Nos bastidores da formatura.

...Léo....

Com a formatura próxima, resolvi pesquisar sobre a faculdade Rainbow. Já estava sendo obrigado a estudar lá.  Pelo menos não ia no escuro. Depois da aula, fui para o meu quarto, tirei os tênis, jogando-os em qualquer lugar e sentei-me na frente do computador. Enquanto ele ligava, meus pensamentos eram: Por que não fugir?

O sol da tarde entrava pela janela, e eu ouvi o suave farfalhar das folhas do jardim bem cuidado lá fora. Olhei um pouco através dela, vendo o cenário tranquilo e até bonito do pátio. O som do vento sussurrando entre os galhos parecia distante, quase como um sussurro de tranquilidade, mas não me enganava.

A resposta veio como um tiro: Otávio iria retalhar meu pai. Ele era um homem de palavra. Fora isso, para onde eu iria? Talvez só no Polo Norte ele me deixasse em paz. Mas eu nem sabia acender uma fogueira, morreria de frio.

A cadeira rangeu atrás de mim quando me movi, e com um suspiro, voltei a olhar para o computador, a tela agora iluminando meu rosto.

As informações sobre a faculdade Rainbow estavam claras na minha frente. Fundada em 2012 por Samuel Sales, um bilionário bissexual, e Trevon Moreira, um gay de igual riqueza. Localizada na cidade de Abradaque , a faculdade contava com vários colaboradores ricos, e o principal sócio era Otávio Albuquerque.

Segundo relatos, foi criada para proteger a comunidade LGBTQIA+ do preconceito velado no ambiente escolar, permitindo aprendizado sem ser julgado por quem você ama ou é. Além do currículo normal com todas as possibilidades que existem em outras faculdades, também oferecia artes, esportes, música, entre outros.

Depois daquela pequena informação, me deitei na cama, olhando para o teto branco. A luminária pendurada no centro capturou minha atenção por um momento, mas logo minha mente voltou para a confusão de pensamentos que não conseguia afastar. Fechei os olhos, o colchão fez aquele barulho característico, afundando levemente com o meu peso. Era como um abraço acolhedor que me envolvia, mas sem conforto real, só cansaço.

A dor de cabeça latejava, como uma martelada constante no meu crânio. Era como se algo estivesse pressionando minha testa, uma pressão crescente que me deixava tonto. Os olhos estavam pesados,  podia sentir a pulsação nas têmporas, uma sensação pulsante e irritante, como se minha cabeça fosse explodir a qualquer momento. Respirei fundo, tentando ignorar, mas o estresse parecia escorrer para cada canto do meu corpo. Peguei o remédio, a cápsula fria entre os dedos, e tomei a água rapidamente, a sensação refrescante contrastando com a dor.

Fechei as cortinas, o som delas se movendo suave, mas com uma leve resistência. Me joguei novamente na cama, afundando minha cabeça no travesseiro, tentando encontrar algum alívio.

A semana passou como um piscar de olhos. Depois da minha pesquisa, parecia que fui dormir na segunda-feira e só acordei na sexta, porque tudo tinha sido uma névoa na minha mente, como se, mesmo acordado, ainda estivesse dormindo. Já não tinha aula desde quarta-feira, por causa da formatura, que seria hoje às 19h. Passei o dia desanimado. Era minha formatura, mas estava profundamente deprimido, sentado na frente da TV com um pote de sorvete. A colher se arrastava pelo fundo com um som suave e metálico. O sorvete, doce e gelado, parecia tão distante da minha vida, como se aquele momento de prazer fosse uma fuga temporária de uma realidade amarga. A postura desleixada em que me encontrava, com os ombros caídos e os pés descalços espalhados pelo sofá, só refletia como me sentia por dentro.

Terminei o sorvete, deixando o pote vazio na mesa por alguns segundos, como se isso pudesse atrasar o inevitável. O som do plástico amassando ecoou pela sala quando joguei a embalagem fora. Subi as escadas em passos arrastados, cada degrau rangendo sob meu peso, como se a casa também sentisse o peso da minha apatia. Era como um réu indo para a cadeira elétrica. Todo o meu esforço nos estudos até ali parecia em vão.

Já no quarto, abri a porta lentamente, o clique da maçaneta ecoando pelo silêncio do ambiente. Fui direto para o banheiro, o som da água começando a cair no chuveiro enchendo o espaço com uma melodia constante, quase reconfortante. Entrei no box, e a água quente escorria pelo meu corpo. Fechei os olhos, inclinando a cabeça para frente, deixando a água bater na nuca enquanto o vapor preenchia o ambiente.

Depois de terminar o banho, enxuguei-me e segui até o espelho. O vapor ainda borrava o vidro, mas limpei com a palma da mão, revelando meu reflexo. "Nem reconheço meu rosto", pensei, encarando aquele par de olhos sem brilho que me devolvia o olhar. Não que meu rosto tivesse mudado; as feições estavam as mesmas, mas agora era apenas uma casca vazia.

Abri o armário e escolhi uma roupa para vestir. Algo escuro, prático, porque nada parecia combinar mais com a vida que eu tinha agora. O tecido deslizou pela minha pele, frio e indiferente, tão distante de qualquer conforto emocional. O som do zíper ecoou enquanto fechava a jaqueta, e o clique do cinto pareceu um fim de sentença. Estava pronto para o que viesse, mesmo que isso significasse continuar carregando o peso daquela farsa.

Meu pai entrou no quarto, o som da porta abrindo interrompeu meu silêncio me olhou perguntando :

— Que cara é essa, filho?

— Por que você é um preconceituoso dos infernos? — gritei, a raiva queimando em cada palavra.—

Tive que aceitar aquele acordo ou estaremos na rua pedindo esmola.

—  Filho, mas é verdade, ele é um ...

— Nem completa essa sua fala preconceituosa, pai! Você vai me levar lá na formatura ou não?

— Vou, mas não quero aqueles dois garotos que se namoram perto de você.

— Que inferno!— falei, olhando diretamente para ele, tentando conter a vontade de gritar mais. Peguei minha carteira, onde havia apenas algumas notas amassadas. —  Se for para falar bosta, nem vá. Desfaz dos caras  só porque ambos têm barba na cara e se beijam. Olha, você deveria vir para este século, pai!

— Espera, Leo!— ele disse, mas eu já estava indo embora.

Passei pela porta com passos pesados, meus tênis rangendo contra o piso. Fechei a porta com força, o som ecoando pela casa. Meu pai ficou lá, parado, mas eu não olhei para trás. Peguei meu celular no bolso e, com dedos trêmulos, abri o aplicativo para chamar um Uber.

Enquanto esperava, o silêncio do ambiente era quebrado apenas pelos toques rápidos na tela do celular e pelo som abafado dos passos do meu pai, que ainda parecia hesitar atrás da porta. Ignorei.

Após o que pareceram eternos cinco minutos, ouvi o carro parando na frente de casa. O ronco do motor desligando foi quase um alívio, como se marcasse o fim daquele momento tenso. Entrei no carro, fechei a porta com um leve clique e respirei fundo.

O motorista me perguntou o destino, e respondi sem muito entusiasmo. Durante o trajeto, o som da cidade se misturava ao barulho baixo do rádio no carro. Sabe de uma coisa? Vou pegar meu diploma, tirar fotos com meus amigos e, depois, comer um lanche com o Ruan.

Enquanto olhava pela janela, tentei me distrair com os pensamentos. Como vou para outra cidade por causa da faculdade, não verei ele até o fim do semestre. Um pouco de normalidade antes desse caos era tudo o que precisava.

Cheguei ao salão, um dos mais bonitos da cidade. Não era pelo luxo exagerado, mas pela arquitetura antiga que lembrava um castelo. Suas torres elegantes e as paredes de pedra iluminadas por holofotes criavam um ambiente digno de contos de fadas.

Assim que desci do carro, o vento frio da noite soprou, bagunçando um pouco o meu cabelo.O som dos meus passos ecoou no chão de paralelepípedos enquanto me aproximava da entrada.Fui recebido pelo professor Isael, de história, que estava na entrada, distribuindo as becas com um sorriso acolhedor.

— Boa noite, professor —  cumprimentei, tentando parecer mais animado do que realmente estava.

— Boa noite, Leonardo — respondeu ele, apertando minha mão com firmeza e me entregando a beca cuidadosamente dobrada.

O tecido macio deslizou entre meus dedos enquanto a segurava. A luz amarelada da entrada refletia nos óculos do professor, lhe dando um ar quase paternal.

Entrei no salão, e a primeira coisa que notei foi o cheiro de madeira encerada e flores frescas. As cadeiras,estavam forradas em veludo verde, dispostas em fileiras perfeitamente alinhadas, formando um caminho que levava até o palco. Acima de tudo,  tinha um lustre enorme de cristal  que pendia do teto abobadado, lançando reflexos brilhantes por todo ambiente.

Um grande tapete vermelho atravessava o corredor central, convidando os alunos a caminharem até o palco, onde cada um receberia seu diploma. O som abafado de vozes preenchia o espaço enquanto os formandos e convidados se acomodavam.

Logo avistei Ruan, já com a beca vestida e o capelo ajustado. Ele estava perto do palco, mexendo no celular. Quando levantou a cabeça e me viu, abriu um sorriso enorme, tão típico dele, que parecia iluminar tudo ao redor. Aquele sorriso era um alívio no meio de tanta tensão.

Segurei a beca com mais força, respirando fundo antes de ir em sua direção. Pelo menos naquele momento, eu tinha alguém com quem contar.

Aproximei-me enquanto vestindo a beca e ajustava o capelo. O tecido era quente e um tanto incômodo, mas era parte do ritual.

— E aí, Leo? Animado por encerrar este capítulo?— questionou Ruan, com aquele sorriso típico de quem sempre via o lado positivo das coisas.

Ele não carregava o peso do mundo nas costas como eu, e, por um instante, senti até uma ponta de inveja da leveza com que lidava com tudo. Mas logo afastei esse pensamento e forcei um sorriso discreto.

— Nem me fale... —  murmurei, desviando o olhar.

Ruan riu e acrescentou, numa tentativa de me animar:

— Estou doido pra conhecer universitárias gatas e curtir as festas!

— Só você mesmo, viu? Mas tenta estudar também, hein?—  retruquei, buscando mudar o foco.

— E você, hein? Tenta se divertir na sua "faculdade misteriosa" —  respondeu, piscando de forma brincalhona.

Antes que eu pudesse responder, a diretora subiu ao palco. Usando um vestido azul celeste elegante, que contrastava perfeitamente com a iluminação suave do salão. Sua voz firme ecoou pelo ambiente:

— Alunos, por favor, ocupem seus lugares. Vamos dar início à cerimônia de encerramento do ano letivo.

Eu e Ruan nos sentamos em uma das fileiras de cadeiras . O típico discurso de fim de ciclo começou, recheado de palavras de incentivo que soavam vazias para mim.

"Vocês são capazes de tudo." Era o que ela dizia, mas minha mente rebateu de imediato: "Eu não sou nem capaz de estudar onde realmente quero."

Quando finalmente meu nome foi anunciado - Leonardo Montenegro - senti um frio na barriga. Levantei-me, tentando parecer confiante, e caminhei pelo tapete vermelho até o palco. O som abafado dos aplausos parecia distante, como se estivesse preso em uma bolha de ansiedade.

Ao pegar o diploma, ergui os olhos e, para minha surpresa, avistei meu pai ao fundo do salão. Ele estava em pé, com um sorriso orgulhoso. Aquilo me pegou de surpresa. Depois da discussão em casa, tinha certeza de que ele não viria.

Desci do palco e mal tive tempo de respirar antes que algumas colegas se aproximassem.

— Leo, o garoto mais gato do colégio! Tira uma foto com a gente?—  pediram animadas.

— Claro, meninas.

Enquanto posávamos para as fotos, olhei de relance para meu pai. Ele parecia estar muito satisfeito ao me ver cercado por garotas, o que só aumentou meu desconforto. Revirei os olhos discretamente antes de posar para uma quinze fotos, no mínimo.

Quando as meninas se dispersaram, Stevam e Lucas , que estavam de mãos dadas, se aproximaram. Notei a expressão de descontentamento no rosto do meu pai ao fundo.

— Oi, Leo! Tira uma foto com a gente também? Queremos guardar uma lembrança desse último ano.—

pediu Stevam, com um sorriso tímido.

— Claro que tiro — afirmei sem hesitar.

— Sério? Mas seu pai tá ali. Achei que ele não gostasse de nois dois ...—

disse Stevam, hesitante.

— AEle que se vire. É só uma foto, não vai arrancar pedaço.

Eles sorriram, aliviados, e tiramos a foto juntos. Mas eu sabia que aquilo não acabaria ali. Quando fui ao encontro do meu pai, ele já estava pronto para começar.

— Por que você tirou foto com aquelas coisas?—  disparou, com a voz baixa, mas cheia de reprovação.

— Para com isso, pai!—  resmunguei , exasperado. — Já estou cansado de ouvir isso .

Ele tentou justificar, mas eu não dei chance:

—  Essa é a última coisa que faço por você. Vou pra faculdade cumprir os anos que prometi ao Otávio, e depois você se vira.

— Leonardo, eu sou seu pai. Me respeite!— ele rebateu, a voz carregada de autoridade.

— Eu amo você, pai. Mas você precisa mudar. Esse preconceito virou uma doença, e eu não vou carregar isso comigo. Você sempre me enfiou na cabeça que eu seria atacado pelos caras gays, mas é você quem mais me ataca.

Falei tudo de uma vez, a voz embargada de raiva e tristeza. Ele ficou em choque, sem palavras. Quando abriu a boca para retrucar, levantei a mão, pedindo silêncio.

— Eu só quero espaço, pai. Quero que você pense sobre tudo isso. Vou ficar com o Ruan hoje e volto pra casa à noite. Esses são meus últimos dias aqui, e se você continuar assim, talvez nossa despedida não seja tão boa quanto poderia.

Virei-me e me afastei antes que ele respondesse. Apesar do nó na garganta, senti que precisava falar aquilo. Meu pai precisava mudar, e eu só podia torcer para que ele entendesse antes que fosse tarde demais.

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