Capítulo 16

O dia estava claro, mas o silêncio era interrompido apenas pelo som dos meus passos ao caminhar de volta para a mansão. Havia deixado Luci para trás na ponte, encharcada e tremendo, mas não me preocupei. Ela não tinha para onde ir, e infelizmente estava viva, graças a mim. Às vezes o destino chega a ser engraçado, eu lutei e esperei tempo para matá-la, mas infelizmente soube que não posso, e ainda tive que salvá-la, é irônico.

Enquanto me aproximava da mansão, senti algo diferente, uma presença. Era familiar, antigo, carregado com a força de séculos passados.

Adentrei a mansão rapidamente, e o fitei. Estava parado, olhava tudo ao seu redor com as mãos atrás das costas.

— Rhaziel — murmurei, indo até ele.

— Draven — sua voz rouca e carregada ecoou pela sala da mansão, seus olhos dourados brilhavam ao me ver.

Rhaziel foi meu aliado mais leal, um irmão de armas. Lutamos juntos durante séculos, enfrentando inimigos humanos e sobrenaturais. Ele me salvou inúmeras vezes, assim como eu a ele. Mas acima de tudo, foi minha confiança nele que o tornou indispensável.

— Amigo Valerius, você não mudou nada. — confessou me abraçando.

— Faz séculos, e não só eu como você também, não mudou nada. — Disse eu, e Rhaziel riu, caminhando até o sofá e se jogando nele como se fosse o dono da casa.

— O que o trouxe aqui?

— Curiosidade — respondeu ele, dando de ombros. — Fiquei sabendo que você voltou. Achei que estava na hora de descobrir se era verdade, e como foi possível. — Ele me olha com admiração.

— Não é uma história interessante — falei, evasivo.

Rhaziel arqueou uma sobrancelha.

— Então me diga algo que seja. Você viu mais alguém do nosso passado? Alguém como nós, que caminha neste mundo?

Neguei com a cabeça.

— Não. Ninguém além de Lucianna.

A menção do nome fez o sorriso de Rhaziel desaparecer. Ele inclinou-se para frente, com os olhos fixos em mim.

— Lucianna?

— Sim — admiti.

Rhaziel abriu a boca para falar, mas foi interrompido pelo som da porta da frente se abrindo. O cheiro veio logo em seguida, doce e inconfundível. Luci.

Rhaziel se levantou de um salto, e eu vi a transformação instantânea em seus olhos. Eles passaram do dourado para um vermelho brilhante, a fome e o instinto dominando-o em segundos. Não o culpo, Lucianna veio como humana, o que a torna um alvo perfeito para nós vampiros, e sem falar do seu cheiro doce, que somente eu tenho o poder de me controlar e não meter minhas presas em seu pescocinho.

— Rhaziel, não — adverti, colocando-me entre ele.

— Você está mantendo um humano aqui? —ele rosnou, sua voz mais grave, quase animalesca. — E ainda me diz não? Você sabe o que isso faz comigo.

Antes que eu pudesse responder, Luci ficou ali parada, seus olhos arregalados ao ver Rhaziel. Claramente ela estava com medo, seu coração batia rapidamente e o cheiro do medo estava impregnado nela.

— Luci, suba — ordenei, minha voz firme, sem espaço para discussão.

— Mas o que está —”

— Suba. Agora. — Gritei.

Ela hesitou por um momento, mas o tom na minha voz a fez recuar. Luci desapareceu no corredor, subindo as escadas, enquanto Rhaziel tentava avançar.

Segurei seu braço com força, impedindo-o de ir atrás dela.

— Controle-se — murmurei, minha voz cheia de autoridade.

— É o cheiro dela — disse ele, com os dentes à mostra enquanto tentava resistir ao impulso. — Mas não é só isso. É ela. É a maldita mulher que te matou, Draven!

Minhas mãos apertaram ainda mais o braço dele, forçando-o a olhar para mim.

— Eu sei quem ela é. Agora se acalme.

Depois de alguns segundos, ele finalmente relaxou, seus olhos voltando ao tom dourado.

— Desculpe — murmurou, afastando-se de mim e se sentando novamente no sofá. — É o instinto... e a raiva.

Peguei uma bolsa de sangue que estava em um compartimento próximo à lareira e a joguei para ele. Rhaziel a pegou no ar e rasgou o plástico com os dentes, bebendo com avidez.

Quando ele terminou, passou a mão pela boca e olhou para mim.

— Por que ela está aqui, Draven? Por que você a mantém viva depois de tudo o que ela fez? Isso não é possível, ainda ama essa mulher?

Sentei-me no sofá em frente a ele, soltando um suspiro.

— Porque eu não posso matá-la.

— Não pode? — Ele riu, incrédulo. — O grande Draven Valerius, incapaz de matar uma humana? Não seja patético.

— Não é tão simples assim — comecei, cruzando os braços.

— Então me explique — ele insistiu, inclinando-se para frente. — Porque, honestamente, parece que você perdeu o juízo.

— Ela é minha punição — admiti, minha voz mais baixa. — Assim como eu sou a dela. Estamos ligados, Rhaziel. Se ela morrer, eu morro. Quando ela sente dor, eu sinto também. E, de alguma forma, isso é o destino nos punindo pelos erros do passado, é o que penso.

Ele me observou em silêncio, processando minhas palavras.

— E você tem certeza de que é ela? — perguntou finalmente. — A Lucianna que te destruiu?

— Ela não se lembra — falei. — Mas sim, é ela. É o mesmo rosto, a mesma voz. Mas há algo... diferente.

Rhaziel arqueou uma sobrancelha.

— Diferente nós sabemos, é humana.

— Não é só isso. Ela não tem a malícia de antes — confessei, quase com relutância. — Há uma ingenuidade nela, algo que me faz questionar se ela é realmente a mesma mulher que me matou. Eu quero acreditar que sejam a mesma pessoa, pelo simples fato de serem idênticas fisicamente, mas em ações são completamente diferentes.

— Então por que mantê-la aqui? — perguntou ele, jogando a bolsa vazia na mesa. — Se você não pode matá-la, por que não deixá-la ir?

Porque eu não consigo, pensei, mas não disse isso em voz alta.

— Porque ela precisa pagar — respondi. — Mesmo que seja apenas sentindo o peso da solidão, a saudade de tudo o que deixou para trás. Ela precisa sofrer como eu sofri.

Rhaziel riu, mas não havia humor em seu riso.

— Você está tentando se convencer disso, mas é óbvio que não acredita. Se fosse verdade, você não a teria salvado daquela água. Teria deixado ela se afogar.

Eu o encarei. Ele me observou? Desde que horas já estava na ilha?

— Eu não tive escolha — retruquei, minha voz mais afiada. — Se ela morrer, eu morro. Será que não entendeu a gravidade da situação aqui?

— E você ainda acha que isso é uma punição para ela? — Ele balançou a cabeça, descrente. — Isso é uma punição para você, Draven. Você está preso a ela tanto quanto ela está presa a você. Ela te matou, você ficou décadas morto, e mesmo sendo inocente diz que está sendo punido? Eu não concordo com seu ponto de vista, há algo errado.

As palavras de Rhaziel me atingiram como um golpe, mas eu não deixei transparecer.

— Em algum momento, ela vai entender o que fez — falei finalmente, levantando-me e caminhando até a janela. — E quando isso acontecer, ela verá que nunca poderá escapar de mim.

Rhaziel levantou-se também, ajustando o casaco.

— Você está jogando um jogo perigoso, meu amigo. Mas eu estarei por perto, caso precise de mim.

Ele caminhou até a porta, parando por um instante.

— Boa sorte com ela — disse ele antes de desaparecer.

Fiquei parado ali, olhando para o vazio, com suas palavras ecoando na minha mente. Olhei para cima, e vi Luci me olhando da escada.

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Comments

Anonyamor

Anonyamor

Já está com dois pneus arriados por ela, falta ele retroceder é descobrir o que de fato aconteceu

2025-04-01

0

Tânia Campos

Tânia Campos

Ele sempre a amou,
Esse amor não surgiu agora,
Estava só adormecido.

2025-01-22

0

Maria Das Neves

Maria Das Neves

já está caidinho de amor por ela ❤️😍

2025-01-19

2

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