Verdade negadas.

...Léo ....

Nem acredito que Lyan me encontrou ontem. É surreal. E aquela frase dele... "Vou descobrir seus segredos." Não sai da minha cabeça, como um mantra sombrio. Quando vi seu rosto melhor , com aquele sorriso falso e descarado, percebi que ele realmente faz jus ao apelido: um verdadeiro Coringa.

Também notei que seus cabelos são pretos reluzentes, penteados para trás e raspados nas laterais. A barba por fazer, rala, lhe dá um ar rústico e misterioso. Ele também tem uma tatuagem no pescoço: um lobo tribal cercado por arames farpados e uma letra 'L' que segue o desenho. Enquanto ele falava comigo, senti-me atraído , ao mesmo tempo em que sentia repulsa por esse pensamento. Passei o fim de semana trancado no meu quarto. Burrice minha, porque Lyan sabe exatamente onde estou.

—  Droga — murmuro para o espelho, encarando meu reflexo. Queria pelo menos explorar um pouco de Abradaque, nem que fosse a parte perto da faculdade Rainbow, mas estou aqui, feito prisioneiro da minha própria paranoia.

Por quê? Pedi desculpas, expliquei o que aconteceu, e ainda assim ele não me deixa em paz por causa de um beijo? Será que deveria dizer que sou hétero? Isso resolveria? Meu Deus, tô ficando louco... tô discutindo com meu reflexo.

A voz de Nathan me interrompe, trazendo-me de volta à realidade:

— Vamos, Leo! Já estamos quase atrasados.

— Já vou! — respondo, sem muita paciência. Coloco a mão contra o espelho, como se pudesse me acalmar tocando o reflexo. — Relaxa, Leo, relaxa... — murmuro antes de sair do banheiro e voltar para o quarto.

Pego minha mochila rapidamente e saio. Não estou melhor. Minha expressão denuncia meu humor péssimo. Estou irritado, cansado, e, para piorar, com a mente presa em alguém que deveria esquecer.

Nathan me olha com sorriso largo e despreocupado: — Vish, cara, você tá com ódio de mim? Porque seu olhar tá assassino hoje.

Reviro os olhos, sem paciência:

— Não é com você. É essa situação toda... Você saiu e eu fiquei preso aqui.

Ele dá uma risada leve, carregada do bom humor de quem teve um fim de semana excelente:

— Leo, você tá na neura. Sério. O Lyan nem fez nada, e você tá aí se oprimindo sozinho. Relaxa, cara.

— Vamos logo — murmuro, já caminhando na frente, pisando duro.

Nathan fecha a porta com calma e corre um pouco para me alcançar, resmungando:

— Se isso não é estar bravo comigo, imagina se estivesse.

Dou uma olhada de canto para ele, tentando desviar a conversa:

—  Já disse que não tô bravo. Mas me conta, por que você tá com essa cara de quem viu passarinho verde? O que rolou no fim de semana?

Ele sorri ainda mais, o tipo de sorriso que ilumina o rosto inteiro:

— Vi mesmo, um passarinho lindo. Tô nas nuvens, cara. O dia tá maravilhoso , a vida tá perfeita.

Por um momento, fico surpreso com a fofura dele. Fofo? Não, espera aí... Que merda é essa?

Tento disfarçar o pensamento estranho com um sorriso fraco, que não chega a ser real.

— Isso deve ter sido algo incrível, não é? Você não me parece alguém que agiria assim.

Nathan fica levemente vermelho, desviando o olhar.

— Você ficaria surpreso com as coisas que esse rostinho angelical é capaz de fazer — então ele parece me analisar rapidamente. — Não foi nada demais.

—  Vou fingir que acredito — provoco, arqueando uma sobrancelha.

—  Esquece isso, Leo. —

respondeu, apressando o passo para mudar de assunto.

Estamos caminhando lado a lado quando, distraído, acabo esbarrando em alguém.

— Droga... Isso tá virando mania. Foi mal! — digo, olhando para a pessoa e sentindo um frio subir pela espinha.

— Você de novo?—  Levi Malachias fala, incrédulo, como se eu fosse algum tipo de piada cósmica.

Sem dizer mais nada, desvio dele e continuo andando, fingindo que nada aconteceu.

Nathan, no entanto, não perde a chance de me cutucar: — Cara, você sabe quem é esse, né?

— Sei, o Levi Malachias. E daí?

— "E daí"? Você nem se tremeu na frente dele? E aí, você é gay mesmo? Tô começando a desconfiar... Nem ficou impressionado com o cara!

Solto uma risada nervosa, sentindo meu estômago revirar. Merda. Não posso ser descoberto agora.

— Claro que sou, Nathan! O que estaria fazendo nessa faculdade se não fosse? Sou super gay, ok?

Nathan arqueia a sobrancelha, claramente desconfiado.

— Não parece, Léo. Você nem olhou o cara. Isso é estranho. Só cinco caras bonitos conseguem impactar todo mundo aqui, e você nem elogiou. Anda, desbuxa.

Sinto o pânico crescer. Preciso de uma saída, algo que faça sentido e pareça convincente. E antes que eu consiga pensar direito, falo alto demais:

— Lyan... Gosto do Lyan!

Foi o único nome que me veio à mente. Aqueles beijos roubados ... Só isso parecia plausível para sustentar minha mentira.

Nathan arregala os olhos, em choque, como se tivesse acabado de ouvir uma bomba explodir.

— O quê? Como é que é?

Dou uma risada nervosa, tentando parecer natural.

— Ué, por que o espanto? Só disse que gosto do Lyan Sales.

Nathan não responde. Em vez disso, aponta para trás de mim, com os olhos arregalados. Quando me viro, meu coração para. Lá está ele, Lyan, com um sorriso malicioso nos lábios, como se tivesse acabado de ganhar o melhor jogo de todos.

— Então, você gosta de mim? Interessante... Lembro que na sexta-feira você disse que não era seu tipo — ele diz, dando um passo à frente.

Recuo instintivamente, sentindo meu coração disparar. Não faço ideia do que ele vai fazer agora, e isso me assusta.

Sem pensar muito, agarro o braço de Nathan e murmuro:— Já tô indo!

Saio arrastando Nathan comigo, quase correndo pelo corredor. Atrás de nós, ouço a voz de Lyan ecoar:

— Covarde!

Só quando estamos bem longe percebo que ele não nos seguiu. Paro para recuperar o fôlego, ainda segurando o braço de Nathan. Estou explodindo por dentro, a raiva fervendo como lava. Não sei se estou mais irritado com Lyan ou comigo mesmo.

— Você tem ideia do que você me fez fazer? Isso é culpa sua, inferno! —  resmungo, puxando Nathan pelo braço com mais força do que deveria.

Ele me olha com a expressão mais confusa do mundo.

— Eu? O que eu fiz?

— Você me colocou no caminho dele, Nathan!— grito, apontando para trás, na direção de onde viemos. — Você não percebe o que tá acontecendo?

Nathan me encara por um momento, como se estivesse tentando juntar todas as peças na cabeça.

— Ah... Isso é sobre o Lyan, não é? —

ele pergunta, sua voz incrivelmente calma. — Você gosta dele, não gosta?

— Esquece isso. Vai pra sua aula, Nathan. É melhor assim.

Sem dar resposta, sigo em direção à minha aula. Quando chego, a sala de artes do professor Igor Sartore já começou. Ele é um ótimo professor. Suas explicações são claras, e seus métodos sempre nos inspiram. Na semana passada, fiz alguns esboços interessantes, e logo , começaremos uma pintura.

Mas, mesmo com tudo isso, minha mente está longe. Não consigo me concentrar. O rosto de Lyan continua pairando na minha cabeça, com aquele sorriso malicioso que me persegue como um fantasma.

Assim que a aula termina e os alunos começam a sair, o professor Igor se aproxima da minha mesa com um sorriso amigável.

— Leonardo, queria te parabenizar. Você está indo muito bem nas aulas, seus esboços têm um toque único.

— Nossa, obrigado, professor Igor! Fico feliz que esteja gostando.

Antes que ele possa dizer mais alguma coisa, um cara alto, de cabelos escuros e olhos brilhantes, aparece ao seu lado. Sem hesitar, o homem inclina-se e dá um beijo rápido nos lábios dele.

Congelo. Meu cérebro demora alguns segundos para processar o que acabou de acontecer. Sempre achei que o professor Igor fosse hétero - ele tem toda aquela energia de masculinidade confiante que faz até os caras héteros parecerem um pouco sem graça ao lado dele.

Igor percebe minha expressão e ri suavemente, sem parecer constrangido.

— Ah, Leonardo, este é meu namorado, James.

James sorri de forma calorosa, estendendo a mão para mim.

— Oi, Leonardo.É um prazer te conhecer. Igor fala bastante de seus  alunos talentosos.

Aperto sua mão, ainda meio atordoado.

— Ah, oi, James. O prazer é meu. Mas já vou indo, combinei de almoçar com o Nathan.

Igor acena com a cabeça, ainda sorrindo.

— Tudo bem, Leonardo. Aproveite o almoço e continue se dedicando.

Enquanto me afasto, dou uma última olhada e vejo os dois caminhando de mãos dadas pelo corredor. É uma cena tão natural, tão leve, que me faz sorrir sem perceber.

Por algum motivo, a imagem deles juntos traz um tipo de conforto. Talvez seja porque, mesmo com toda a confusão na minha vida, é bom saber que algumas pessoas têm a sorte de viver suas verdades de forma tão aberta e tranquila.

Com esses pensamentos, saio em busca de Nathan, esperando que o almoço seja uma distração bem-vinda.

...

...

Nos três dias seguintes, a semana segue seu ritmo, mas Lyan começa a me seguir como uma sombra. Onde quer que eu vá, lá está ele, sempre a uma distância, sempre observando. A única exceção é na minha sala de aula, onde, provavelmente, temos aulas nos mesmos horários.

Enquanto isso, fiz amizade com James ,Igor e Nathan estamos saindo bastante juntos para almoçar, e, de alguma forma, essa rotina tem me dado algum alívio.

Em um desses almoços na cantina, James, com um sorriso brincalhão, comenta:

— Quando conheci o Igor, ele insistia que era hétero. Mas não desisti, insisti até aceitar sair comigo.

Igor, rindo da própria história, completa:  — Você acredita que ele cantou "O Elefante Incomoda Muita Gente" até eu finalmente aceitar sair com ele? Foi uma tortura, mas funcionou.

Solto uma risada surpreso, tentando imaginar a cena.

— Sério? Como foi isso? Não parece com você, Igor.

Igor sorri, encolhendo os ombros de forma leve. — Foi a única maneira de me fazer ceder. Ele não me deu espaço para dizer não.

James me dá um sorriso, e então me pego pensando. As palavras deles ficam ecoando na minha cabeça, mas algo em mim desvia automaticamente para Lyan. Ele me persegue o tempo todo. Será que...?

Parei o pensamento imediatamente. . Não, isso não podia estar acontecendo. Não comigo. Gosto de mulheres, isso é uma certeza. Tento me convencer de algo que, nem sei mais se é verdade.

Me levanto rapidamente, tentando fugir da minha própria mente, e vou em direção ao banheiro. O peso da dúvida me aperta no peito. Seria uma ironia completa, ser gay, ainda mais com um pai homofóbico como o meu.

Tento não pensar mais nisso. Volto para a sala de aula e sento. Começo a desenhar, mas minha mente continua em outro lugar. O professor começa a percorrer os trabalhos, analisando um a um, até parar na minha tela. Ele examina a imagem por alguns segundos e, então, fala:

— Ué, Leonardo, eu pedi flores. Por que você pintou uma pessoa aqui?

Olho para a tela, confuso, e logo percebo o que ele quer dizer. Não é uma pessoa, mas... são dois olhos. E, ao olhar mais de perto, percebo que, sem querer, desenhei os olhos de Lyan. Mesmo sem pintar o rosto, era impossível negar. Era ele. Merda.

—  Sinto muito, professor. Eu... — tento explicar, mas as palavras falham. Como vou justificar os olhos do Lyan em lugar de flores?

— Tudo bem. Recomendo que recomece, Leonardo.— Ele sai sem esperar minha explicação, deixando-me sozinho com a tela. Suspiro pesadamente, olhando novamente para o desenho. O que deu em mim? Que porra.

Voltei a desenhar flores, tentando me concentrar no trabalho. Quando já estava na metade, a aula acabou.

Guardei minhas coisas rapidamente e, assim que saí da ala, lá estava ele: Lyan.

—  Você de novo? Que merda! Que saco! Chega! Vou te falar a verdade.

— Finalmente —  ele responde, com uma expressão quase de alívio, como se tivesse esperado por isso. — Isso merece até um lanche. Vem!

Ele fala tão animado, que parece até estranho ver alguém tão feliz por algo tão simples.

— Eu pago, então. Por minha conta —  respondo, tentando desviar a atenção do que realmente estava acontecendo.

— Perfeito! Um segredo, bom café e de graça? Que ótimo dia o meu!— disse , me puxando em direção a uma cafeteria.

Assim que nos sentamos, ele se recosta na cadeira, junta as mãos e se inclina para frente, parecendo estar ansioso para ouvir o que eu tinha a dizer.

— Pode falar. Sou todo ouvidos.

— Vamos comer primeiro —

falo, tentando juntar coragem. Eu sabia que estava me arriscando ao falar com ele, mas essa era a única chance de finalmente resolver tudo, ou ao menos tentar.

Pedimos os lanches.Peguei um croissant e suco de maracujá, tentando acalmar os nervos. Lyan pediu café. Assim que o pedido chegou, ele tomou um gole e, com um sorriso de lado, disse:

— Vai, desembucha. Qual é o seu segredo?

Respirei fundo, bebi todo o suco de uma vez só e, tentando soar confiante, falei: — Primeiro, não tenho sentimentos românticos por você. Nenhum. Só disse aquilo para o Nathan parar de me encher.

Ele soltou uma risada debochada.

— Mente quem nem sente, Leonardo. Toda vez que rolou beijo, você correspondeu.

— Você é um verdadeiro pé no saco, Lyan! E como sabe meu nome? —

gritei, um pouco mais alto do que gostaria. — É verdade, não gosto de você de jeito nenhum. Prefiro que um raio caia na minha cabeça do que isso.

— Ainda bem que não está chovendo. Seria uma pena. Você é tão jovem para morrer por mentir sobre o que sente. E sobre seu nome, ouvi seu amigo te chamar, foi fácil.

— Aff, você é teimoso, hein! —  resmunguei, tentando mudar o rumo da conversa, mas não consegui. Ele estava começando a me deixar completamente fora de controle.

Então, ele tirou uma foto do bolso e me mostrou.— Posso ser teimoso, sabe, mas você é um mentiroso .

Meus olhos se fixaram na foto. Por um instante, o mundo ao meu redor parou, reduzido a um vazio silencioso. Era eu. Lá, naquela foto que ele segurava com tanto cuidado, como se fosse um tesouro precioso.

Meu coração gelou, como se o sangue que corria por minhas veias tivesse se transformado em gelo. O ar parecia preso na garganta, tornando cada respiração um esforço doloroso. Minha mente lutava para entender, tentando encontrar explicações.

Os detalhes da foto começaram a se tornar mais claros. Meu rosto, meu sorriso - uma versão de mim que parecia tão distante agora. Cada detalhe me puxava para dentro de uma memória que não sabia se queria revisitar. O modo como seus dedos se apoiavam na foto, quase com reverência, era sufocante.

Um arrepio percorreu minha espinha, e a sensação de que algo maior estava por trás daquele momento se instalou em mim, pesada e inevitável.

—  Como você conseguiu isso? —  murmurei, atônito.

Ele guardou a foto de volta no bolso e os olhos verdes me miram mas perto do que eu gostaria.

— Tenho meus meios, assim como você tem seus segredos. Não é mesmo? Um deles é que você não está com sua aparência normal. E, fora isso, gostei do que vi na foto.

Senti uma onda de pânico me invadir. Joguei algumas notas de dinheiro na mesa e me levantei abruptamente. Corri para fora do local, a coragem escapando de mim. Tinha a intenção de falar parte da verdade, mas agora tudo parecia mais confuso do que nunca. Estava mais ferrado do que imaginava.

Enquanto corria pelo campus , ouvi alguém me chamar, mas não queria parar, nem olhar para trás. Só queria desaparecer. Assim que cheguei ao meu apartamento, fui direto para o meu quarto. Fechei a porta e escorreguei até o chão, exausto.

E então, lágrimas começaram a escorrer. Chorei. Chorei pela vida, pelo que não disse, pelo que não sabia. Pelo fato de, mesmo negando, estava gostando do Lyan. Que merda estava fazendo com tudo isso?

Fui um completa covarde....

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