Vovô

Ainda dentro do carro, olhava as pessoas entrarem e saírem pelas portas automáticas, funcionários passarem apressados, alguns olhares distantes, algumas lágrimas de maneira disfarçada sendo enxugadas. Então uma realidade assolou minha alma: até quando meu avô iria permanecer nesse local? Fazia mais de sete meses que ele estava internado e, em nenhum momento, meu pai ou qualquer outro membro da família disse que ele poderia sair.

Quando o visitava, sempre o via mais abatido, mais magro e indisposto. Na última vez, ele passou quase a manhã inteira dormindo. Não tinha muito o que eu pudesse fazer, tendo em vista que ele devia ter outra doença além do que me disseram. Atônita a tudo à minha volta, meu corpo estremeceu quando os dedos gélidos de Axl apertaram o meu braço como se fosse um beliscão.

— Garoto, por qual razão sempre precisa fazer isso? Fala, estou te ouvindo! — elevando a voz, dizia entre os dentes ao mesmo tempo que massageava o local afetado.

— Eu falei com você, mas sua cabecinha não para de fumegar...

— Repete então, filhote de Gasparzinho.

— Desça e me espere aqui, vou estacionar o carro e já volto.

Sair do veículo, permanecendo fixa no mesmo local, quando o ar gélido vindo de dentro do hospital percorreu entre minhas pernas, levando-me a olhar para a entrada do salão principal, onde vi Benjamim caminhando na minha direção. Ele aparentava não me ver, seu andar confiante, peito estufado, costas retas, uma das mãos no bolso do casaco o qual esvoaçava com o seu andar.

Ben sempre foi extremamente confiante, nada parecia abalá-lo. Movendo-se pelas portas, parou quase ao meu lado e não notou minha presença. A mão que estava no bolso agora carregava um maço de cigarro, o qual abriu, tirou um com a boca e estava pronto para acender, quando ironizei a fala, dizendo.

— Vai morrer se não parar com isso!

— Não é... — Olhando em minha direção, quase engoliu o cigarro. — Bananinha! — cuspiu o objeto de sua boca e me abraçou.

O ver me fez esquecer por completo o motivo da minha raiva para com ele, apenas afundei minha cabeça em seu peito, envolvendo sua cintura e o apertei com toda força que tinha, sentindo-o cheirar fundo os meus cabelos.

— Está aqui sozinha? — murmurava com a boca encostada na minha testa.

— Não, o Axl foi estacionar...

— Me desculpe — Afastou-se, segurando meu rosto e apertando minhas bochechas.

— Não tem o que ser desculpado, como todos tendem a me lembrar, sou apenas sua prima.

A tristeza que estava enraizada no meu interior saiu na minha fala.

— Sabe que não é verdade, não sabe? — Seus polegares deslizaram pelas minhas bochechas.

— Sei? — Colei meu corpo ainda mais ao dele, no mesmo instante em que fitava aqueles olhos incríveis.

— Eu am.... — ele parou, se aproximou mais do meu rosto.

— Não faz isso! — Uma mão que mais parecia uma pedra de gelo tapou sua boca, roçando na minha bochecha. — Precisamos conversar, Benjamim. — Axl falou enquanto me puxava pelo braço para o seu lado.

— Axl! — Ben bufou pelos lábios e olhou para o céu — Precisamos — Olhou em minha direção com um sorriso fino nos lábios e um olhar gentil — Entre, Emma, vou comprar um café.

— Vai voltar para o quarto? — Tentava sair de fininho da mão de Axl.

— Sim, preciso apenas conversar com essa alma penada que insiste em se meter onde não deve.

— Não, Ben, apenas lembro onde você está se metendo, não precisamos de mais drama do que já temos! Ou estou errado? — Axl endireitou a coluna e olhou sério para Ben.

— Devia transar mais, Axl, e parar de foder com a minha paciência, vamos deixá-la entrar.

Olhou para a mão dele que seguia comprimindo meu braço.

— Emma entra e não sai do quarto. — Axl me soltou e virou de costas, passando a caminhar com as mãos nos bolsos.

— Entra, Bananinha — Benjamim encostou dois dedos no meu queixo e logo virou-se e acompanhou o nosso primo.

Dei meia volta e fiz o que eles me pediram, entrei, passei pela recepção, peguei o crachá de visitante e subi. Descendo do elevador, fui em direção ao quarto do vovô, esperando a porta ser aberta pelos seguranças, quando de relance vi uma figura andando de modo estranho em minha direção.

Virei a cabeça para a direita e vi a "figura estranha", mancando com a blusa de botões completamente aberta, uma faixa transpassada pelo abdome, ele estava sujo de sangue, mal apoiava-se no pé esquerdo, ao se aproximar parou com a cabeça baixa ao meu lado. Respirando pela boca, podia sentir o cheiro de álcool que emanava dele, os olhos inchados como se estivesse com alergia e levemente vermelhos. Segurava o abdômen, respirando com dificuldade, por fim falou comigo.

— Bom dia, Emma! — A voz rouca, como se tivesse acabado de acordar, aparentava estar sentindo dor.

— Você está bem, Anthony? O que aconteceu com você? Por qual motivo veio aqui desse jeito? — Com a boca entreaberta, o cenho estreito o olhava da cabeça aos pés.

— Aquela filha de uma prostituta ficou bem pior — projetando a cabeça para trás, a inclinou na minha direção — tá queimando no inferno agora!

— O quê? — Olhei com os olhos arregalados e afastei-me alguns centímetros.

— Esqueça, alienada! — Olhou para o vidro e passou a esmurrar a porta — ESTÃO ESPERANDO O QUÊ PARA ABRIR ESSA MERDA!

— Não grite! Eu também não abriria! E você não falou o que veio fazer aqui desse jeito.

— Eu já estava aqui, Emma, fiquei na emergência quase uma hora, não vem ao caso, agora preciso apenas que esses DESGRAÇADOS! Abram a maldita porta.

O guarda destravou a porta, Anthony passou na minha frente e o observei caminhar com dificuldade até o quarto. Mal entramos e ele desatinou a falar enquanto ia em direção ao nosso avô.

— Aquela desgraçada teve a audácia de me dar um tiro no pé! — ele sentou na poltrona enquanto segurava a bandagem do abdômen. — Olhe o que ela fez! — ergueu seu pé direito — terei que ficar de molho por duas semanas, se aquele ser infernal não tivesse morrido, a mataria de novo!

— Carrasco? — Vovô olhou em minha direção. — Cale essa boca! — falou em um tom mais baixo.

— Mas o senhor disse que, quando o serviço fosse concluído, precisava reportar diretamente ao senhor! — Ele repousou a cabeça sobre o encosto da poltrona e fechou os olhos.

— Anthony, não é o momento, a Emma veio me visitar. — Vovô estendeu o braço com dificuldade e me chamou para um abraço.

— Eu esqueço...

Foram as últimas palavras dele antes de desmaiar por completo na poltrona. Abracei meu avô, dizendo.

— O que aconteceu com ele? — Olhava para Anthony.

— Nada, minha boneca, é o Anthony, sempre está se metendo em confusão. — Ele apertou com um pouco de força a minha mão — e você, minha princesinha, como está?

— Bem — seguia olhando para Anthony — e o senhor? — voltei minha atenção para vovô — Hoje parece mais disposto.

— Sim, ansiava por sua visita, pequena.

Sorri acariciando sua mão. Mesmo meu primo tendo perturbado minha mente, o deixei de lado para aproveitar cada segundo com aquele senhor bondoso e gentil, era uma honra ser sua neta.

Peguei o livro de Moby Dick na estante próximo à janela e sentei. No último sábado, havia parado no capítulo oitenta e esperava chegar pelo menos no cem, para que a leitura finalizasse. Essa era uma das histórias preferidas do meu avô. Mesmo achando monótono e cansativo, lia cada palavra com todo o entusiasmo do mundo.

— Podemos começar? — olhei por cima do livro em direção a ele.

— Claro, querida, essa baleia nunca me cansa.

— Já me cansou nos três primeiros capítulos — cochichei apenas para mim, enquanto minha vista percorria a escrita formal de descrições desnecessárias, afinal era só uma perna, para quê esse ódio todo?

Passei os primeiros quarenta minutos me aprofundando naquele oceano de palavras sem fim. Quando fui interrompida por Axl, pigarreando e olhando em direção ao leito.

— Ele está dormindo, Emma.

Levantei-me espreguiçando da poltrona quando me aproximei mais de Axl perguntando.

— Onde o Benjamim está?

— Precisou ir trabalhar, quando o Anthony chegou — apontava com a cabeça para Anny que seguia adormecido.

— No mesmo momento que eu.

— Compreendo. Ele disse alguma coisa?

— Palavras sem sentido, não liguei, ele deve estar bêbado e drogado.

— Sim.

Os minutos logo se estenderam, Anthony acordou, pediu desculpas, beijou minha cabeça e saiu do quarto sem falar com nosso avô, mas não antes de murmurar algo para Axl, que apenas assentiu, permanecendo imóvel no mesmo lugar. Aquele foi o último sábado que vi meu avô, na semana seguinte a sua situação se agravou, sendo assim precisou ser transferido para a UTI e as visitas foram proibidas, exceto para tio Elliot que sempre nos mantinha informado do seu estado.

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