Lobo narrando
Cheguei em casa mais tarde, como sempre, depois de um dia pesado. O morro nunca para, e eu também não. As ruas exigem demais de quem comanda. Mas, quando finalmente entro em casa, a sensação de que o peso do mundo não tá mais sobre os meus ombros, só dura o tempo de eu me jogar no sofá. Ali, naquele silêncio, tudo o que eu queria era um pouco de paz.
Fiquei ali, com o cigarro na mão, a fumaça subindo lenta, e minha mente vagando, mas nada parece fazer sentido. O som da porta se abrindo foi o que me tirou da minha reflexão. Marcela. Ela entrou sem muito alarde, como sempre. Minha irmã tem esse jeito tranquilo, mas hoje ela parecia com algo na cabeça.
Ela não foi de rodeios.
— Irmão... preciso falar com você.
Apaguei o cigarro, olhei pra ela, esperando o que viria.
— Diz.
Ela respirou fundo e, quando falou, as palavras não vieram do jeito que eu esperava.
— Uma amiga pode morar aqui, com a gente? Até ela trabalha, tá passando por um momento difícil.
Aquilo me pegou de surpresa. Marcela nunca foi de pedir nada assim. Minha mente imediatamente se encheu de questionamentos, e uma sensação de desconforto cresceu em mim. Sabia que ela não tava pedindo por qualquer coisa, e o fato de ela ter falado com tanta urgência me deixou alerta.
— Arruma um barraco, Marcela. — A resposta saiu mais ríspida do que eu queria, mas não podia evitar. O morro não é lugar pra trazer qualquer um pra dentro de casa, e eu não sabia o que esperar dessa tal amiga dela.
Mas Marcela não desistiu. Ela se aproximou e, com aquele olhar de quem sabe que tá pedindo mais do que deveria, continuou.
— Por favor. Ela perdeu a avó, que criou ela... Por favor, Lobo, ela é de boa. E pensa, eu trabalho, você também, ela pode até ajudar.
Eu fiquei quieto por alguns segundos, observando a expressão dela. Não tinha como negar que, quando Marcela pedia alguma coisa, eu sabia que ela realmente precisava disso. Ela sempre foi essa pessoa que dá tudo por quem ama, e isso me tocava de um jeito que eu não conseguia explicar.
Respirei fundo. A última coisa que eu queria era arranjar confusão por causa de alguém novo entrando em casa, mas o que eu sabia é que, se minha irmã tava pedindo isso, era porque a situação era séria.
Olhei pra ela, com a mente ainda turbilhonando, e falei, com a voz baixa e firme, como sempre faço.
— Se essa menina... — Eu fiz uma pausa, tentando entender se era isso mesmo que eu queria fazer. — Eu vou deixar. Tá na tua responsabilidade.
Marcela não hesitou. Ela sabia que, uma vez que eu falasse algo assim, não tinha mais volta. Ela sorriu com um misto de alívio e gratidão, e isso me fez pensar no quanto a vida dela tem mudado desde que voltou pro morro. Ela se envolveu com esse lugar de um jeito que eu não esperava. E agora, com essa tal amiga, eu não sabia o que esperar. Mas, de uma coisa eu tinha certeza: se alguma coisa desse errado, a responsabilidade era dela.
Ela me olhou, o sorriso ainda nos lábios, e antes de sair, disse apenas:
— Obrigada, irmão. Você não sabe o quanto isso significa pra mim.
Fiquei ali, no sofá, com o coração pesando mais do que o normal. Não era só sobre a tal amiga. Era sobre como a Marcela, mesmo com toda sua doçura, estava me pedindo algo que eu nunca pensei que ouviria. E, de alguma forma, ela sempre conseguia tirar de mim o que eu nunca queria dar.
O que quer que fosse que estivesse por vir, não estava sob meu controle. E isso, de algum modo, me deixava inquieto.
Eu não sou de perder tempo. Terminei o que tinha que fazer, escovei os dentes e fui pro quarto. O cansaço batia forte, mas a cabeça não parava de trabalhar. A última coisa que eu queria era pensar na tal amiga da Marcela, mas parecia que o universo tava insistindo pra que eu fizesse isso. Deitei, tentei me desligar do morro, das responsabilidades, de tudo. Mas, como sempre, nada me dava sossego.
Acordei cedo, como de costume. O sol ainda nem tinha batido forte, mas eu já tava de pé, pronto pra mais um dia. Tomei um banho rápido, vesti a roupa simples que me permitia passar despercebido — um jeans e uma camisa preta, sem nada chamativo. O Alemão não é lugar pra ostentação. Se você chama atenção demais, a morte vem buscar.
Saí de casa sem comer nada. Não era hora de perder tempo com comida, a boca tava pedindo presença. Cheguei lá e a cena era a de sempre. Todo mundo se mexendo rápido, o corre acontecendo, e eu ali, no comando, como sempre. LK chegou logo em seguida. Aquele cara nunca se atrasa, e eu não esperava nada diferente.
A carga de armamento tava chegando, a droga também. Tudo certo. O fluxo tinha que continuar sem falhas, e se tem uma coisa que eu faço bem, é manter tudo no lugar. No meu morro, não tem erro.
Almoçamos na lanchonete mesmo. O dia tava quente e a rotina, repetitiva. Leandro, um dos rapazes da área, já chegou com aquela cara de quem tem algo na cabeça.
— E aí, patrão, a mulher do momento... tá esperando lá fora.
Ri sem graça. Eu sabia o que ele tava insinuando. Tava na cara.
— Manda ela passar mais tarde na boca — falei, tentando desviar de qualquer conversa desnecessária.
As horas passaram. Quando o relógio bateu umas 15h, o som do rádio cortou o silêncio. O rádio chiou, e a voz de um dos meus homens fez o sangue gelar.
— Visão, patrão. Tem uma mulher aqui, chorando e pedindo pra eu chamar a Marcela.
Eu passei a mão na cabeça, fechando os olhos por um segundo. Era ela. A tal amiga da Marcela. Eu sabia que não ia demorar muito até que ela aparecesse, mas agora que estava na minha frente, a coisa parecia ainda mais real.
— Tô indo aí — respondi, e, com a cabeça cheia de pensamentos, comecei a me dirigir até o local.
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Atualizado até capítulo 27
Comments
Thaliaa Vieira
xii, oque será que aconteceu com essa tal amiga?
2025-02-27
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