Desvendando os quarto reis.

...Léo ....

Só acordei no outro dia depois da minha maldita iniciação. Me arrastei até o banheiro, ainda com a sensação do gosto do beijo em meus lábios, tomei banho e coloquei meu disfarce de nerd. O vapor quente do chuveiro ainda se dissipava pelo banheiro quando saí, secando o cabelo com a toalha. O som estridente do meu celular se fez pelo quarto. Peguei o aparelho. Era meu pai. Atendi, tentando pensar rapidamente.

— Você chegou bem, Leo? Foi atacado por alguma dessas abominações aí?

—  Cheguei, pai, tudo ótimo, não aconteceu nada — menti na maior cara lavada. Se falasse do beijo, era capaz dele morrer do coração. Ele continuou a ladainha de conselhos nada saudáveis e nada respeitosos sobre os caras da faculdade Rainbow. Só confirmei com um "aham" , tentando não lembrar do beijo de ontem, o qual queria esquecer, mas que, pelo visto, me assombraria por bom tempo. Depois de me despedir, desliguei o telefone e escutei uma batida suave na porta do quarto.

Abri a porta e dei de cara com um rapaz gordinho, mas de rosto bonito. Ele tinha olhos verdes-azulados que me fitavam com curiosidade. Era realmente um cara grande, não apenas na altura, mas também no porte físico.

—  Bom dia! Sou Nathan Servanres, seu colega de apartamento. Ouvi barulho e vim te cumprimentar —

ele deu um sorriso largo e estendeu a mão.

— Prazer, Leonardo Montenegro, mas pode me chamar de Leo — respondi, apertando sua mão.

Assim que soltamos as mãos, percebi que, por algum motivo, ele me lembrava meu melhor amigo, Ruan, talvez pela expressão tranquila.

— Fiz café da manhã pra gente. Podemos conversar um pouco, se você não se importar — perguntou, com as bochechas redondas meio vermelhas, como se tentasse não parecer nervoso.

— Por que não?— respondi, indo até a cozinha com ele. Olhei para a mesa e vi que tinha feito panquecas, café e ovos mexidos com bacon.

— Nossa, você cozinha? Só sei fazer pão com ovo e miojo.

— Sim, eu amo comer, deu pra notar. Sou gordo, então aprendi a cozinhar — ele encheu uma xícara de café fumegante e estendeu para mim.

— Obrigado — falei, pegando a xícara e sentindo o calor entre meus dedos, o vapor acariciando meu rosto. — Você é novato também ou é veterano?

—  Cheguei faz uns cinco dias, mas é meu primeiro ano aqui, igual ao seu.

— Hmm — murmurei, mordendo um pedaço da panqueca. A textura macia e a doçura da massa se misturaram perfeitamente com o sabor do xarope, e os ovos estavam levemente salgados, com o bacon crocante completando tudo. — Nossa, tá uma delícia! Você sabe como são os estudantes aqui?

— Fico feliz que você gostou— Nathan desviou o olhar por um momento, parecendo um pouco desconfortável. Pelo visto, em poucos dias ele já tinha passado por umas situações nada agradáveis. Até eu, que cheguei ontem, fui chamado de horroroso só por causa do meu disfarce.

— São legais...

Percebi que era uma mentira deslavada, mas ele parecia ser um cara tão gentil como aquilo era possível.

— Entendi.

Voltamos a comer em silêncio por um momento, apenas o som de nossos talheres se misturando ao sutil murmúrio dos alunos lá fora.

Aí ele disse me olhando.

— Sabe, acho que sou o mais pobre aqui. Cresci em uma casa humilde. Meu país não aceitaram minha sexualidade. Entrei aqui com a ajuda de um senhor que ia na cafeteria que trabalhava todos os dias e, nem sei como, ele fez isso por mim. Agora estou no lugar que sempre sonhei.

— Que barra com sua família. Ainda bem que realizou esse sonho

— respondi com sinceridade, notando a tensão nas suas palavras.

— Verdade. Achei que não ia sofrer preconceito aqui, por sermos todos iguais na questão da sexualidade. Só que... — Nathan disse, desviando o olhar, com a voz baixa e trêmula, como se cada palavra fosse um peso difícil de carregar.

—  Não é bem assim — respondi completando a fala dele.

Ele soltou um longo suspiro, e a dor quase saltava dos traços de seu rosto.

— Passei tanta coisa com minha família na infância, sendo rejeitado por ser gay, e agora, aqui, o problema é meu peso. É irônico, não acha, Leo?

— Olha, não liga pra isso, Nathan. Você merece ser feliz e vai conseguir — comentei com um leve sorriso.

— Sei que é difícil, mas não se deixe abater por algo tão pequeno comparado ao que você é de verdade. Seu valor não está no seu peso, mas no que você tem dentro de si.

—  Valeu, Leo e bom ouvir isso. E você? Como entrou aqui?

Cheguei a engasgar com o café, dando uma leve tosse, o líquido queimando a garganta. — Porque aqui tem vários contatos importantes. Fora que, assim que sair daqui, as portas de oportunidades são imensas, você sabe...

— Sim é verdade, os contatos são ótimos... Uma pergunta: você é o nerd que falaram ser o ladrão de beijos?

Nathan questiona , indo se sentar no grande sofá de couro marrom, cujos assentos amassam sob o peso, liberando o cheiro de madeira polida misturado com o aroma suave de café no ambiente.

"Será que meu beijojá virou um boato? Credo, como a fofoca corre rápido aqui. "Esses eram os meus pensamentos enquanto olhava para o sofá, os dedos inquietos brincando com a manga da camisa.

— Ladrão de beijos? Eu? Imagina! Nem sei do que você está falando.

— respondi, tentando esconder a estranheza no tom da minha voz enquanto me remexia no sofá, a seda da minha camisa levemente roçando no tecido áspero do sofá.

— Ah, Leo, então por acaso você não é o nerd novato que beijou o Coringa?

— Coringa? Que raios de apelido é esse? Ele é um cara engraçado, é isso?

— Nem de longe. Ele é meio complicado, suponho. Acho que vou ter que te explicar sobre os Quatro Reis da faculdade. — Ele cruzou os braços e se encostou mais no sofá.

— E tem isso na faculdade? Que vibe mais colegial é essa?— perguntei, arqueando as sobrancelhas.

— Tem, cara. Aqui nesta faculdade temos os cinco caras mais ricos e bonitos, com grande apelo sexual.Todos querem ser eles ou transar com eles .São os favoritos.

— Cada uma, hein? Então é só dinheiro e beleza? Só isso? — falei, tentando entender, as palavras saindo sem pensar muito, mas uma sensação de desconforto subindo pela minha espinha.

— Meio que é isso mesmo. Mas, sei lá, se alguém os conhece de verdade... São eles: James Vettel, André Lacerda, Levi Malachias, Lourenço Marques e Lyan Sales.

— Sales? Espera, esse não é o sobrenome de um dos fundadores da faculdade? — comentei , lembrando da minha pesquisa antes de vir para cá.

— Exatamente. Ele é filho do Samuel Sales. E, sim, é exatamente esse que você roubou o beijo. Mais conhecido como Coringa.— explicou, e pude sentir o tom de diversão na voz dele.

— Porra, isso tá cada vez pior. Mas qual é a do codinome, afinal? Os Quatro Reis? Tô boiando aqui.

— Perguntei, o suor começando a se acumular em minha nuca.

— Olha, pelo que sei, é porque os cinco entraram juntos no ano passado e fizeram um mega sucesso. O apelido veio disso, dado pelas pessoas que estudam aqui. É uma espécie de adoração, sabe? — Ele diz, e o som da sua voz parece se arrastar com um leve toque de cinismo.

— Isso não faz sentido. Adorar alguém só pela grana e beleza? Não concordo, sabe? Que coisa louca e superficial.

Ele deu uma leve risada, que soou amarga, como se uma parte dele também não concordasse com aquilo.

— Talvez não faça sentido para você, mas metade da faculdade discorda.

— Tá, continua sua explicação, então. Quero estar informado.— Acabei demonstrando interesse, mas só queria evitar esses cinco. Já me arrunei com o beijo em um deles, tá mais do que suficiente.

Nathan começou a falar, o som de sua voz mais suave agora, como se estivesse revelando um segredo.

— Vamos começar com o Rei de Copas, Levi Malachias. Ele é o mais bonito dos cinco, de acordo com informações superficiais. Fica com quem quer e só pela beleza.

— O segundo é Lourenço Marques, o mais rico. É chamado de Rei de Ouros. Ele é bilionário e fez sua riqueza sozinho, já administra vários negócios da família.

— Eita... — murmurei, sentindo o peso das palavras.— Ele tem quantos anos para já ser milionário?

— Se não me engano, uns vinte e dois, no máximo. — Respondeu Nathan, sua voz se tornando um pouco mais distante, como se estivesse lembrando de algo.

— Se é tão rico, para que estudar, afinal de contas? — questionei, achando que não fazia sentido.

— Conhecimento é poder, Leo. Fora as conexões que você faz aqui. Tem muita gente influente por trás desta faculdade.

—  Parando para pensar, faz mesmo sentido. Não basta ser podre de rico, tem que ter influência.

— Exatamente. O terceiro rei é o Rei de Espadas, James Vettel. Ele é um excelente jogador. Segundo o que ouvi, nunca perdeu um jogo sequer. Está sempre em primeiro lugar em tudo mas esse tem um namorado . O quarto é André Lacerda. Ele é o Rei de Paus, conhecido por ser herdeiro de uma grande família europeia. Também é reconhecido pela coragem e excelente liderança.

Olhei para Nathan , ansioso para que falasse logo sobre Lyan, o cara de quem roubei o beijo. Minha boca estava seca, e sentia um peso nos ombros.

Ele me olhou e deu uma risada de lado. — Por último, e não menos importante, está Lyan Sales, o Coringa. Ele é um...

Nathan fez uma pausa dramática, levantou-se do sofá como se fosse sair, olhou para mim e disse:

— Amanhã te conto. Cansei deste papo.

— Que não!— Falei, levantando em desespero puxando-o pelo braço. O pânico já tomava conta de mim, as batidas do meu coração ficando mais rápidas. — Não faz isso, por favor, cara!

Ele riu alto. O som ecoou pela sala do apartamento, mas para mim, parecia uma ameaça.

— Relaxa, cara. Tava só zoando.

Voltei a me sentar, cruzando os braços. A tensão que havia me consumido se dissipou lentamente.

— Não teve graça. — resmunguei baixinho.

— Ah, teve sim. Sua cara de desespero foi impagável. — Nathan ficou mais sério e continuou:

— Segundo os boatos, Lyan quase matou um cara no ano passado por ofendê-lo. Ele bateu no cara rindo. É o mais perigoso dos cinco. Os Quatro Reis não dão mole perto dele. Foi aí que ganhou o apelido. Se mexer com ele, tem que pagar. É o que dizem.

—Você acha que ele vai me retaliar pelo beijo? Um cara tão insignificante como eu? Foi só um beijo bobinho. Quer dizer... Olha para mim. Sou nada perto dele . É impossível que Lyan se importe. — Falei, tentando me convencer, mas , o sabor amargo da dúvida tomando conta de mim.

— Olha, eu acho que ele vai se vingar sim. Como? Não sei. Mas por que você fez isso, hein? Achou ele gato? Com tanta gente na faculdade, você tinha que ir logo no bad boy? — Nathan perguntou, o tom de sua voz agora mais sério.

— Não é isso! É tudo culpa daquela iniciação estúpida que o diretor fez. O tempo estava acabando e eu nem olhei para Lyan. Só beijei.

—Expliquei, sentindo uma onda de frustração.

— Que iniciação você tá falando, Leo? Não tem isso aqui, não, cara. — questionou com expressão confusa.

— Ué, Nathan, a iniciação que o Wilhian Sartore fez... Espera, não... Fui tapeado pelo diretor. Aff, que merda! — proferi, olhando para Nathan, que só balançava a cabeça.

"Ah,levei trote . Você espera isso dos alunos, não do diretor! Que inferno de vida. E o pior é que parece que foi só comigo. Deve ser por causa do acordo com Otávio." pensei, me jogando no sofá, frustrado.

— Você tá bem?—  Nathan perguntou.

— Define "bem". Fui trollado pelo diretor, beijei o valentão da escola e praticamente assinei meu atestado de óbito no primeiro dia aqui. Tá ótimo!

— Cara, você tá lascado e mal pago. Que azar. Por que o diretor fez isso com você é um mistério.

Até imaginava por quê. É por causa de todo o segredo que tô escondendo. Foi uma pequena vingança. Mas, depois disso tudo, é melhor eu me esconder ainda mais.

— Amanhã, serei furtivo nos corredores. Modo ninja: Leo ataca o objetivo principal amanhã será se esconder do massacre do Lyan. 

— Você está se preparando para o ataque, então?— Nathan perguntou, com um sorriso debochado.

— Exatamente. Modo ninja ativado. 

Nathan riu, mas havia algo de sério em seu olhar.

— Olha, Leo, não acho que fugir seja a melhor opção. Ele é um jovem complicado, mas, se você realmente fez aquilo sem querer, pode ser que Lyan nem se importe tanto assim. Às vezes, esses caras só... querem ser admirados, não derrotados, sabe?

Fiquei em silêncio por um momento, pensando nas palavras dele. Talvez estivesse exagerando.

— E o que mais você sabe sobre Lyan? Tem algo mais que eu deva temer? - Perguntei, voltando ao ponto inicial.

Nathan fez uma pausa, como se ponderasse o que dizer, antes de responder.

— Bom, não sou exatamente amigo dele, mas o que sei é que ele não gosta de ser desrespeitado. E o beijo... bem, isso já pode ser interpretado como um desafio, dependendo de como Lyan enxergar. Mas, ao mesmo tempo, ele é imprevisível. Ele pode te ignorar, ou pode te atacar de um jeito que você nem imagina. É isso que faz dele o Coringa. Ninguém sabe o que esperar.

Suspirei, frustrado, e olhei para a janela, como se esperasse que uma resposta surgisse dali. A ideia de ser tratado como uma peça de xadrez no jogo de Lyan não me agradava nem um pouco.

—  Que sorte a minha...

— Sério, Leo. Se for para se esconder, pelo menos faça isso com estilo. Modo ninja, você disse, né?— Nathan fez uma careta. — Não acho que Lyan vá dar muita atenção ao novato que mal consegue esconder o medo.

Levantei os olhos para ele, confuso por um segundo, até perceber que estava tentando me dar um empurrãozinho.

—  Ok, ok, vou tentar manter a calma. Mas só de pensar que fui fazer papel de bobo... -—  Suspirei novamente, frustrado.

—  Vai dar tudo certo, cara. Só lembra: se for para fugir, pelo menos faça isso com dignidade. Quem sabe um dia você e o Coringa se tornam amigos, não é?

—  Amigos? Com Lyan? —  Ri, balançando a cabeça.—  Isso é muito pedir.

Nathan apenas sorriu, e o som da risada dele ecoou no apartamento. Eu não sabia o que o futuro me reservava, mas uma coisa era certa: a faculdade estava longe de ser simples. E Lyan... bem, Lyan seria uma história à parte.

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