Nos bastidores da formatura.

...Léo....

Com a formatura se próximando, resolvi pesquisar sobre a faculdade Rainbow. Já estava sendo obrigado a estudar lá.  Pelo menos não ia no escuro. Depois da aula, fui para o meu quarto, tirei os tênis, jogando-os em qualquer lugar e sentei na frente do computador. Enquanto ele ligava, meus pensamentos eram: Por que não fugir?

O sol da tarde entrava pela janela, e eu ouvi o suave farfalhar das folhas do jardim bem cuidado lá fora tentava me acalmar. Mas eu não caia naquela ilusão. A resposta veio como um tiro: Otávio iria retaliar o meu pai. Ele era um homem de palavra. E mesmo que fugisse para onde eu iria? Polo Norte? Mas nem sabia acender uma fogueira, morreria de frio.

A cadeira rangeu atrás de mim quando me movi, o computador ligou com um bip soturno, como se estivesse julgando minhas intenções. A luz azulada da tela refletia no meu rosto enquanto eu digitava com dedos hesitantes:

Faculdade Rainbow Abradaque.

O primeiro resultado foi um site tão colorido que doía nos olhos. Logotipo arco-íris, fotos de alunos sorridentes abraçados, e um slogan em letras cursivas:

"Onde você pode ser quem realmente é!"

— Que mentira desgraçada,— murmurei.— Eu serei exatamente quem NÃO sou.

Rolei a página, e uma seção chamada "Nossos Fundadores" apareceu:

Samuel Sales, bilionário bissexual, ex-CEO da Solaris Tech.

Trevon Moreira, herdeiro gay da Moreira Beverages.

 E então, no final da lista: Dizia que faculdade contava com vários colaboradores ricos,e o principal sócio era ninguém menos do que

Otávio Albuquerque.

Meu estômago embrulhou. Era como se o nome dele queimasse na tela, um lembrete de que eu nunca escaparia.

 Um vídeo autoplay começou, mostrando o campus: Prédios modernos com paredes pintadas de bandeiras LGBTQIA+. Alunos de mãos dadas, rindo em mesas de piquenique.

Uma placa na entrada: "Proibido Discriminação!"

— Meu pai teria um infarto —, pensei, ironicamente. Se ele visse isso, gritaria que era "doutrinação gay".

Fui para a aba "Cursos", e uma frase saltou aos olhos:

Todos os alunos devem cursar 'Diversidade e Sociedade' no primeiro ano."

Um suor frio escorreu pelas minhas costas.

— Vão me obrigar a aprender sobre coisas que meu pai chama de 'pecado'?

 Fechei o navegador como se estivesse fechando um caixão. No reflexo da tela escura, meu rosto parecia pálido, quase doente.

— Polo Norte está começando a parecer uma boa ideia, — brinquei comigo mesmo, sabendo que nem mesmo o Ártico me salvaria de Otávio.

Me joguei na cama. O colchão gemeu com o meu peso, mas o conforto era ilusório. A dor de cabeça latejava, como uma martelada constante no meu crânio. Era como se algo estivesse pressionando minha testa, uma pressão crescente que me deixava tonto. Peguei o remédio, a cápsula fria entre os dedos, engoli com gole de água e fechei os olhos.

A semana passou como um piscar de olhos. Quando percebi ja era sexta - feira,dia da  formatura. Passei o dia desanimado, sentado na frente da TV com um pote de sorvete. A colher se arrastava pelo fundo com um som suave e metálico e eu me perguntava como  tudo tinha chegando a esse ponto.

Terminei o sorvete, deixando o pote vazio. O som do plástico amassando ecoou pela sala quando joguei a embalagem fora. Subi as escadas em passos arrastados, cada degrau rangendo sob meu peso, como se a casa também sentisse o peso da minha apatia. Era como um réu indo para a cadeira elétrica. Todo o meu esforço nos estudos até ali parecia em vão.

Já no quarto, abri a porta lentamente, o clique da maçaneta ecoando pelo silêncio. Fui direto para o banheiro, o som da água começando a cair no chuveiro enchendo o espaço com uma melodia constante, quase reconfortante. Entrei no box, e a água quente escorria pelo meu corpo. Fechei os olhos, inclinando a cabeça para frente, deixando a água bater na nuca enquanto o vapor preenchia o ambiente.

Depois de terminar o banho, enxuguei-me e segui até o espelho. O vapor ainda borrava o vidro, mas limpei com a palma da mão, revelando meu reflexo. "Nem reconheço meu rosto", pensei, encarando aquele par de olhos sem brilho que me devolvia o olhar. Não que meu rosto tivesse mudado; as feições estavam as mesmas, mas agora era apenas uma casca vazia.

Abri o armário e escolhi uma roupa para vestir. Algo escuro, prático, porque nada parecia combinar mais com a vida que eu tinha agora. O tecido deslizou pela minha pele, frio e indiferente, tão distante de qualquer conforto emocional. O som do zíper ecoou enquanto fechava a jaqueta, e o clique do cinto pareceu um fim de sentença.

Meu pai entrou no quarto, o som da porta abrindo interrompeu meu silêncio me olhou perguntando :

— O que foi filho?

— O que foi? Você ainda tem coragem de me perguntar? Pois irei te responder: é porque você é um preconceituoso dos infernos! — gritei, a raiva queimando em cada palavra. — Tive que aceitar aquele acordo ou estaremos na rua pedindo esmola!

—  Filho, mas eu só falei a verdade, ele é um ...

— Pai, nem termina essa frase! Você vai me levar na formatura ou não?

— Vou, mas não quero aqueles dois garotos que se namoram perto de você.

— Que inferno!— soltei pegando  minha carteira, onde havia apenas algumas notas amassadas. —  Se for para falar bosta, nem  precisa ir. Desfaz dos caras  só porque ambos têm barba na cara e se beijam. Olha, você deveria vir para este século!

— Espera, Leo!— ele disse, mas eu já estava indo.

Fechei a porta com força, o som ecoando pela casa com dedos trêmulos, abri o aplicativo e chamei um Uber.

Após o que pareceram eternos cinco minutos, ouvi o carro parando na frente de casa. O ronco do motor desligando foi quase um alívio, como se marcasse o fim daquele momento tenso. Entrei no carro, fechei a porta com um leve clique e respirei fundo.

O motorista me perguntou o destino, e respondi sem muito entusiasmo. Durante o trajeto, o som da cidade se misturava ao barulho baixo do rádio no carro. Quer saber de uma coisa? Vou pegar meu diploma, tirar fotos com meus amigos e, depois, comer um lanche com o Ruan.

Enquanto olhava pela janela, tentei me distrair com os pensamentos. Como vou para outra cidade por causa da faculdade, não verei ele até o fim do semestre. Um pouco de normalidade antes desse caos era tudo o que precisava.

O salão, lembrava um castelo. Suas torres elegantes e as paredes de pedra iluminadas por holofotes criavam um ambiente digno de contos de fadas.

Assim que desci do carro, o vento frio da noite soprou, bagunçando um pouco o meu cabelo. O som dos meus passos ecoou no chão de paralelepípedos enquanto me aproximava da entrada. Fui recebido pelo professor Isael, de história, que estava na entrada, distribuindo as becas com um sorriso acolhedor.

— Boa noite, professor.

— Boa noite, Leonardo — respondeu , apertando minha mão com firmeza e me entregando a beca.

O tecido macio deslizou entre meus dedos enquanto a segurava. A luz amarelada da entrada refletia nos óculos do professor, lhe dando um ar quase paternal.

No salão, o ambiente era imponente. As cadeiras,estavam forradas em veludo verde, dispostas em fileiras perfeitamente alinhadas. O lustre de cristal, lançanva reflexos brilhantes e

grande tapete vermelho atravessava o corredor central, convidando os alunos a caminharem até o palco.

Eu vi o Ruan, e ele já estava de beca. Ele estava perto do palco, mexendo no celular. Quando levantou a cabeça e me viu, abriu um sorriso enorme, tão típico dele, que parecia iluminar tudo ao redor.

Aproximei-me vestindo a beca e ajustava o capelo. O tecido era quente e um tanto incômodo, mas era parte do ritual.

— E aí, Leo? Animado para terminar  este capítulo?— questionou Ruan, com aquele sorriso típico de quem sempre via o lado positivo das coisas.

Ele não carregava o peso do mundo nas costas como eu, e, por um instante, senti até uma ponta de inveja da leveza com que lidava com tudo. Mas logo afastei esse pensamento e forcei um sorriso discreto.

— Nem me fale...

Ruan riu e acrescentou, numa tentativa de me animar:

— Estou doido pra conhecer universitárias gatas e curtir as festas!

— Só você mesmo, né? Mas não esquece de estudar também, tá? — disse, tentando me distrair.

— E você, hein? Tenta se divertir na sua "faculdade misteriosa" —  respondeu, piscando de forma brincalhona.

Antes que pudesse responder, a diretora subiu ao palco. Usando um vestido azul celeste. Sua voz firme ecoou pelo ambiente:

— Alunos, por favor, ocupem seus lugares. Vamos dar início à cerimônia de encerramento do ano letivo.

Eu e Ruan nos sentamos em uma das fileiras de cadeiras . O típico discurso de fim de ciclo começou, recheado de palavras de incentivo.

"Vocês são capazes de tudo." Era o que ela dizia, mas minha mente rebateu de imediato: "Eu não sou nem capaz de estudar onde realmente quero."

Quando finalmente meu nome foi anunciado - Leonardo Montenegro - senti um frio na barriga. Levantei-me, tentando parecer confiante, e caminhei pelo tapete vermelho até o palco. O som abafado dos aplausos parecia distante, como se estivesse preso em uma bolha de ansiedade.

Ao pegar o diploma, ergui os olhos e, para minha surpresa, vi  meu pai ao fundo do salão em pé, com um sorriso orgulhoso. Isso me pegou de surpresa. Depois da discussão em casa, tinha certeza de que não viria.

Desci do palco e mal tive tempo de respirar antes que algumas colegas se aproximassem.

— Leo, o garoto mais gato do colégio! Tira uma foto com a gente?—  pediram animadas.

— Claro,meninas.

Enquanto posávamos para as fotos, olhei de relance para meu pai. Ele parecia estar muito satisfeito ao me ver cercado por garotas, o que só aumentou meu desconforto. Revirei os olhos discretamente antes de posar para uma quinze fotos, no mínimo.

Quando as meninas se dispersaram, Stevam e Lucas , que estavam de mãos dadas, se aproximaram. Notei a expressão de descontentamento no rosto do meu pai ao fundo.

— Oi, Leo! Tira uma foto com a gente também? Queremos guardar uma lembrança desse último ano.— Stevam, pediu com um sorriso tímido.

— Claro que tiro.

— Sério? Mas seu pai tá ali. Achei que ele não gostasse de nois dois ...—

disse Stevam, hesitante.

— Ele que se vire. É só uma foto, não vai arrancar pedaço.

Eles sorriram, aliviados, e tiramos a foto juntos. Mas eu sabia que aquilo não acabaria ali. Quando fui ao encontro do meu pai, ele já estava pronto para começar.

— Por que você tirou foto com aquelas coisas?—  disparou, com a voz baixa, mas cheia de reprovação.

— Para pai! Já estou cansado de ouvir isso .

Ele tentou justificar, mas eu não dei chance:

—  Essa é a última coisa que faço por você. Vou pra faculdade cumprir os anos que prometi ao Otávio, e depois você se vira.

— Leonardo, eu sou seu pai. Me respeite ta bom?

— Não é falta de respeito, pai. Eu te amo. Mas você precisa mudar. Esse preconceito virou um peso que eu não tô afim de carregar. Você sempre disse que eu ia ser atacado pelos caras gays, mas, na verdade, quem mais me ataca é você.

Falei tudo de uma vez, a voz embargada de raiva e tristeza. Ele ficou completamente sem reação, sem saber o que dizer. Quando abriu a boca para retrucar, levantei a mão, pedindo silêncio.

— Pai, eu só preciso de um tempo. Queria que você pensasse sobre tudo isso. Hoje vou ficar com o Ruan. Esses últimos dias aqui são importantes, e se você continuar agindo assim, nossa despedida pode não ser tão legal quanto poderia ser.

Virei-me e me afastei antes que respondesse. O nó na garganta era grande, mas sabia que precisava falar. Meu pai precisava mudar, e eu só podia torcer para que ele entendesse antes que fosse tarde demais.

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Comments

Erica Diniz

Erica Diniz

Acho que já li esse livro em algum lugar. 🤔

2025-04-12

1

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