...Léo ...
Naquela, mal consegui dormir. Fiquei imaginando o Lyan me dando uma surra ou, pior, me pendurando num poste da faculdade só de cueca pra todo mundo rir. Só de pensar nesse tipo de pesadelo, minha espinha gelava. Passei a noite inteira deitado, tentando prever mil formas dele se vingar de mim e bolando estratégias pra virar um ninja e não ser visto. Por volta das três da manhã, olhei pro relógio digital ao lado da cama.
Quando finalmente peguei no sono, parece que passou um minuto e o despertador já começou a tocar. Desliguei com um movimento irritado.
— Mas que inferno de vida! — resmunguei.
Levantei contrariado, minha cabeça parecia que ia explodir, e tropecei umas duas vezes tentando chegar no banheiro. Meus olhos mal abriam.Estava no modo zumbi total, parecia que minha alma tinha ficado na cama. Só um banho gelado pra resolver. Tiro a roupa que usei ontem a camisa surrada e uma cueca box . Fico pelado com dificuldades quase caindo de sono e entrei no chuveiro.
— Caralho, tá congelando! Que merda! — gritei quando a água bateu contra meu corpo como uma facada o choque com água gelada me acordando.
Mudei a temperatura pra morna, respirando fundo enquanto a água escorria. Mas minha cabeça não parava.
Depois do banho, me vesti com meu “disfarce” de nerd feioso — termo que já me apelidaram por aqui. Quando saí do quarto, encontrei o Nathan já arrumado, vestindo calça jeans e uma camisa polo branca. Ele estava na cozinha, preparando café de novo.
— Bom dia, Nathan. O que você tá fazendo hoje? — indaguei, me jogando na banqueta vermelha da cozinha. — Sério, posso ajudar com as compras, já que você manda bem na cozinha e também lavo a louça.
— Bom dia, Leo. Estou fazendo omelete. Você, é um colega de apartamento, bem calmo; meu antigo não era tão tranquilo. E sobre as divisões de tarefas, podemos ajustar com o tempo. Fora que, no mínimo, tem quatro lanchonetes neste campus.
— Quatro lanchonetes? Que exagero! Vi que a faculdade é enorme, mas pra que tudo isso? E seu antigo colega do colegial era baguageiro, é isso? — comentei, pegando o suco de laranja que ele tinha feito começando a beber.
— Conforto, né? — Ele deu de ombros, virando o omelete na frigideira. — Não, ele não era bagunceiro, batia punheta o tempo todo, em qualquer lugar. Era estranho ver isso sempre.
— Credo, que nojo — comento com uma leve careta, dando mais um gole no suco.
— Nojo por quê, Leo? Você não bate punheta também?
— Idiota! Não na frente dos outros, né, Nathan — defendo meu ponto em um tom incrédulo. — Podemos mudar de assunto? Esse é meio vergonhoso.
— Claro, vamos fazer algo melhor. Bora comer.
Nathan colocou o omelete na travessa e se sentou, pegando também umas salsichas fritas. Eu só consegui comer um pedaço do omelete. A comida estava boa, mas minha cabeça tava longe. O Lyan não saía dos meus pensamentos. Olhei pro Nathan, tão tranquilo comendo, e não pude evitar pensar:
"Por que não o conheci antes? Talvez eu tivesse beijado ele no lugar do Lyan... ou Nathan teria me avisado que a iniciação era uma cilada."
Deixei o garfo na mesa e fui pro quarto pegar minha mochila e escovar os dentes. Minha vida parecia um filme de terror ultimamente. Só faltava uma casa assombrada pra completar o pacote.
Quando voltei pra cozinha, vi Nathan levando o prato para,pia.
— Deixa aí, cara. Como já falei , lavo louça depois. Relaxa.
— Beleza. A máquina lava -louças tá ali no canto, só jogar tudo lá. Vou pegar minha mochila e calçar o tênis. Dá pra irmos juntos. Que matéria você escolheu? Às vezes é um pavilhão perto — perguntou enquanto sumia no quarto.
— Belas artes Pintura em aquarela. Sempre curti exposições, quero ver se levo jeito. E você? — expliquei enquanto colocava as vasilhas na lava-louça.
— Teatro musical. Meu pavilhão é um antes do seu, dá pra gente ir junto.
Demorou uns cinco minutos e voltou com a mochila, tênis azul-marinho e um perfume cítrico que tomou conta do ambiente.
— Vamos, Nathan ? Tomou banho ou caiu num balde de perfume?
— Mais ou menos. — Ele riu, e eu verifiquei a porta duas vezes pra ter certeza de que estava trancada. Medo de deixar aberta.
Enquanto caminhávamos pelo campus, Nathan deu um encontrão leve no meu ombro . Ele me passa aquela sensação que poucas vezes, na vida, acontece de quando você encontra alguém é tem certeza que será seu melhor amigo.
— Você tá bem mesmo, né, Leo? — Nathan perguntou, me lançando um olhar de relance.
— Melhor que nunca — respondi,mordendo o lábio inferior e,de relance olho Nathan , com uma segurança digna de um vencedor do Oscar. Pelo jeito que me olhou, parecia que acreditou. Ou não. Já que não tocou no assunto delicado: Lyan Sales.
Enquanto caminhávamos pelos corredores do campus, percebi alguns murmúrios no ar. Os olhares sobre mim eram inevitáveis. Eu era agora o "nerd feioso ladrão de beijos" — uma atenção que definitivamente não queria. Meu disfarce de passar despercebido não estava funcionando, e a culpa era do maldito diretor . Mas, pelo menos até agora, ninguém veio falar nada diretamente.
Na minha mente, eu tentava lembrar exatamente como o Lyan era, caso precisasse identificar e evitar ele de longe. A única coisa que vinha à cabeça eram seus olhos verdes escuros e a jaqueta de couro preta que ele usava. Mal prestei atenção no resto do rosto dele, porque aqueles olhos... me hipnotizaram por um instante.
Pensei em perguntar pro Nathan se ele tinha uma foto do Lyan, mas logo descartei. Ele também era novato e só sabia as fofocas que estavam espalhadas por aí. Minha única opção era ficar atento a qualquer pessoa com olhos verdes e uma aura de "quero te matar". Esse seria ele.
Nathan interrompeu minha paranoia com sua voz calma:
— Cara, você precisa relaxar. Talvez ele nem faça nada. Como eu disse, esses caras só querem ser adorados. Às vezes, essa fama é só boato.
— Você tem razão... — murmurei, mas logo mudei de assunto, tentando me distrair. — E aí, como acha que vai ser sua aula?
— Sei lá. Só tô empolgado, pra ser sincero. Falaram que os professores daqui são incríveis. Mas, perto do pessoal, acho que não tô no mesmo nível, sabe? Tipo, minhas experiências foram umas apresentações de escola, nada muito grande. Esse povo aqui tem grana, deve ter feito curso de teatro desde o berço.
Queria compartilhar do entusiasmo dele, mas meu humor não acompanhava. Apesar de ter escolhido uma matéria que realmente adorava, não conseguia me empolgar. Pintar sempre foi minha verdadeira paixão, a única atividade que fazia por mim mesmo. Administração era o desejo do meu pai, até considerei seguir esse caminho. No entanto, decidi que, se fosse para investir esses anos, deveria ser em algo que me trouxesse alguma realização.
Depois de um tempo perdido nesses pensamentos, falei algo pra tentar animá-lo:
— Cara, talento supera qualquer aula paga. Mostra do que você é capaz. Isso é seu dom, Nathan.
— Você é bom de conselhos, sabia? — disse ele, parando na ala dele. — Sua sala é logo ali na frente. A gente se vê no almoço, tá bom?
— Quando é pros outros, eu sou ótimo. Tipo aquela frase: “casa de ferreiro, espeto de pau”. Esse sou eu. — Respondi, acenando.
Nathan riu da minha comparação, se afastando enquanto balançava a cabeça. Fiquei ali, um tempo observando-o ir, com um sorriso leve. Pelo menos, com ele, parecia que as coisas iam ficar um pouco mais fáceis.
Assim que entrei na minha ala, um pensamento me dominava: "Se encontrar o Lyan, mesmo seja mesmo que meu último dia na face da Terra, vou reagir. Afinal, sou homem. Não um fragote,se for para morrer, será com um mínimo de dignidade."
A porta da sala tinha um cartaz que dizia: "Bem-vindos, alunos de artes." Era reconfortante, mas minha tensão não diminuía. Então ouvi uma voz grave atrás de mim:
— Ei.
Parei no lugar, congelado. Não era a voz do Lyan... ou era?
Olhei para trás, mas não vi ninguém que se encaixasse na descrição. Será que estou ouvindo coisas?
Quando me virei de volta para frente, esbarrei em alguém e dei um passo para trás, quase tropeçando.
— Porra, não te vi aí. Foi mal. Mas também, você surgiu de Nárnia, cara.
Levantei os olhos, analisando rápido. Olhos azuis ,não verdes. Ótimo. Não era o Lyan. Além disso, ele não parecia o tipo de cara que queria me derrubar e me transformar em piada pública.
— Você tá bem? — perguntou , me olhando com uma preocupação sincera.
Não respondi. Apenas segui meu caminho sem ousadia de me estender na conversa. Mas, ao me afastar, ouvi alguém comentar num sussurro alto:
— Oh, meu Deus, o nerd desprezou o Levi Malachias.
Minha vida não podia ficar pior. Entrei na sala com pressa, tentando me esconder do peso daquele comentário. Levi Malachias. O nome parecia ecoar. Era o tal rei copas que o Nathan tinha mencionado.
Sentei num lugar vazio no fundo da sala, tentando me acalmar. A sala já estava cheia de alunos e a energia era quase insuportável. Deitei a cabeça levemente na carteira, querendo bater nela com força. Primeiro, beijo um encrenqueiro que agora quer minha cabeça. Depois, ignoro o favorito de todo mundo.
— Para o mundo que eu quero descer — murmurei para mim mesmo.
Cinco minutos depois, o professor entrou. E foi aí que a surpresa me atingiu. Meus olhos se arregalaram de pura incredulidade.
Era ele. Alto, pele negra, cabelos tão escuros quanto a noite e olhos castanhos claros que pareciam carregar segredos. Um misto de choque e admiração tomou conta de mim. Eu reconhecia aquele homem.
Igor Sartore.
O pintor que eu amava. Um dos artistas mais famosos que já conheci. Alguns anos atrás, fui em uma exposição dele e passei semanas atormentando meu amigo Ruan com comentários sobre suas obras.
Ele se apresentou com um tom modesto que não fazia jus ao impacto que ele tinha na minha vida:
— Olá, turma. Sou Igor Sartore. Serei o professor este ano e vou ensinar as minhas técnicas. Espero que isso ajude vocês no mundo da arte.
Estava prestes a infartar. Meu modo fã estava ativo e funcionando a mil. Finalmente algo bom aconteceu. Obrigado, Senhor. Mas, claro, a vida nunca me dava algo sem cobrar.
Lembrei de um pequeno detalhe que jogou um balde de água fria na minha empolgação. Ele era filho do diretor, aquele mesmo infeliz que transformou meu primeiro dia em um inferno.
Minha felicidade morreu ali. Sobrou apenas Nathan como meu único ponto positivo naquela faculdade.
"Novamente, obrigado, Senhor," pensei, com sarcasmo. "Você lembrou de mim. Nem que seja de forma irônica."
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 52
Comments