele tira-cola dela?

— London, o que tem ele?

— Ligue para ele e dê um jeito de eles pararem onde você precisa, e James, faça de um jeito que não aconteça nada com ela. — Puxei o ar pela boca tentando acalmar os ânimos — Anthony disse que está indo buscá-la, se ele não tiver drogado o suficiente deve estar falando a verdade, ligue para ele e bole qualquer coisa, estou indo nesse exato momento direto para casa dela e espero que ela chegue lá sã e salva.

— Acha que o London vai querer ajudar? Achei que ele trabalhava apenas para a tia Sophia...

— Ele vai sim e, outra coisa, ele trabalha para família e não apenas para a tia Sophia!

— Tudo bem, vou falar com ele e Anthony. Para onde preciso levar o Carlos?

— Direto para o primeiro pilar! Parece que alguma negociação não foi bem-sucedida, eu não sei, Oliver não me explicou merda nenhuma, só faça acontecer, e James?

— Estou ouvindo!

— Se acontecer alguma coisa com ela, eu corto pessoalmente a cabeça de vocês três!

Enquanto colocava o celular no bolso, tentava aliviar a tensão, massageando as têmporas, voltei para o quarto onde encontrei Natsumi parada perto da porta.

— Você ama tanto assim a priminha? — Seus olhos estavam incertos.

— Quem? — Minha voz falhou.

— A sua prima, a doce Emma... — Ela me olhava de maneira intensa.

— Quer conhecer minha mãe?

— Vai mesmo ignorar minha pergunta? Benjamim!

— Não há nada que deva ser dito — engoli em seco — Não crie caso por nada, troque de roupa e vamos descer para que coma alguma coisa.

— Que assim seja, mas essa conversa está longe de terminar.

Ela se afastou com o olhar cercado de incertezas e me fez sentir culpa por ainda amar Emma. Sentei na poltrona à sua espera, verificava o celular a cada fração de segundo, precisava que eles pegassem Carlos, mas não queria que nada acontecesse com a minha Bananinha.

Os meus ombros estavam tensos e o pescoço dolorido, não conseguia parar de balançar a perna, meus pensamentos foram tomados por tudo o que poderia dar errado naquela situação. Meus olhos eram fixos no assoalho escuro do meu quarto, comecei a roer a unha do dedão sem mesmo perceber.

Despertei daquele frenesi quando Nat tocou em meu braço, falando que havia terminado. Assim, descemos para a sala de jantar, onde minha mãe comia uma salada sem graça, como de costume.

Ao nos ver, ela nem se deu o trabalho de levantar e abraçar seu filho "amado", apenas sorriu e continuou comendo. Broke não passava de uma chocadeira ambulante para mim, que nunca teve um pingo de sentimentos por mim ou Charlotte. Aqueles olhos vazios, ostentando seus cílios postiços, o corpo moldado por cirurgias, mal conseguia sorrir. Pariu Charlotte a troco de uma vida boa quando ainda tinha dezesseis anos.

Apresentei-a para Nat apenas por pura insistência da mesma, pois por mim ela nunca ia conhecer essa prostituta infeliz.

— Senhora Broke, essa é Natsumi, minha namorada!

Nat arregalou os olhos em minha direção, como se dissesse apenas isso? Mas eu não pretendia casar, pelo menos não com ela.

Broke sorriu e a cumprimentou, perguntando se ela queria jantar, quando meu celular passou a tocar novamente.

— Como foi? — Falei de maneira eufórica.

— Estou indo deixar o produto com o pilar, fique tranquilo, ela foi para casa junto do Anthony.

— Amém; estou indo para lá agora.

— Vai para a casa principal? — falou rapidamente.

— Não, James, vou ver a Emma, vejo vocês na reunião mais tarde!

— Certo!

Retornei o olhar para a mesa onde as duas me encaravam.

— Sabe que não acho saudável essa sua devoção por sua prima. — Broke me olhava com desdém, alternando o olhar entre mim e Nat.

— Isso não é algo que lhe desrespeite, preocupe-se somente com sua vida!

Me aproximei de Nat.

— Preciso ir, mas prometo que quando voltar vamos pra minha casa, tudo bem?

Ela apenas concordou e beijou meus lábios. Sair daquela casa o mais rápido possível. Precisava estar lá antes dela, necessitava ver seu rosto perfeito mais uma vez, só assim saberia se havia a tirado, nem que fosse um pouco, do meu coração.

Mesmo que tudo fosse contra aquele sentimento, eu não era, mesmo que ela não me amasse da mesma forma, eu amava por nós dois. Sei que fui egoísta e imaturo por ter trazido Natsumi comigo, mas de todo coração acreditei que era o melhor a ser feito, devia ter terminado tudo e a deixado em sua casa.

Após alguns minutos, estava sentado na sala principal, tomava uma dose de whisky que Helena havia trazido. Esperei ansiosamente, enquanto os minutos pareciam se arrastar.

Finalmente, ouvi uma voz que parecia com a dela, mas agora não era mais infantilizada. Meu coração estremeceu e minhas mãos ficaram geladas. Não veria mais uma garotinha, mas uma mulher.

Ela entrou pelas portas como um furacão, parando com um sorriso enorme nos lábios enquanto me olhava da cabeça aos pés. Lá estava a garotinha que tinha todo o meu coração. Tornara-se uma cópia fiel de sua mãe, exceto pelos olhos, que eram iguais aos do pai. Seus cachos compridos chegavam até a cintura. Suas curvas me fizeram salivar. Os seios fartos quase não deixavam o paletó fechar. As coxas torneadas, o quadril largo e os lábios carnudos, pintados de rosa, destacavam-se em sua figura.

Seu olhar, antes gentil, agora era penetrante. O nariz, pequeno e perfeito, completava sua beleza. Emma era extremamente linda.

Eu não conseguia desviar o olhar. Só havia um único pensamento em minha mente: tê-la para mim pelo resto da minha vida.

Ela aproximou-se de mim com os olhos umedecidos, ficou na ponta dos pés, por fim envolveu-me em um abraço caloroso, apoiando-se nos meus ombros.

— Você voltou! — sussurrou próximo ao meu ouvido. — Disse que não iria demorar, por que mentiu?

Minha vontade era beijar aqueles lábios perfeitos, porém me afastei, sentando no sofá juntamente com ela.

— Perdoe-me, queria poder ter voltado antes, mas sempre tinha algo a ser feito. Como você está?

— Como acha que fiquei durante esses três anos? Tive que me contentar com o London e sua chatice de vôlei, isso agora não vem ao caso e você vai ficar pra sempre agora?

— Claro, Bananinha, não saio do seu lado nunca mais! — Era tão difícil esconder aquela cara de besta por ela.

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