Ameaças

    O toque insistente do celular me arrancou do sono pesado. Tentei tatear o criado-mudo, ainda sonolenta, até encontrar o aparelho. Meus olhos mal conseguiam focar a tela, mas atendi no automático, com a voz rouca de sono.

— Alô? — murmurei.

O silêncio do outro lado durou apenas um segundo antes de uma respiração pesada preencher a linha. Então, uma voz arrastada e carregada de um tom embriagado cortou o silêncio da madrugada.

— Você acha que vai aproveitar esse maldito Rafaela? Eu queria casar com você, mas não vou te dar o gosto de escolher, não vai casar com ele — Vitto cuspiu as palavras, sua voz pastosa e cheia de ódio.

O choque me despertou de vez. O coração disparou e meu corpo gelou. Engoli seco, mas não respondi.

— Vai ficar muda, princesa? — Ele soltou uma risada sarcástica. — Você e esse merda do Matheu... acham que vão ser felizes? Eu vou matá-lo primeiro. E depois vou cuidar da sua reputação... Você acha que vai casar tranquila depois de se sujar com um soldado? Uma Mansur que não passa de uma puta.

Fechei os olhos, sentindo meu estômago revirar. Ele estava completamente descontrolado.

— Todo mundo vai saber quem você realmente é. — A voz dele ficou mais agressiva, como se minha falta de resposta o deixasse ainda mais furioso. — Vai me ignorar, Rafaela? Você acha que pode me ignorar?!

Eu continuei calada, apertando o telefone com força.

— Responde, porra! — Ele gritou tão alto que meus ouvidos zuniram. — Eu sei tudo sobre você! Sei com quem fala, quem vê, onde pisa! E qualquer um que estiver perto de você vai pagar!

Meu sangue gelou. As crianças.

Meu coração disparou de um jeito que doeu. A sala de dança. Os pequenos que se reuniam para me assistir...

Levantei num impulso, já sentindo a adrenalina me dominar.

— Acha que estou brincando?! — Vito berrava, sua voz saindo cortada pelo telefone. — Eu mato aquelas crianças que ficam ao seu redor, quem sabe mando algumas para prostíbulos né, tem quem goste.

O pânico me atingiu como um golpe físico. Saí do quarto às pressas, mas no nervosismo, meus pés escorregaram no chão frio. Um impacto seco e a dor tomou conta do meu corpo quando bati contra o chão.

— Rafaela! — Meu pai surgiu na mesma hora, os olhos arregalados, me ajudando a levantar.

— Tudo bem filha? Machucou? — ele questionou.

Antes que eu pudesse dizer algo, Matheu apareceu ao lado de Noah, os dois atentos ao meu estado. Ainda segurava o telefone, os dedos trêmulos, sem conseguir falar nada, ainda respirando forte somente estiquei para que vissem. A ligação ainda estava ativa, o som da respiração ofegante de Vitto ecoando na linha.

Matheu pegou o celular da minha mão num movimento rápido, os olhos queimando de fúria.

— Você nunca mais vai ligar para minha mulher, seu desgraçado! — A voz dele saiu grave, carregada de uma promessa mortal. — E agora é oficial... Vitto Barcellos está com os dias contados.

Meu peito subia e descia rápido, o coração martelando tão forte que eu podia senti-lo na garganta. A voz de Vitto ainda ecoava na minha mente. As crianças. Minhas meninas.

— Ele sabe onde elas estão... — murmurei, sentindo um frio percorrer minha espinha.

— Elas quem Rafaela? — questionou meu pai.

— As meninas pai, que dou a aula de dança, as meninas da comunidade, ele disse que vai pegar elas e enviar algumas para prostíbulos. — falei já chorando.

Noah cruzou os braços e respirou fundo.

— Ele está blefando, Rafaela. Quer te desestabilizar, ele te quer na rua para tentar te raptar.

Balancei a cabeça, negando freneticamente.

— E se não estiver? — minha voz falhou, e meus olhos arderam. — Eu não posso correr esse risco. São só crianças, Noah! Eu prometi cuidar delas!

— E você é minha irmã, não posso arriscar sua vida, a resposta ainda é não, eu posso mandar alguém lá ficar de olho, mas nós cuidamos de tudo lá, ninguém vai invadir sem que nós saíbamos. — falou ele.

— Por favor meu irmão, eles querem abusar das meninas, não tem como arrumar um lugar para elas, é um grupo pequeno, 10 meninas e suas mães e algumas têm irmãos, por favor, pensa nas suas filhas, não deixa que eles machuquem alguém assim. — tentei apelar.

Ele apertou os lábios, claramente desconfortável com a situação.

— A gente pode fazer isso — ele disse, trocando um olhar com meu pai e Matheu —, mas você sabe que não temos como proteger todo mundo que ele ameaçar. Ele vai usar isso contra você, Rafaela.

A dor na minha garganta cresceu.

— Mas as dez meninas... Por favor — implorei, os olhos marejados. — Elas não têm culpa de nada! Elas não podem pagar por algo que é comigo!

Matheu respirou fundo ao meu lado, tenso. Senti quando seus dedos deslizaram pelos meus, apertando minha mão.

— Eu levo você até lá — ele disse, num tom baixo e grave.

Noah o encarou com uma expressão fechada, e meu pai não pareceu gostar da ideia, mas nenhum deles discutiu.

Eu sabia o que aquilo significava. Matheu não queria me expor, não queria me colocar em risco, e eu podia ver em seus olhos que se odiava por ceder.

Mas eu precisava ir.

Eu precisava ver com meus próprios olhos que elas estavam seguras.

— Temos um hotel desativado, ele está com os móveis, podemos dizer que elas ganharam a reforma das casas e que ficarão um tempo lá. — meu pai disse e aceitei na hora.

— Direi isso a elas, obrigado pai, se algo acontecesse eu não teria paz. — falei o abraçando forte.

— Matheu cuide da minha irmã, a decisão de ir para a rua foi sua, a proteja. — meu irmão falou e me odiei em colocar essa tensão sobre ele, mas Matheu sabia se proteger, minha preocupação é as meninas que não tem ninguém.

Saímos juntos e seguimos em um veículo diferente, um blindado, vi que dois carros saíram juntos e imaginei que meus pais mandariam mais segurança, isso não é um problema, nesse caso quanto mais, melhor.

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