o primeiro contato não foi bom não

Lobo narrando

Continuação

Cheguei e vi a cena. Ela tava encolhida perto do portão, abraçando as próprias pernas, os olhos vermelhos, o rosto lavado em lágrimas. O peito subia e descia rápido, como se tivesse acabado de correr de alguma coisa.

Apertei o maxilar. O que eu ia fazer com isso?

Me aproximei devagar, parando bem na frente dela.

— Levanta.

Ela ergueu o olhar, os olhos castanhos marejados encontrando os meus. Havia algo ali, algo quebrado. Mas eu não era de me deixar levar por fragilidade.

— Você é a amiga da Marcela? — perguntei direto.

Ela assentiu, fungando.

— E o que tá fazendo aqui desse jeito?

Ela tentou falar, mas a voz embargou.

— Responde — minha voz saiu mais firme.

— Eu... eu não tenho mais ninguém.

O silêncio pesou entre nós.

Suspirei, passando a mão na nuca. Por que Marcela sempre me metia nessas merdas?

Olhei pro vapor ao lado.

— Chama a Marcela. Agora.

Enquanto esperava, olhei de novo pra ela

O silêncio pesava entre nós. Eu já sabia que essa garota ia ficar na nossa casa, Marcela já tinha me avisado. Mas agora, vendo ela de perto, algo me chamou atenção. Ela é bem bonita. Mais do que eu esperava.

O vapor correu pra chamar minha irmã, e eu fiquei ali, observando a garota. Ela parecia deslocada, os olhos vermelhos de tanto chorar.

— Nome. — exigi, sem rodeios.

Ela demorou um segundo, a voz saindo fraca:

— Sofia.

Suspirei. O nome não me dizia nada, mas o rosto dela... esse, eu ia lembrar.

Antes que eu soltasse outra pergunta, passos apressados cortaram o ar. Marcela chegou ofegante, os olhos cheios de preocupação.

— Sofia! — ela correu, puxando a garota pra um abraço.

Cruzei os braços, vendo minha irmã proteger a menina como se fosse uma cria. Me incomodava ver Marcela assim. Esse mundo não era pra gente frágil.

— Vamos pra casa. — disse, virando as costas e já caminhando.

Marcela segurou Sofia pelo braço e a puxou junto. O vapor olhou pra mim, esperando uma ordem, mas só balancei a cabeça, indicando que não precisava se preocupar.

No caminho, Sofia ficou em silêncio. Eu sentia seu olhar sobre mim de vez em quando, mas não dei muita atenção.

Chegamos em casa, e indiquei um dos quartos.

— Pode ficar ali. Mas aqui não é hotel. Tem que se virar.

Sofia apenas assentiu, ainda sem palavras. Marcela sorriu agradecida e puxou a amiga para dentro.

Encostei na parede e acendi um cigarro. Agora era esperar pra ver se essa garota realmente aguentava morar no meu morro. Porque aqui, ou cê sobrevive... ou cê morre.

E eu ia descobrir logo qual era o caso dela.

Tomei uma dose e fui para o escritório daqui de casa, mandei mensagem para Marcela.

-- manda tua amiga descer, quero ela no meu escritório pra já.--- logo a mensagem é visualizada.

Meu olho corre para o relógio. Já é tarde, e o movimento no morro não para. O dia segue sua rotina, o tráfico não dá trégua, mas, de alguma forma, a presença daquela garota me deixou com a cabeça mais cheia do que o normal. Não gosto disso. Eu sou do tipo que controla, que não perde a linha. Mas toda vez que penso na Sofia, alguma coisa no meu estômago dá um nó.

A porta se abre, e ela entra. Não é mais a mesma menina chorando. Agora ela tá com o semblante mais sério, mas ainda assim, aquele ar de vulnerabilidade não sai. Eu sei que ela precisa de algo mais. Mas o quê? Não é só uma questão de ajudar, de dar abrigo. Tem mais por trás dessa história, e eu não sou idiota. Eu sei que existe algo ali, algo que ela não está me contando.

-- Pode sentar. -- digo, apontando para a cadeira à minha frente.

Ela fica de pé por um segundo, parece hesitar, mas se senta. O silêncio entre a gente é pesado, mas não vou dar o primeiro passo. Não sou eu quem vai começar a perguntar. Se ela tem algo a dizer, que fale.

-- Marcela falou que você pode me ajudar... -- Sofia começa, mas a voz dela falha de novo. Eu não tenho paciência pra esse tipo de coisa.

-- Aqui, todo mundo ajuda quem precisa. Mas... -- eu paro, olho bem nos olhos dela, esperando que ela termine. -- O que você realmente quer, Sofia? O que espera de mim? Porque aqui não tem espaço pra histórias que eu não entendo.

Ela respira fundo, parece que as palavras vão sair mais difíceis agora. Mas tem algo nos olhos dela que me faz parar e observar. Ela não está pedindo só abrigo, está pedindo algo mais. E isso eu não posso ignorar.

Ela senta, e o silêncio entre a gente cresce, como um peso que parece não sair. Eu não sou de perder tempo com conversa fiada, muito menos com gente que chega com essa história de precisar de ajuda. Não tô pra ficar ouvindo drama.

-- Marcela disse que você perdeu a avó. E daí? -- falo, cortante, sem nem pensar nas palavras. -- Todo mundo aqui já perdeu alguém, não é motivo pra ficar com essa cara de coitada. Eu não tô aqui pra dar colo.

Ela me olha, os olhos marejados de novo, e aquilo só me irrita mais. Eu não tenho paciência pra esse tipo de fragilidade. E, por mais que eu sinta uma pontada de arrependimento por ter sido tão ríspido, não deixo isso transparecer. Meu controle sobre as emoções sempre foi mais forte que qualquer impulso.

-- Então, você quer o quê? -- pergunto, já com a voz mais alta, mostrando minha frustração. -- Vem aqui, chora um pouco, depois sai pedindo mais? Vai procurar outro lugar pra isso. O morro não é lugar pra quem não tem estrutura pra lidar com a vida.

Ela engole seco, como se estivesse tentando se segurar. Eu vejo que ela quer falar algo, mas, na verdade, eu não me importo. Se ela não tem coragem de se impor, esse lugar não é pra ela. Não é pra ninguém fraco.

Mas, antes que eu consiga continuar, algo estranho acontece. Um estalo dentro de mim, como se uma parte de mim quisesse desistir de ser tão duro, de não dar espaço pra isso. Mas a outra parte, a que manda aqui, não pode deixar isso transparecer. Eu não sou alguém que abre exceções, nem por uma mulher bonita, nem por ninguém.

-- Ou você aprende a se comportar ou vai ter que vazar daqui, Sofia. Eu não sou seu amigo, e não vou ser. -- minhas palavras saem mais agressivas, e por um segundo, me arrependo. Mas o arrependimento dura apenas um segundo, e logo volto a ser o que sou. Frio. Impiedoso.

Ela parece não saber o que dizer. Só me olha, como se estivesse processando tudo. E eu, por dentro, sinto aquele desconforto crescente, mas não vou ceder. Não sou eu quem muda por causa de ninguém

Ela tá me olhando de igual pra igual, como se tivesse coragem de me enfrentar. Isso me faz rir por dentro.

-- Você acha que pode falar assim comigo? -- ela diz

Ela ergue o queixo. Eu vejo no olhar dela a mesma dor que já vi em muita gente antes de tombar. Só que, ao invés de recuar, ela segura firme.

-- E você acha que pode me tratar como se eu fosse um nada? -- ela responde no mesmo tom. -- Eu não vim aqui implorar nada pra você, Se minha presença te incomoda, fala logo. Mas se for pra ficar nesse joguinho de querer me humilhar, eu já passei por coisa pior.

Eu sorrio de canto. Então ela tem brio. Isso pode ser um problema.

-- Você não faz ideia de onde tá se metendo, garotinha. -- dou um passo mais perto, pra sentir se ela vai ceder. Mas ela continua firme. Interessante.

-- E você acha que eu tenho escolha? -- ela rebate. -- Você pode ser o dono desse morro, mas não é dono da minha vida. Eu não quero tua piedade. Só quero um lugar pra ficar.

Eu solto uma risada seca.

-- Piedade? -- cuspo no chão. -- Aqui não existe isso. Se quer ficar, vai ter que valer alguma coisa. Aqui ninguém sobrevive sem fazer por merecer.

Ela cruza os braços agora, me desafiando.

-- Então o que você quer?

Eu olho pra ela, medindo as palavras. O sangue dela pode até ferver agora, mas quero ver até onde vai essa coragem.

-- Vai vender droga pra mim. -- digo, seco. -- Se quer ficar aqui, vai trabalhar pra mim. Sem reclamação, sem pergunta.

Ela estreita os olhos, avaliando minha proposta. Sei que ela não tem escolha. Mas espero a resposta mesmo assim, só pra ver até onde vai essa valentia.

-- Eu faço. -- ela diz, sem hesitar. -- Mas não pense que eu sou mais uma das tuas peças. Eu faço o que for preciso pra sobreviver, mas não sou tua marionete.

Eu solto um sorriso cínico.

-- Todo mundo acha isso no começo.

Ela não responde, só segura minha mira. Eu não sinto nada por ninguém. Não sinto pena, não me apego, e muito menos confio. Sofia pode até achar que tá entrando no jogo por conta própria, mas eu sei como essa merda funciona. Ela vai aprender. Do jeito certo.

-- Vai procurar Marcela, amanhã você começa , com as instruções. -- digo, dispensando ela com um movimento de cabeça.

Ela hesita por um segundo, mas depois se vira e sai, sem olhar pra trás. Eu fico ali, vendo a cena, sem sentimento nenhum. Ela pode ser bonita, corajosa ela também é.

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