Sofia narrando:
Meu nome é Sofia. Tenho 19 anos, sou baixa, gordinha, mas bem feita. Meu cabelo é longo e preto, e minha pele carrega as marcas do tempo e das dores que já vivi. Perdi minha avó, a única pessoa que me amava de verdade, a única que se importava comigo. Agora, tô aqui, na casa da Marcela e do irmão dela, o famoso Lobo.
Lobo. Só de ouvir esse nome, já dá pra sentir o peso. O dono do morro. O cara que manda e desmanda, que todo mundo teme. Eu deveria ter medo dele também. Talvez tenha. Mas o que mais me incomoda não é o medo, é a forma como ele me olha, como se eu não fosse nada. Como se ele pudesse me esmagar com um olhar e eu tivesse que aceitar.
Ele é arrogante, grosso, impaciente. Mas não posso negar uma coisa… ele é bonito. Bonito de um jeito que irrita, que incomoda. Alto, forte, postura de quem sabe que é perigoso. O olhar dele é frio, sem emoção nenhuma, como se nada nesse mundo fosse capaz de atingir ele. E talvez não seja.
Eu não sou burra. Sei que tô pisando num território que não é meu, sei que não posso errar. Mas também não sou do tipo que abaixa a cabeça fácil. Se ele pensa que vou me encolher e aceitar tudo calada, tá muito enganado.
A verdade é que eu não tenho escolha. Aqui ou você se adapta, ou some. E eu já perdi gente demais pra ser a próxima a desaparecer.
Acordei cedo, mas passei um tempo deitada, pensando em tudo. Minha vida virou de cabeça pra baixo rápido demais, e agora tô aqui, prestes a me meter num mundo que nunca imaginei. Mas não tenho escolha.
Levanto e vou pra cozinha. Marcela já tá lá, mexendo no celular, tomando café.
-- Bom dia, amiga.
-- Bom dia. Vai sair? -- ela pergunta, me olhando curiosa.
Respiro fundo antes de responder.
-- Sim, vou na boca pegar droga e começar a vender.
Marcela arregala os olhos, largando o celular na mesa.
-- Quem mandou?
Antes que eu possa responder, a voz grossa dele ecoa pelo ambiente, gelando o ar.
-- Eu que mandei. Já tomou café? Vamos, tô cheio de conta pra resolver.
Viro e vejo Lobo parado na porta, como se já soubesse que eu ia sair. Ele tá sério, como sempre, sem paciência, sem sentimento.
-- Lobo… não é assim. A Sofia não é acostumada com isso -- Marcela rebate, olhando de mim pra ele, preocupada.
Sorrio fraco, tentando tranquilizá-la.
-- Amiga, deixa que eu resolvo. E ele não me obrigou, eu aceitei.
Marcela suspira, claramente contrariada, mas não diz mais nada.
-- Beijos, vamos, Lobo. -- digo, andando na frente.
Ouço ele soltar um riso baixo e debochado atrás de mim antes de me acompanhar. Sei que ele não acredita que eu dou conta. Mas eu vou provar que ele tá errado.
Entro no carro com ele. O silêncio toma conta, mas não me incomoda. Lobo me olha de canto, mas não diz nada. Parece analisar cada movimento meu, como se tentasse entender o que passa na minha cabeça.
No caminho, olho para os cantos. As ruas do morro são vivas, movimentadas, cheias de história. Vejo crianças brincando, mulheres conversando nas portas, e um grupo de homens reunidos mais à frente, claramente armados. A vida segue, mesmo num lugar onde a morte anda lado a lado com todo mundo.
-- Tá olhando o quê? -- ele pergunta, sem tirar os olhos da estrada.
Viro o rosto para ele.
-- Você é assim desconfiado mesmo? Só tô olhando pro ambiente. A pracinha é linda, você que mandou fazer?
Ele solta um suspiro, como se achasse minha pergunta óbvia.
-- Tudo aqui fui eu que fiz. -- diz, sem se exibir, apenas afirmando um fato.
O carro segue até um lugar que não deixa dúvidas. Homens armados em cada canto, movimentação intensa, um cheiro forte de fumaça no ar. A famosa boca.
Lobo estaciona e sai sem esperar, já entrando direto. Eu o acompanho sem hesitar, tentando manter a postura firme, mas por dentro sinto o nervosismo crescendo. Passamos por algumas pessoas até chegarmos a uma sala que parece um escritório improvisado. O lugar é simples, mas funcional. Tem uma mesa, um sofá velho, algumas caixas empilhadas.
Assim que entramos, um rapaz me olha dos pés à cabeça, sem disfarçar. É LK, o tal braço direito do Lobo.
-- LK, entrega a ela a bolsa da droga e o valor pra passar troco. -- Lobo diz direto, sem rodeios. -- Final do expediente, você vem e deixa o dinheiro comigo. LK vai te dar 100,00 todo trocado apenas para o troco. Horário de almoço, você pode comer algo e depois voltar. Tá entendendo?
Respiro fundo antes de responder.
-- Sim. Onde eu fico?
Lobo se aproxima da janela e aponta com o queixo.
-- No beco. Ali. -- diz, me mostrando um canto onde alguns caras mal-encarados estão fumando e jogando conversa fora.
Meus olhos acompanham a direção que ele aponta. Meu estômago revira um pouco.
-- Ali? -- pergunto, num tom meio de desespero.
Ele arqueia a sobrancelha.
-- Sim. Por quê?
Engulo em seco, balançando a cabeça.
-- Nada.
LK me entrega a bolsa e o dinheiro. Seguro firme e saio da sala sem olhar pra trás. Se Lobo acha que vou fraquejar, tá enganado.
A manhã passa devagar. O movimento na boca é intenso, gente entrando e saindo o tempo todo. Começo a vender, me mantendo atenta a cada pessoa que se aproxima. Alguns caras soltam piadas, cantadas baratas, achando que vão me constranger.
-- Uma princesa dessa aqui? -- um dos noias comenta, me olhando de cima a baixo.
Reviro os olhos, sem paciência.
-- Vai comprar algo? -- pergunto seca.
Ele dá um sorriso torto, os dentes amarelados pelo vício.
-- Tá à venda também?
Sinto o sangue subir na hora, mas me seguro. Não posso arrumar briga já no primeiro dia. Apenas nego com a cabeça, mostrando indiferença.
-- Quero uma balinha de 20.
Pego a droga e entrego. Ele me passa o dinheiro e sai cambaleando, rindo de alguma coisa que só ele entende.
Volto a atenção para o movimento. Algumas mulheres, quase nuas, entram na boca. Ficam alguns minutos e depois saem, limpando a boca e ajeitando as roupas. A cena se repete tanto que nem choca mais. Esse lugar tem suas próprias regras.
Dá o horário do almoço, mas não sinto fome. Não quero sair dali, não quero parecer fraca ou insegura. Então continuo vendendo, ignorando qualquer necessidade minha.
Por um momento, sinto um peso no olhar. Como se alguém me observasse.
Levanto os olhos e vejo Lobo me encarando pela janela da sala. O olhar dele é indecifrável. Não sei se é curiosidade, desconfiança ou simplesmente o jeito dele de analisar tudo sem demonstrar nada.
Não desvio o olhar. Se ele tá esperando que eu baixe a cabeça, vai esperar sentado.
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Atualizado até capítulo 27
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