Marcela de volta

Marcela narrando

Depois de anos de estudos e noites sem dormir, finalmente alcancei o que tanto sonhei: sou médica. Mas, mais do que isso, sou filha do Alemão. Foi lá que eu nasci, cresci, e onde aprendi o que é lutar de verdade. E agora, é hora de voltar pra casa.

Sei que muita gente não entende. 'Por que voltar pro morro?' Já me perguntaram isso tantas vezes que até perdi a conta. Mas minha resposta é sempre a mesma: foi lá que meus pais deram tudo de si pra me criar, pra me dar a chance de ter um futuro. E agora é meu turno de retribuir.

Meu irmão, o Lobo, tá lá cuidando de tudo. Ele é duro, frio, mas eu sei que no fundo ele só quer proteger o que a gente tem. Ele carrega o peso de todo o morro nas costas, e eu vou estar do lado dele, do meu jeito. Não com armas, mas com o que aprendi na medicina.

Vou ser a nova médica do posto de saúde. Ajudar as mães que cuidam dos filhos sozinhas, os idosos que carregam a história do morro nas costas, e as crianças que merecem crescer com esperança. É isso que eu quero. Porque, apesar de tudo, eu amo esse lugar. Amo o Alemão, amo as pessoas, e sei que, de alguma forma, posso fazer a diferença.

Voltar pro morro foi como voltar no tempo. Cada esquina, cada viela, cada rosto conhecido. A sensação era de que nada tinha mudado, mas ao mesmo tempo, tudo parecia diferente. Talvez porque agora eu enxergasse com outros olhos, com a responsabilidade de fazer algo por essas pessoas.

Minha primeira parada foi o posto de saúde. Era simples, pequeno, mas lotado de gente precisando de atendimento. O enfermeiro, Jonas, me recebeu com um sorriso caloroso.

— Doutora Marcela, é uma honra ter você aqui. Esse lugar precisava de alguém como você faz tempo.

— É bom estar de volta, Jonas — respondi, tentando ignorar o peso da expectativa nos olhos dele.

Passei a tarde atendendo. Casos simples, outros mais complicados. Mas o que mais me marcou foi uma senhora que entrou com o neto no colo, uma criança magrinha, com os olhos fundos. Ela mal tinha forças pra falar.

— Ele tá com febre há dias, doutora. Eu tentei, mas não tinha dinheiro pro remédio... — disse, com a voz embargada.

Aquilo me atingiu como um soco. Fiz o que pude, mas saí do consultório com o coração apertado.

No fim do dia, subi pro QG pra ver o Lobo. Ele tava lá, cercado pelos homens dele, com o LK ao lado. Quando me viu, levantou e veio até mim.

— Como foi o primeiro dia? — perguntou, com aquele tom sério de sempre.

— Foi difícil, mas bom. Muito trabalho pela frente.

Ele assentiu, mas ficou em silêncio. Conheço meu irmão. Ele não gosta de mostrar, mas sei que tá orgulhoso.

De noite, olhando pela janela do meu quarto, senti aquele misto de cansaço e esperança. Voltar pro morro não ia ser fácil, mas era aqui que eu pertencia. Era aqui que eu ia fazer a diferença.

( ... )

Depois de tanto tempo fora, não esperava que o passado voltasse com tanta força. Mas foi só olhar pro LK no QG que as lembranças vieram. Ele tava lá, do lado do meu irmão, com aquele jeito despreocupado, o sorriso meio debochado que eu conhecia tão bem.

O LK foi meu primeiro beijo. Éramos só adolescentes, mas, na época, achei que aquilo significava algo. Talvez pra mim tenha significado mais do que pra ele. Não demorou muito pra ele mostrar que a vida de compromisso não era o que ele queria. LK escolheu o caminho dele, cheio de 'cachorrada', como ele mesmo gosta de dizer.

Hoje eu olho pra ele e vejo o mesmo garoto de antes, mas ao mesmo tempo tão diferente. Ele é o braço direito do meu irmão, e sei que o Lobo confia nele mais do que em qualquer outra pessoa. Mas comigo? É complicado.

Quando nossos olhares se cruzaram, senti ele me medir de cima a baixo, como se quisesse confirmar que era mesmo eu ali. E, claro, ele não perdeu a oportunidade.

— Doutora Marcela, o morro ganhou um reforço, hein? — disse, com aquele sorriso que ele sabia que mexia comigo.

— E você continua o mesmo, LK. Só espero que não arrume problemas pra mim — respondi, sem deixar transparecer nada.

Ele riu, daquele jeito que só ele sabe. Eu devia ignorar, seguir em frente. Mas algo nele ainda me intriga, como se o LK fosse um pedaço do meu passado que eu ainda não consegui deixar pra trás.

No quarto, deitada, deixei os pensamentos correrem soltos. O dia tinha sido longo, mas o peso parecia ainda maior agora, no silêncio da noite. Cada detalhe voltava à minha mente. Lobo... meu irmão sempre foi fechado, duro como pedra. Nunca arrumou ninguém. Eu sei que ele carrega mais coisas do que mostra. O morro é responsabilidade dele, e isso o tornou assim: frio.

Mas não consigo deixar de me perguntar... ele vai viver assim pra sempre? No fundo, desejo que ele encontre algo ou alguém que o faça enxergar além desse mundo. Só que, conhecendo o Lobo, sei que ele nunca vai admitir que precisa de qualquer coisa.

Meus pensamentos se perdem, mas logo voltam pra criança que atendi hoje. Aquele olhar frágil, as mãos da avó tremendo enquanto falava. Não consigo esquecer. Algo dentro de mim grita que eu preciso fazer mais. Só dar a receita e os conselhos não é suficiente.

Levantei da cama, mesmo com o corpo cansado. Fui até a janela e olhei pra rua. O morro ainda tinha vida. Algumas casas com luzes acesas, vozes ao longe, um rádio tocando alguma música melancólica. Aquilo era a essência do Alemão: um lugar cheio de dor e luta, mas também cheio de vida e amor.

Voltei pra cama, mas o sono não vinha. Eu sabia que a partir de amanhã tinha que fazer algo diferente. Aquela criança precisava de ajuda, e eu ia dar um jeito, custasse o que custasse. No meu coração, eu já tinha decidido: eu não vim pra cá só pra ser médica. Eu vim pra ser uma esperança.

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Comments

Marlene Araujo

Marlene Araujo

mas capítulo por favor

2025-02-12

1

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