Prisioneiro e Carcereiro

Loki atravessou o corredor com passos pesados, cada batida do pé contra o chão ecoando pelo casarão como uma martelada. Suas mãos tremiam, os nós dos dedos ainda vermelhos da pancada contra a parede.

Nik.

Aquele maldito garoto.

Não bastava ter entrado na casa dele, no espaço dele. Agora, estava alojado dentro da mente dele, como um veneno doce que Loki não sabia como expurgar.

Ele desceu até a cozinha, abriu a torneira e jogou água no rosto, tentando esfriar o próprio sangue. Mas a imagem de Nik, sujo, quebrado e ainda desafiador, queimava atrás de suas pálpebras.

E o pior?

Loki queria voltar lá.

Ele queria ouvir Nik o desafiar de novo. Queria ver aquele olhar vazio se encher de alguma emoção — medo, raiva, ou quem sabe algo pior.

Ele queria Nik vivo.

E isso era o que mais o irritava.

Lá no quarto, Nik permaneceu deitado, o corpo ainda doendo, mas a mente mais viva do que nos últimos dias.

Ele sentia. Pela primeira vez desde que Loki o prendeu, ele sentia que tinha alguma vantagem.

Loki era mais forte, mais rápido e podia acabar com sua vida a qualquer momento. Mas, de alguma forma, Nik estava dentro dele.

Nos olhares rápidos, nos toques desajeitados, nas explosões de raiva que vinham sem motivo aparente — Nik viu a rachadura.

E se há uma rachadura, há uma porta.

Ele só precisava saber até onde poderia empurrar Loki antes que o monstro dentro dele acordasse de vez.

Nik virou o rosto, encarando a parede, sentindo o gosto amargo de sangue ainda preso na boca.

— Você me prendeu aqui, Loki. — murmurou para si mesmo. — Mas agora, somos prisioneiros juntos.

Loki voltou ao quarto horas depois, mais calmo — ou pelo menos fingindo estar. Ele abriu a porta e encontrou Nik no mesmo lugar, mas dessa vez o garoto o encarava.

Dessa vez, havia algo nos olhos dele.

Não era medo.

Não era submissão.

Era algo que Loki conhecia bem.

Desprezo calculado.

— Vai ficar me olhando assim? — Loki quebrou o silêncio, encostando-se no batente da porta.

— Me parece justo. Você me olha o tempo todo. — Nik retrucou, a voz ainda rouca, mas firme.

Loki estreitou os olhos.

— Não testa minha paciência, Nik.

Nik deu um sorriso pequeno, quase invisível.

— Você não tem paciência comigo, Loki. Tem outra coisa. Mas você tem medo até de admitir.

Loki atravessou o quarto em segundos, ajoelhando-se sobre a cama, com uma mão apertando o pulso de Nik contra o colchão e a outra segurando seu rosto.

— Acha que me entende? Acha que sabe quem eu sou? Eu sou o seu inferno particular, garoto. Eu decido se você respira ou sufoca.

Nik manteve o sorriso, mesmo quando a dor irradiou pelo seu braço.

— Então me mata.

Loki congelou.

A mão que segurava Nik tremia.

— Vai, Loki. — Nik sussurrou. — Me mata. Ou me beija. Mas para de fugir.

O ar entre os dois ficou denso, quase elétrico.

Loki sentia o calor subir pelo peito, pela garganta, até que ele precisou se afastar de uma vez, levantando-se bruscamente como se tivesse tocado fogo.

— Você é um desgraçado, Nik.

— E você é um covarde. — Nik respondeu, sem medo.

Loki saiu do quarto sem bater a porta.

E Nik ficou, deitado, o corpo ainda fraco… mas a mente girando.

Ele encontrou a porta.

E agora, ele ia testar até onde podia entrar.

Loki atravessou o corredor como uma tempestade prestes a destruir tudo. As mãos tremiam de raiva, mas não só raiva.

Era frustração, era desejo, era algo que queimava dentro dele e que ele não conseguia nomear.

Cada palavra de Nik ecoava em sua mente como uma faca girando na carne.

“Me mata. Ou me beija.”

Aquilo o enojava.

Aquilo o despertava.

E isso fazia de Nik a coisa mais perigosa que já cruzou seu caminho.

Ele foi até o banheiro, abriu a torneira e jogou água no rosto, tentando apagar a sensação do toque da pele de Nik sob suas mãos.

Frágil e quente.

Ele prendeu a respiração.

Não. Não podia ceder.

Mas ceder ao quê?

Ele não era gay. Não era fraco.

Ele era o caçador. Sempre foi.

Horas depois, já no limite da própria sanidade, Loki voltou ao quarto de Nik.

Ele não bateu, não anunciou. Apenas entrou, trancou a porta atrás de si, e ficou parado ali, no escuro.

Nik estava sentado na cama, as costas contra a parede, os olhos cravados nele.

E havia algo diferente em Nik.

Uma calma perigosa, uma ousadia silenciosa.

— Resolveu me matar ou me beijar? — Nik disse, a voz baixa, arranhada, mas cheia de provocação.

Loki cerrou os dentes, os punhos cerrados.

— Você é só um lixo quebrado. Não se ilude achando que tem algum poder aqui.

Nik inclinou a cabeça, aquele sorriso pequeno e venenoso aparecendo nos lábios rachados.

— Então por que eu tô dentro da sua cabeça?

Loki atravessou o quarto em segundos. Ele agarrou Nik pelo pescoço, o corpo magro prensado contra a parede.

— Você acha isso engraçado? Acha que brincar comigo é uma boa ideia?

Nik sorriu, mesmo com o ar sendo roubado dele.

— Eu acho… que você tá com medo.

Loki apertou mais, mas suas mãos tremiam.

Porque Nik não estava errado.

— Eu podia te matar agora mesmo. — Loki rosnou.

— Então faz. — Nik sussurrou, o olhar cravado nos olhos de Loki.

O silêncio entre eles era sufocante. O rosto de Loki a centímetros do de Nik.

A respiração de um misturada com a do outro.

E então, Loki sentiu.

O mesmo calor. A mesma maldita fraqueza queimando dentro dele.

Nik ergueu uma das mãos trêmulas e passou os dedos pelo peito de Loki, sobre a camisa.

Foi um toque fraco. Mas destruiu qualquer controle que Loki tinha.

Loki soltou Nik com força, dando dois passos para trás, como se tivesse sido queimado.

— Você é doente. — Sua voz falhou.

— Eu sou só seu espelho. — Nik respondeu, a voz rouca, mas carregada de uma estranha certeza.

Loki sabia que deveria bater nele.

Deveria quebrar o resto que sobrava daquele garoto.

Mas ele não conseguia tocar Nik naquele momento.

Porque, no fundo, Nik o tocava muito mais.

Loki saiu do quarto, batendo a porta tão forte que uma rachadura se formou na madeira.

Mas Nik ficou, com o sorriso pequeno nos lábios.

Ele sabia.

O verdadeiro prisioneiro naquela casa não era ele.

Era Loki.

E agora, o jogo tinha virado.

A garrafa de uísque estava quase vazia. O líquido dourado queimava a garganta de Loki cada vez que ele dava mais um gole, mas não era suficiente para apagar Nik da sua mente.

Nada era suficiente.

Aquela voz, aquele olhar morto que de vez em quando ganhava faíscas de desafio, a forma como mesmo quebrado, Nik ainda o desafiava a sentir algo que ele passou a vida inteira tentando apagar.

Loki cambaleou pelas escadas, com a garrafa pendendo de uma mão e a corrente de Nik na outra.

— Levanta. — A voz saiu rouca e arrastada, mas ainda perigosa.

Nik, sentado no colchão sujo, nem precisou perguntar. Ele sabia.

— Vai me matar agora? — A voz de Nik veio baixa, mas sem medo. Quase aliviada.

Loki riu — um som seco, sem humor.

— Se fosse tão simples assim…

Ele puxou a corrente, forçando Nik a se levantar. O garoto tropeçou, a perna machucada ainda frágil demais para suportar o peso do próprio corpo, mas Loki não se importou.

Arrastou Nik pelo corredor, escada abaixo, até o porão frio.

O cheiro de metal, sangue antigo e água sanitária invadiu as narinas de Nik. A visão da mesa cirúrgica o fez prender a respiração.

Quantas vezes ele já esteve ali?

Mas dessa vez, havia algo diferente em Loki.

O olhar dele não era só cruel.

Era atormentado.

Loki jogou Nik sobre a mesa, prendendo seus pulsos com as correias de couro gastas.

Prendeu também os tornozelos — mesmo o que já estava quebrado.

Nik não resistiu.

Apenas encarou Loki com aquela expressão cansada, sem medo.

Sem esperança.

— Vai. Acaba logo com isso. — Nik murmurou, virando o rosto para o lado.

Loki ficou parado.

As mãos nos punhos de Nik, mas ele não se mexia.

O eco das palavras de Nik parecia ricochetear pelas paredes do porão.

— Me mata, porra. Não aguento mais esse jogo.

Loki apertou os dentes com força. A respiração dele estava descompassada, e o cheiro de álcool misturava-se ao suor frio em sua pele.

— Cala a boca.

— Me mata, Loki. Você já ganhou. Eu perdi. Todo mundo sempre ganha de mim no final. Acaba logo com essa merda.

Loki subiu sobre a mesa, os joelhos de cada lado do corpo de Nik.

Suas mãos seguraram o rosto de Nik, os polegares cravando levemente nas maçãs do rosto pálido.

— Você acha que eu quero te matar? — Loki rosnou, a voz cheia de raiva e algo muito pior: medo.

— Então por que eu ainda tô aqui?! — Nik gritou, o peito subindo e descendo de forma irregular. — Me mata ou me deixa ir! Mas para com essa merda de me segurar sem saber o que quer!

Loki inclinou-se até seus rostos estarem a centímetros de distância.

O cheiro de álcool, suor e medo era sufocante.

Mas o que mais pesava era a tensão — uma linha invisível entre os dois, onde ódio e algo mais escuro se encontravam.

— Você acha que é fácil? — Loki sussurrou, os olhos ardendo. — Você acha que eu não tento? Eu quero te matar. Eu quis desde o primeiro dia.

— Então faz! — Nik cuspiu, a voz trêmula, mas cheia de dor. — Eu não quero ser seu brinquedo. Eu não quero ser sua obsessão.

Loki tremeu.

As mãos ainda seguravam Nik, mas ele não conseguia se mover.

— Eu não consigo. — Loki finalmente confessou, a voz saindo quase inaudível.

Nik ficou em silêncio por alguns segundos.

Pela primeira vez, o medo real tocou sua mente.

— Por quê? — Nik sussurrou. — Por que eu?

Loki fechou os olhos, o rosto quase encostando no de Nik.

— Porque você me vê.

A frase pairou no ar como uma sentença.

Nik sentiu o peso dela.

E percebeu que, no final, Loki estava tão preso quanto ele.

Loki se afastou bruscamente, levantando-se da mesa como se fugir do contato físico fosse a única forma de respirar de novo.

Mas antes de sair do porão, Loki se virou.

— Você vai comer. Você vai dormir. E você vai ficar vivo. Porque se eu não sei o que fazer com você, você também não vai saber o que fazer comigo.

E então, Loki subiu as escadas.

O som da chave girando ecoou pelo porão escuro. Nik piscou algumas vezes, os olhos sensíveis à luz que Loki acabara de acender. Ele estava deitado na mesa, os pulsos e tornozelos ainda presos pelas correias de couro.

Loki ficou parado ao lado da mesa, sem expressão. O rosto cansado, mas firme.

Com um gesto rápido, ele começou a soltar as amarras. Primeiro os pulsos, depois os tornozelos. Mesmo quando as correias caíram, Nik não se mexeu. Apenas observava Loki com olhos estreitos, esperando por alguma nova armadilha.

Mas Loki apenas deu dois passos para trás, cruzando os braços.

— Levanta. — Sua voz saiu seca, sem emoção.

Nik se sentou lentamente, o corpo dolorido protestando contra cada movimento. Por um momento, achou que fosse algum tipo de teste, mais uma provocação. Mas o olhar de Loki estava vazio, como se algo dentro dele tivesse finalmente se partido.

Sem uma palavra, Loki subiu as escadas, deixando a porta aberta atrás de si. Nik hesitou por alguns segundos antes de segui-lo, cada degrau parecendo uma jornada interminável para suas pernas fracas.

Quando chegou ao térreo, ele viu.

A porta da frente escancarada.

A brisa da manhã invadia a sala, trazendo o cheiro de liberdade — algo que Nik já tinha esquecido como era.

Loki estava encostado no batente da porta, os braços cruzados e o olhar fixo no chão.

— Você pode ir. — Loki disse, a voz rouca de quem passou a noite inteira lutando consigo mesmo. — Acabou.

Nik não acreditou de imediato. Ficou parado no meio da sala, o coração martelando no peito, esperando que Loki mudasse de ideia, que a porta se fechasse de novo.

— Vai. — Loki repetiu, mas dessa vez, seu tom era mais baixo, quase… quebrado.

Nik deu um passo hesitante. Depois outro. E mais um. Quando passou por Loki, sentiu o olhar dele sobre si. Pesado.

— Me promete uma coisa. — Loki falou antes que Nik cruzasse a porta.

Nik parou, sem se virar.

— Nunca mais aparece na minha frente. — Loki disse, cada palavra saindo com esforço. — Volta pra sua família, pra sua vida de ouro. Esquece que eu existo.

Nik virou apenas a cabeça, os olhos escuros encontrando os de Loki.

— Minha família não me quer. — Nik disse, a voz fraca, mas sincera. — E minha vida de ouro nunca foi minha.

Loki não respondeu.

Apenas ficou ali, imóvel, vendo Nik atravessar a porta.

A luz da manhã envolveu o corpo magro de Nik quando ele finalmente pisou fora daquela casa. O ar fresco bateu em seu rosto, e ele sentiu o mundo de novo — o mundo real.

Mas, mesmo enquanto caminhava, mesmo enquanto se afastava daquele lugar, uma parte dele sabia:

Nenhum dos dois sairia inteiro dessa história.

Nem Nik.

Nem Loki.

E mesmo com a porta aberta, mesmo com a estrada diante dele, Nik não sabia se realmente estava livre.

Porque a sombra de Loki… vivia dentro dele agora.

E talvez, apenas talvez, ele também vivesse dentro de Loki.

CONTINUA....

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Jucicleide Oliveira de Jesus silva

Jucicleide Oliveira de Jesus silva

EITA

2025-03-24

1

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