Antes que Luci acordasse, passei boa parte do meu tempo no espaço que gosto de chamar de refúgio. Era uma sala no canto mais afastado da mansão, onde eu podia me concentrar, longe das distrações e dos sentimentos conflitantes que ela começou a despertar em mim.
Sobre a mesa antiga, ladeada por velas que tremeluziam na penumbra, estava meu diário. Aquele objeto havia me acompanhado por décadas, talvez até séculos. A pena de metal, manchada de tinta preta, deslizou sobre as páginas gastas com facilidade, anotando tudo que ela fez comigo.
Esta mansão pertenceu a mim e a Lucianna na época, tudo que é meu ainda está aqui, intacto, como se o tempo não tivesse coragem de apagar o que construí. Agora, este lugar é também a prisão de Luci. Assim como ela tornou meu coração uma prisão no passado, agora é ela quem sofrerá aqui, no lugar onde ela viveu muitas coisas comigo.
Olhei ao redor da sala. As paredes de pedra, os móveis antigos, os quadros cobertos por poeira, tudo era um lembrete do que um dia fomos, do que um dia poderia ter sido eterno.
Suspirei, fechando o diário com um gesto firme. A realidade era clara: Luci, ou Lucianna, não sairia dessa ilha. O mundo ao nosso redor era apenas água e vazio, e somente eu tinha a habilidade de atravessá-lo se quisesse. Mas eu não queria.
Seu castigo era ficar aqui, presa comigo, cercada por lembranças que ela nem sabia que eram dela. Sua punição não era apenas o isolamento, mas o vazio que ela sentirá pela saudade de tudo e todos que amava, principalmente pelo seus pais.
Era isso que eu queria acreditar.
Pela manhã tomamos nosso café da manhã juntos, até ela desobedecer, e fazer novamente perguntas. Eu só queria que ela ficasse calada, porque até a voz dela me deixava extremamente irritado.
Assim que terminei fui diretamente para meu escritório, e fiquei observando a floresta à minha frente pela janela.
Até eu ver ela correndo em direção à ponte, meu primeiro instinto foi de calma. Não havia motivo para me preocupar. Ela não podia sair da ilha, não havia como escapar.
Fiquei observando por alguns momentos, sua silhueta diminuindo à medida que ela se afastava. A corrida dela era desesperada, quase patética, como uma borboleta presa em um jarro, batendo as asas inutilmente.
Sai do escritório com calma e segui seus passos. Não era necessário correr. Eu sabia onde ela terminaria.
Quando cheguei à ponte, lá estava ela. Sua figura magra parecia ainda menor contra a vastidão do mar. Por um momento, fiquei apenas observando, imaginando o que ela faria a seguir.
E então aconteceu.
Me aproximei e ela tropeçou, e caiu na água. Meu primeiro pensamento foi de indiferença. Ela não sabia nadar, disso eu tinha certeza, e, por um instante, considerei deixar que o destino seguisse seu curso. Se ela se afogasse, tudo estaria terminado, não estaria?
Mas o universo parece ter outros planos para mim.
Quando vi seu corpo se debatendo na água, algo dentro de mim mudou. O desespero dela me atingiu como um raio, e, de repente, eu não conseguia respirar. Era como se cada gota de água que ela engolia também estivesse me afogando. Minha visão escureceu, e por um momento, pensei que eu mesmo estava morrendo afogado.
— Mas que droga — Rosnei caindo no chão sem fôlego, colocando água para fora — Estamos ligados — murmurei para mim mesmo, a verdade me atingindo com força. Não podia deixá-la morrer. Seu sofrimento era o meu, sua morte seria a minha.
Mas que merda
Usei meus poderes, ignorando o ódio crescente por essa conexão invisível que parecia nos amarrar. A água ao redor dela começou a se agitar, como se obedecesse à minha vontade, e em um instante, seu corpo foi puxado para fora, flutuando até a ponte onde eu estava. De tanto ela se debater, já estava um pouco longe, perdendo as forças.
Coloquei-a deitada no chão. Seu rosto estava pálido, e seus lábios tinham perdido a cor. Estava desacordada, sem sinais de que ainda respirava.
— Luci — chamei, batendo de leve em seu rosto, mas ela não reagiu. A maldita dor estava em mim, algo que eu não deveria sentir.
A raiva começou a crescer dentro de mim, mas não era por ela. Era por essa maldita situação. Inclinei-me, tentando de todas as formas fazê-la voltar à vida. Pressionei suas costelas, tentando forçar a água a sair de seus pulmões, mas nada aconteceu.
Então veio a última coisa que eu queria fazer. Respiração boca a boca.
— Maldita — murmurei entre dentes, inclinando-me ainda mais.
Fechei os olhos por um instante, reunindo a força de vontade para o ato que mais desprezava naquele momento. Segurei sua cabeça com uma das mãos e, com relutância, encostei meus lábios nos dela, soprando ar em sua boca.
A sensação me irritava. Era um gesto que deveria simbolizar cuidado, talvez até afeto, mas no meu caso era apenas necessidade. No entanto, seus lábios eram tão doces e macios como eu me recordava.
Depois de alguns segundos, ela tossiu, engasgando enquanto expelia a água dos pulmões. Recuei imediatamente, limpando a boca com as costas da mão, como se quisesse apagar qualquer vestígio do que tinha acabado de fazer.
Luci abriu os olhos devagar, confusa e fraca. Ela tentou se sentar, mas eu a empurrei de volta para o chão, firmemente.
— Fique quieta — ordenei, minha voz fria como sempre.
Ela olhou para mim, os olhos cheios de confusão e lágrimas. Não disse nada, mas a maneira como me encarava era como se tentasse entender o que eu acabara de fazer.
— Você …
— Não se engane — interrompi, me levantando e olhando para o mar. — Eu não fiz isso por você.
Sem esperar por uma resposta, virei-me e comecei a caminhar de volta para a mansão, deixando-a lá, encharcada e tremendo.
— Draven... Eu sinto muito. — disse ela.
Não parei, continuei a caminhar, cada passo que dava aumentava minha frustração. Eu deveria tê-la deixado morrer. Mas agora eu sabia que isso nunca seria uma boa opção.
Seu destino estava ligado ao meu, e isso era tanto uma verdade quanto a eternidade que eu carrego. Além dela me matar nas vidas passadas, eu descubro que tudo que fiz para fazê-la pagar, foi em vão. Porque no final, não posso matar ela, estaria me assassinando.
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Atualizado até capítulo 60
Comments
Jane Silva
será que alguém usou de ilusão para que ele pensasse que era ela?? e para não cometer injustiça o destino os ligou?
2025-01-17
8
Silvania Assis
porque ele não sente a presença daquela mulher, e guando Luci está desesperada
2025-01-24
1
Maria Das Neves
eu tbm estou achando isso Jane
2025-01-19
1