O Retorno ao Palácio Frio

As portas do carro se abriram, e Nik saiu, apoiando-se na muleta. Seus olhos subiram lentamente pela fachada da mansão Laurent — uma construção monumental, com colunas de mármore, janelas imensas e jardins perfeitamente aparados.

Nada havia mudado.

A mesma perfeição congelada no tempo. Nenhum sinal de que o único herdeiro da casa havia desaparecido por meses. Nenhum sinal de que aquele lugar já foi, para ele, a maior de todas as prisões.

A porta principal se abriu antes mesmo de Nik subir os degraus. Uma fileira de empregados aguardava, inclinando levemente a cabeça em respeito, mas seus olhares… seus olhares eram vazios. Eles não viam Nik como um ser humano. Ele era só o herdeiro problemático.

Eleanor apareceu no topo da escadaria interna, com um sorriso nervoso.

— Bem-vindo de volta, meu amor.

Nik não respondeu. Apenas entrou, o som da muleta ecoando pelo piso de mármore polido. Cada passo dentro daquela casa era como pisar sobre memórias que ele tentou enterrar.

O cheiro familiar de flores caras misturado com cera de móveis era sufocante.

A escada em espiral ainda brilhava, com o corrimão dourado reluzindo sob as luzes quentes do hall. Os mesmos quadros de antepassados mortos o encaravam de suas molduras, como se julgassem seu retorno — e seu fracasso.

— Seu quarto foi completamente renovado. Quero que se sinta confortável aqui. — Eleanor tentava preencher o silêncio, suas palavras soando quase desesperadas.

Nik apenas assentiu, subindo lentamente as escadas. Cada degrau rangia levemente, o som ecoando pela imensidão silenciosa da mansão.

Quando chegou à porta do seu quarto, ele hesitou. A mão no puxador frio. Um instante de paralisia. Era como voltar a um túmulo onde você mesmo foi enterrado.

Ele abriu a porta.

O quarto estava impecável. Moderno, com móveis novos, roupas dobradas com precisão cirúrgica em armários embutidos, lençóis de algodão egípcio e o aroma suave de lavanda preenchendo o ar. Nada lembrava o antigo Nik — aquele garoto revoltado e quebrado.

Era um quarto para um filho perfeito.

Mas Nik não era mais esse filho.

Ele fechou a porta e encostou-se nela, o corpo escorregando até sentar no chão. Sua cabeça pendeu para trás, batendo de leve contra a madeira. A mansão era enorme, mas, dentro dela, Nik sentia-se sufocado. Mais uma vez.

O silêncio era opressor.

Ele passou a mão pelos cabelos bagunçados, os dedos trêmulos. E, no reflexo do espelho de corpo inteiro no canto do quarto, ele quase viu.

Loki.

Não realmente, mas a memória dele.

Aquele sorriso torto, os olhos que o perseguiam nos sonhos.

O toque frio no rosto.

A voz sussurrando nos cantos mais sombrios de sua mente.

— Você não pertence a esse lugar. — a memória de Loki sussurrou dentro de sua cabeça.

Nik apertou os olhos, tentando afugentar a voz. Mas era inútil.

Porque, por mais luxuoso que fosse aquele quarto, por mais roupas caras que colocassem nele, Nik não era mais parte daquele mundo.

Ele não sabia onde pertencia.

Mas sabia que não era ali.

E a pior parte?

Ele sentia falta de Loki.

Porque ao menos Loki nunca fingiu amá-lo.

Nik estava sentado no sofá da sala principal, suas mãos frias descansando sobre os joelhos enquanto seus pais se movimentavam ao redor, cuidando dos últimos detalhes do jantar. Eleanor ajustava a disposição das taças de cristal, enquanto Victor verificava no celular os horários de cada convidado.

O clima na casa era de pura formalidade — como sempre. Mas, dessa vez, havia algo diferente no ar.

Victor, com seu tom seco e desinteressado, olhou para Nik.

— Vê se não faz cena hoje. Esses convidados são da alta cúpula. Se você quiser continuar existindo nessa família, comporte-se.

Nik apenas lançou um olhar de tédio para o pai, mas não respondeu. Ele já sabia seu papel: ser uma peça decorativa, o herdeiro "exótico" que as famílias estrangeiras adoravam conhecer.

De repente, o som de pneus rangendo ecoou do lado de fora da mansão. Carros pretos de alto luxo estacionaram no pátio. A porta principal foi aberta por um dos empregados e, cercado por seguranças impecavelmente vestidos, um homem velho entrou.

Ele tinha uma postura firme, olhar calculista, como alguém acostumado a ser o centro do poder em qualquer sala que entrasse. Seu terno era feito sob medida e os sapatos brilhavam tanto quanto o mármore da mansão Laurent.

Victor avançou, um sorriso forçado no rosto.

— Senhor Hargrave, é um prazer tê-lo aqui.

O velho apertou a mão de Victor com uma firmeza intimidadora, mas o olhar logo passou por cima do ombro dele, como se procurasse algo.

— Esse é meu filho mais novo. — Hargrave falou em um inglês impecável, seu sotaque europeu pesado. — Ele não fala seu idioma, apenas inglês. Espero que isso não seja um problema.

Victor riu de forma ensaiada.

— Claro que não, estamos acostumados com isso.

Hargrave virou o rosto e fez um gesto com a mão. Os seguranças se afastaram ligeiramente, e por entre eles surgiu a figura que fez o coração de Nik parar.

Loki.

Mas não o Loki sujo de sangue, de camisa rasgada, de olhar predador no meio da escuridão.

Loki em um terno de grife, cabelos arrumados, postura impecável.

O mesmo sorriso torto, ligeiramente mais educado — mas ainda venenoso.

E então, Loki apertou a mão de Eleanor.

— Nice to meet you, Mrs. Laurent. — A voz dele, suave e educada, carregava um toque malicioso que só Nik poderia reconhecer.

Nik travou.

Ele não conseguia respirar.

Loki virou-se em direção a Victor e também apertou sua mão.

— It’s an honor to be here, Mr. Laurent.

E então… os olhos de Loki encontraram os de Nik.

Por um instante, o mundo ao redor sumiu.

Nik sentiu seu corpo inteiro gelar, a cicatriz na perna queimando como se acabasse de ser quebrada de novo.

Mas Loki?

Loki sorriu.

Um sorriso discreto, que só Nik conseguiria decifrar.

Eles dois sabiam.

Esse não era um reencontro.

Era o começo de outro jogo.

E Nik sabia…

Esse jogo seria muito pior do que o primeiro.

O grande salão de jantar da mansão Laurent estava iluminado de forma impecável, lustres de cristal pendiam do teto alto, lançando reflexos dourados sobre a mesa perfeitamente arrumada. Pratos de porcelana fina, talheres de prata polida e taças de cristal formavam o cenário perfeito para o que deveria ser uma noite de negócios entre bilionários.

Mas para Nik, era um pesadelo em câmera lenta.

Ele estava sentado ao lado de sua mãe, as costas retas e as mãos apertadas sobre o colo. Sua respiração era rasa, os músculos tensos como cordas prestes a se romper. À sua frente, sentado com uma postura impecável e um leve sorriso educado nos lábios, estava Loki.

Não o Loki selvagem que o prendeu, que o humilhou, que o destruiu.

Loki Hargrave.

O filho de um magnata da tecnologia. O herdeiro de uma das fortunas mais poderosas da Europa.

A fachada perfeita de um jovem educado, viajado, fluente em várias línguas — o orgulho de uma família intocável.

E Nik era o único naquela mesa que sabia a verdade.

Loki era um monstro.

A cada brinde, a cada sorriso trocado entre seu pai e o patriarca Hargrave, Nik sentia a náusea crescer. Como ninguém sabia? Como era possível que aquele homem, que o amarrou, quebrou seus ossos e destruiu seu corpo e sua mente, estivesse sentado ali, perfeitamente à vontade, entre a elite mundial?

Loki não olhava diretamente para Nik.

Ignorava sua existência completamente.

O que só tornava tudo pior.

Porque para Nik, cada palavra polida em inglês, cada gesto educado, era uma lembrança de que ele nunca conheceu o verdadeiro Loki.

O Loki que estava ali — ajustando o guardanapo sobre o colo, sorrindo quando alguém mencionava alguma empresa ou investimento — era uma máscara. Uma máscara tão perfeita que até Eleanor e Victor, mestres em fingir emoções, pareciam genuinamente encantados com a presença dele.

— And this is your son, Nik? — Hargrave perguntou, sorrindo para Nik como se ele fosse algum tipo de filhote exótico.

Victor forçou um sorriso, colocando a mão pesada no ombro de Nik.

— Sim, nosso herdeiro. Ele acabou de voltar de um pequeno… descanso. — A forma como Victor apertou o ombro de Nik era um aviso. Fique calado. Não estrague isso.

Nik sorriu — ou pelo menos tentou.

O aperto no estômago era tão forte que ele mal conseguiu engolir a água.

Loki, ainda sem olhar para Nik, ergueu sua taça.

— To future partnerships.

(Tostando às futuras parcerias.)

Todos ergueram suas taças e brindaram.

Exceto Nik.

Ele só conseguia encarar a lateral do rosto de Loki, tentando conciliar as duas versões daquele homem:

O filho perfeito de um bilionário,

E o psicopata que torturava por prazer.

E então, fez sentido.

É claro que ninguém nunca encontrou Loki.

A casa isolada onde ele manteve Nik preso não era sua casa de família.

Era uma propriedade alugada, escondida em nome de alguma empresa fantasma, blindada por advogados e redes de proteção digital.

Loki podia fazer o que quisesse — sequestrar, torturar, matar — e ninguém jamais o rastrearia.

Porque ele era protegido por algo ainda mais poderoso que sua própria violência.

O dinheiro.

Nik sentiu a boca secar.

Loki não era um monstro solitário. Ele era um produto do sistema em que Nik também nasceu.

Ricos não pagam por seus crimes.

Ricos criam seus próprios playgrounds.

E Nik foi só mais um brinquedo quebrado no caminho de Loki Hargrave.

— Você está bem, querido? — Eleanor sussurrou ao seu lado, notando a palidez do filho.

Nik forçou outro sorriso.

— Claro, mãe. Estou ótimo.

Mas por dentro…

Por dentro, ele estava gritando.

E o pior de tudo era saber que, por mais que gritasse, ninguém naquela mesa jamais ouviria.

E Loki sabia disso.

E foi por isso que ele sorriu.

Apenas o suficiente para Nik ver.

Apenas o suficiente para lembrá-lo de que o jogo ainda não tinha acabado.

E talvez…

Nunca fosse acabar.

As taças de vinho tilintavam em meio às conversas superficiais e sorrisos ensaiados. Nik mantinha-se calado, as mãos apertadas sob a mesa, enquanto os adultos negociavam como se ele e Loki não fossem nada além de figuras decorativas para embelezar a mesa.

Até que veio a bomba.

— Sabe, Hargrave… — Victor disse, com aquele tom jovial falso que usava sempre que queria parecer generoso. — Se vocês preferirem, Loki pode ficar aqui em casa durante os próximos dias. Assim, não precisam se preocupar com hotéis e deslocamentos, e ele já estará por perto para acompanhar as reuniões entre as nossas equipes.

Nik engasgou levemente com a própria saliva, mas se controlou antes de chamar atenção. Sua mão tremeu levemente sobre o guardanapo de linho.

Loki.

Na mesma casa que ele.

Ele olhou discretamente para Loki, esperando uma reação. Mas Loki, como sempre, jogava perfeitamente o papel.

— That’s very kind, sir. I’d be honored.

(Isso é muito gentil, senhor. Seria uma honra.)

Nik desviou o olhar antes que seus olhos traíssem a confusão dentro dele. Parte dele queria gritar, queria protestar, queria expor Loki ali, na frente de todos, contar cada segundo de dor, humilhação e terror que aquele homem fez ele passar.

Mas a outra parte…

A outra parte queria Loki ali.

Queria sentir a presença dele nos corredores da mansão, queria aquele olhar predador o seguindo de novo.

Era doentio.

Era absurdo.

Mas era verdade.

Ele sentia falta da presença de Loki tanto quanto sentia medo dela.

E isso o enojava.

— Não é maravilhoso, querido? — Eleanor disse, sorrindo suavemente para Nik. — Assim você e Loki podem passar um tempo juntos, trocar experiências… quem sabe até se tornarem amigos.

Amigos.

Nik quase riu.

Ele apertou tanto os dedos sob a mesa que as unhas cravaram nas palmas, mas ele manteve o sorriso educado no rosto.

— Claro, mãe. Vai ser… ótimo.

Loki não disse nada diretamente para Nik. Nem o olhou por mais de dois segundos.

Mas Nik sabia.

Sabia que Loki estava ciente de cada batida do seu coração, de cada respiração travada, de cada tremor em suas mãos.

Porque Loki ainda controlava aquele jogo.

E agora…

O tabuleiro era a própria casa de Nik.

Quando a sobremesa foi servida e as negociações avançavam para a sala de reuniões, Nik permaneceu no seu lugar por um momento, a mente girando.

Ele estava seguro ou encurralado?

E pior:

Qual parte dele gostava mais dessa sensação?

CONTINUA....

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