A manhã seguinte começou com a governanta me entregando uma lista detalhada dos horários e das rotinas de Matheu. Tudo era meticulosamente planejado: hora do banho, refeições, brincadeiras e cochilos. Enquanto lia, percebi o quanto Luigi tentava compensar a ausência de uma mãe com uma estrutura perfeita para o filho.
Cada momento do dia do menino era programado com uma precisão quase absurda, como se ele fosse um executivo em miniatura e não uma criança de apenas um ano.
06h30: Acordar. Luzes acesas no quarto em intensidade gradual para simular o nascer do sol.
07h00: Café da manhã. Papinha feita com ingredientes rigorosamente orgânicos, preparada no dia anterior e armazenada em recipientes específicos, etiquetados por data e horário.
07h30: Sessão de "estímulos cognitivos". Cartões coloridos com números e letras eram apresentados enquanto uma música instrumental suave tocava ao fundo.
08h00: Cochilo de 30 minutos. A governanta frisou: "Nem um minuto a mais."
08h45: Atividade física. Andador em um tapete interativo com texturas e sons educativos.
09h15: Hora de leitura. Livros selecionados pelo próprio Luigi, com histórias simples e ilustrações que evitavam cores muito brilhantes para "não sobrecarregar os sentidos."
10h00: Lanche da manhã. Purê de frutas, com tempo cronometrado para evitar "distrações desnecessárias".
E assim seguia o dia: banho meticulosamente agendado, brincadeiras organizadas por categorias, alimentação sob regras rígidas de horários e proporções. A cada novo item da lista, eu balançava a cabeça, surpresa.
Não havia margem para flexibilidade, como se a espontaneidade fosse uma ameaça à ordem cuidadosamente construída por Luigi.
Enquanto lia aquela programação no meu segundo dia, senti um nó na garganta.
Entendia que ele queria o melhor para Matheu, mas essa rotina tão controlada não deixava espaço para ele ser apenas um bebê. Sorri levemente enquanto olhava para o pequeno, que brincava despreocupado com um brinquedo de argolas coloridas.
"Isso é insustentável", pensei.
Decidi que seguiria a lista por enquanto, mas algo em mim dizia que precisava ajustá-la para tornar a vida de Matheu mais leve.
Logo cedo, enquanto servia o café da manhã do pequeno, algo em mim tomou coragem. Não foi uma decisão impulsiva, mas sim fruto de observar Matheu e perceber o quanto ele precisava de momentos mais descontraídos.
— Ele precisa rir mais — concluí, enquanto ajustava o babador dele.
Após o café da manhã, ignorei a "sessão de estímulos cognitivos". Ao invés disso, coloquei Matheu no colo e fui para o jardim da casa. Mostrei-lhe as flores, os pássaros e deixei que sentisse o vento no rosto. Ele riu alto quando uma borboleta passou voando perto.
Era um risco, eu sabia disso. Se Luigi descobrisse, poderia não aceitar bem a mudança. Mas, no fundo, sentia que era o certo a fazer.
— Vamos, Matheu. Hoje você vai ter um dia diferente — sussurrei enquanto ele me olhava com curiosidade.
Embora ainda estivesse conhecendo Luigi e suas regras rígidas, algo me dizia que, se eu conseguisse conquistar a confiança dele aos poucos, poderia mostrar que nem tudo precisava ser tão calculado. Afinal, uma infância feliz não se baseia em horários perfeitos, mas em momentos genuínos de alegria.
Lembrei das falas da governanta e senti uma pitada de medo:
— O senhor Bellini é muito rígido com a rotina — alertou a governanta. — Não tolera atrasos ou mudanças sem aviso.
— Entendido. Farei o meu melhor — respondi, determinada a não seguir tudo à risca.
Carregando Matheu no colo enquanto voltava para dentro, fui até a cozinha para organizar sua próxima refeição. O espaço era impecável, como todo o resto da casa. Equipamentos modernos brilhavam sob a luz suave, e a organização beirava a perfeição. Apesar disso, o ambiente parecia frio, como se fosse feito para ser funcional, mas não acolhedor.
Preparei a comida de Matheu e olhei para sua cadeirinha de alimentação, que estava no canto. Peguei-a e levei até a grande mesa de jantar, posicionando-a ali.
— O que está fazendo? — perguntou a governanta, aparecendo na porta.
— Achei que seria bom que Matheu fizesse as refeições aqui, com mais proximidade. Não há problema, certo? — perguntei, buscando sua aprovação.
Ela hesitou por um momento, mas depois assentiu.
— Não há problema, mas o senhor Bellini raramente janta aqui. Ele prefere comer em seu escritório ou fora de casa.
— Tudo bem. Quero criar um espaço em que Matheu se sinta confortável e parte de algo maior — expliquei, colocando o pequeno na cadeirinha enquanto ele me observava com seus grandes olhos curiosos.
Naquele momento, enquanto alimentava Matheu, ouvi passos ecoando no corredor. Olhei para cima e vi Luigi parado na entrada da sala de jantar. Seus olhos escuros analisavam a cena diante dele: eu, sentada ao lado do filho, segurando uma colher e brincando para que ele comesse mais uma garfada. Havia algo em seu olhar que me fez parar. Não era raiva, como eu temi por um instante, mas algo mais profundo.
Ele ficou ali, imóvel, como se estivesse vendo algo que o abalasse.
Percebi que a figura de uma mulher cuidando de Matheu na mesa de jantar talvez tivesse lhe trazido lembranças.
— Senhor Bellini — comecei, hesitante. — Se preferir, posso levá-lo para o quarto.
Ele balançou a cabeça lentamente.
— Não. Está tudo bem.
Surpresa, continuei a alimentar Matheu, mas agora com a sensação constante de ser observada. Luigi caminhou até a mesa e se sentou em uma das cadeiras, mantendo os olhos no filho.
— Papá! — balbuciou Matheu, sorrindo ao ver o pai.
O coração de Luigi pareceu vacilar por um instante, e vi um leve sorriso surgir em seus lábios antes de desaparecer tão rápido quanto veio. Ele pegou um guardanapo e limpou o rosto de Matheu, que tinha manchas de comida.
— Está gostando? — perguntou Luigi, sua voz suave, mas ainda carregada de uma formalidade distante.
Matheu riu em resposta, estendendo os bracinhos para o pai. Luigi o pegou no colo, e por um breve instante, vi um lampejo de ternura que ele tentava esconder.
Fiquei em silêncio, mas minha mente trabalhava freneticamente. Era como se Luigi estivesse travando uma batalha interna, tentando decidir se permitiria que essas cenas o tocassem ou se se protegeria atrás de sua muralha de indiferença.
Depois que Matheu terminou de comer, sugeri:
— Posso levá-lo para o quarto, se quiser.
Luigi balançou a cabeça.
— Não precisa. Ficamos aqui mais um pouco.
O silêncio se instalou na mesa. Eu tentava agir com naturalidade, mas sabia que Luigi estava me observando, analisando cada gesto, talvez tentando entender por que eu estava ali e por que Matheu parecia tão à vontade comigo.
Quando finalmente subimos para o quarto colocaria ele para o cochilo pós-almoço, Matheu já estava sonolento. Enquanto o colocava no berço, agradeci a Deus em silêncio por mais um dia em que as coisas haviam dado certo. Algo me dizia que, naquela mesa, Luigi Bellini teve seu primeiro vislumbre de algo que poderia quebrar as sombras em que vivia.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 62
Comments
Maria Helena Macedo e Silva
criando um futuro homem infeliz e insensível ao próximo... como dar o que não tem, pois se houvesse amor entre eles , criaria o filho com, em e para o amor consigo e outros.
2025-04-06
2
Adriana Martins da Silva
é bem complicado, algumas pessoas passam por provações e alguns se fortalecem, outros desistem e passam acreditar que não existe deus.
2025-04-03
1
leyde
não véi,fala sério,uma criança de um ano, acordar às 6:30 isso é hilário kkkkk p n dizer,sem sentido e ridícula a decisão
2025-04-04
0