Após o treinamento com Alec, Elena sentia-se esgotada. Seus braços ainda doíam com o efeito das poucas vezes onde tentara pegar uma espada, e a cabeça latejava com os pensamentos incessantes sobre o duelo que aconteceria em um mês.
Assim que chegou ao quarto, jogou-se na poltrona próxima à janela, permitindo que o sol da tarde aquecesse seu rosto por um instante. A visão do jardim ao longe não a acalmava; em vez disso, era um lembrete constante da batalha que se desenrolava dentro e fora de sua mente.
Merilda entrou no quarto com a discrição de sempre, carregando uma bandeja com chá fresco e biscoitos. Seus movimentos eram elegantes, mas havia algo em sua expressão que Elena reconhecia: desdém mascarado por uma fachada de servidão.
— Merilda — chamou Elena, sem desviar os olhos da janela.
— Sim, senhorita? — respondeu a criada, com a voz tão suave quanto o ruído da porcelana na bandeja.
Elena levantou-se devagar e foi até a escrivaninha. Abriu a gaveta e olhou para a carta que colocara lá mais cedo, ignorando o incômodo que sentia ao menor movimento dos braços. Quando a pegou, selou-a com cuidado e entregou-a a Merilda.
— Quero que entregue isso a Felipe. Pessoalmente.
Merilda pegou o envelope, seus olhos se demorando nele por um momento antes de fixá-los novamente em Elena.
— Alguma instrução específica?
— Sim — respondeu, encarando-a com firmeza. — Diga a Felipe que essa mensagem deve ser entregue a Sir Oscar sem nenhum atraso. Nenhum.
Merilda fez uma leve reverência, mas Elena notou a hesitação no movimento. A criada sabia que o conteúdo daquela carta carregava algo importante, e isso, sem dúvida, a incomodava.
— É tudo, senhorita?
Elena assentiu, mas não desviou o olhar de Merilda, como se quisesse reforçar a seriedade do pedido.
— Pode ir.
Assim que a porta se fechou atrás da criada, Elena voltou a se sentar na poltrona, apoiando o rosto nas mãos. Apesar da exaustão física, sua mente continuava a trabalhar, pensando em cada detalhe, cada variável que poderia interferir no duelo.
Um mês para transformar Alec em um vencedor, para garantir que Oscar caísse e que seu plano fosse bem-sucedido. E, enquanto isso, precisava lidar com Magnus, manter as aparências e evitar que qualquer um descobrisse seus verdadeiros objetivos.
Ela fechou os olhos por um instante, tentando buscar forças.
— É apenas o começo — sussurrou para si mesma, sentindo o peso da responsabilidade se assentar mais uma vez sobre seus ombros.
***
O sol brilhava intensamente sobre a cabeça de Alec enquanto ele atravessava os corredores de pedra fria da torre dos magos. Cada passo ecoava pelo espaço vazio, mas sua mente estava cheia, reverberando com pensamentos desordenados. O treinamento com Elena voltava à sua mente em fragmentos nítidos e irritantes: o som das espadas cruzando, o tom firme da voz dela, o olhar calculista que parecia penetrar cada camada de sua fachada.
Alec odiava aquilo — odiava se sentir estudado, exposto, como se ela pudesse enxergar algo dentro dele que ele mesmo se recusava a reconhecer. E, pior, odiava a forma como suas palavras tinham feito sentido. A estratégia dela durante o treinamento o desafiara de um modo que nenhum outro mentor ou comandante jamais fizera. Elena era inteligente, perspicaz, e isso o desconcertava mais do que queria admitir.
Ele balançou a cabeça, afastando os pensamentos, quando chegou à porta do escritório de Felipe. Não se deu ao trabalho de bater antes de entrar.
Felipe estava sentado em sua cadeira, cercado por pergaminhos espalhados sobre a mesa. Ele levantou os olhos, as sobrancelhas arqueadas com leve surpresa ao ver Alec adentrar o ambiente sem cerimônias.
— Então, por que me chamou? — Alec perguntou, apoiando-se na janela próxima com os braços cruzados, o rosto endurecido.
Felipe reclinou-se na cadeira, um sorriso preguiçoso curvando seus lábios.
— Sem nem me cumprimentar antes? — ele provocou, a voz cheia de sarcasmo.
— Vá direto ao assunto, Felipe. Não estou de humor para joguinhos.
O mago suspirou, fingindo decepção.
— Tão direto, Alec. Isso vai te causar rugas. — Ele estendeu um dos pergaminhos, mas logo o largou de lado, focando-se no amigo. — Nada muito sério, acredite. Apenas achei que você gostaria de saber: entreguei uma carta para Oscar a mando de Elena.
Alec estreitou os olhos, o nome de Elena imediatamente acionando uma onda de emoções conflitantes.
— E?
— E Magnus provavelmente já sabe da data e horário do duelo. Afinal, foi aquela criada mal encarada quem trouxe a carta. É claro que Elena queria garantir que tudo estivesse perfeitamente alinhado.
Felipe sorriu, mas havia um tom de ironia em sua voz que Alec não gostou. Ele sabia que o amigo estava provocando, mas não podia evitar morder a isca.
— Daqui a um mês — murmurou Alec, desviando o olhar para o céu além da janela, onde as nuvens passavam lentamente. Ele se lembrou das palavras de Elena no treinamento, o tom seguro, quase desafiador, com que ela apontava suas falhas.
— Um mês para você provar que é o grande cavaleiro que todos pensam que é. Ou talvez só um brinquedo muito bonito. — Felipe sorriu, maliciosamente.
Alec virou-se para encará-lo, os olhos castanhos-mel cintilando com um brilho perigoso.
— Cuidado com as palavras, Felipe.
— Ah, não se ofenda, Alec. Só estou curioso. O que será que Elena está pensando? Você já considerou que ela pode estar te usando como uma peça no jogo dela?
— Ela não é a única — Alec respondeu, com um tom afiado. Ele sabia que era verdade, mas algo dentro dele o impedia de admitir plenamente. Elena podia ser manipuladora, mas havia algo mais profundo nela, algo que ele ainda não conseguia decifrar.
Felipe o observou por um momento, depois deu de ombros, voltando a seus pergaminhos.
— Bem, se eu fosse você, ficaria de olhos bem abertos. Elena joga melhor do que aparenta. E, sinceramente, Alec, você parece estar perdendo mais do que o controle da espada.
Alec não respondeu. Apenas lançou um último olhar para o amigo antes de sair, o som de seus passos desaparecendo rapidamente nos corredores da torre. As palavras de Felipe ecoavam em sua mente, mas eram os próprios pensamentos que o perturbavam mais. Porque, no fundo, ele sabia que Felipe estava certo. E isso era inaceitável.
***
O silêncio do quarto se arrastava como uma eternidade. Elena permanecia na poltrona, os olhos fixos na janela, a mente um turbilhão de pensamentos que se recusavam a se alinhar. O vento distante que soprava contra os vidros parecia quase fazer parte de um cenário irreal, trazendo uma sensação de isolamento que ela não podia escapar. A quietude era opressiva, e o peso do momento se acumulava sobre seus ombros.
Foi então que, com uma leveza que mais parecia um sussurro, três batidas suaves na porta a tiraram da sua introspecção. Antes que ela pudesse reagir ou dar permissão para a entrada, Merilda apareceu, invadindo o quarto com passos lentos e calculados. O rosto da criada estava impecavelmente neutro, mas o brilho curioso nos olhos traía o disfarce, como se ela soubesse exatamente o que havia se passado naqueles minutos silenciosos.
— Entreguei a carta, senhorita — anunciou Merilda, sua voz tão cortês quanto sempre, mas a falsa polidez era clara como vidro. — E Felipe confirmou que Oscar foi informado.
Elena assentiu, uma sensação de alívio tomando conta dela. Uma parte do plano estava, finalmente, em andamento, mas isso não era o suficiente para ela relaxar por completo. A batalha ainda estava longe de ser vencida.
— Obrigada, Merilda — disse ela, as palavras educadas, mas propositadamente distantes, como se quisesse afastar qualquer tentativa de intimidade.
Merilda, no entanto, parecia não perceber, ou talvez não se importasse, e continuou com uma observação que de imediato chamou a atenção de Elena.
— Curioso como mensagens assim têm ido e vindo ultimamente. — A criada inclinou de leve a cabeça, o tom casual de sua voz mal escondendo o toque sutil de provocação. — O castelo parece mais movimentado que de costume, não acha?
Elena ergueu os olhos, mantendo a expressão controlada, mas o comentário, vindo de Merilda, a deixou em alerta. Era difícil não perceber a provocação velada, mas ela não se permitiria ser distraída. Respirou fundo, tentando manter a compostura.
— Duelo entre cavaleiros sempre chama atenção, especialmente quando envolve alguém como Alec — ela falou com firmeza, quase como se estivesse tentando desconstruir qualquer indício de desconfiança. — Mas não é algo incomum.
Merilda sorriu de forma leve, quase vazia. A cortesia parecia forçada, mas o brilho em seus olhos dizia outra coisa.
— Naturalmente. — Ela se curvou de um jeito educado, mas antes de se retirar, os olhos de Merilda brilharam de uma maneira que Elena não pôde ignorar. — Caso precise de algo, estarei à disposição.
A porta se fechou com suavidade, mas a sensação de estar sendo observada permaneceu, quase tangível no ar. Elena ficou imóvel por um momento, os olhos fixos no lugar onde Merilda estivera.
A falsa cortesia da criada era como uma camada densa de gelo, cobrindo cada palavra, mas Elena sabia que não podia se permitir ser distraída por isso. O jogo estava se intensificando, e ela precisava se manter focada.
Ela se levantou, movendo-se até a mesa, onde a pena e o papel ainda estavam sobre a superfície. Seus dedos tocaram os papéis com leveza, mas sua mente estava longe. Estratégias, riscos, possíveis cenários — tudo girava em sua mente. Alec estava se preparando, isso ela sabia. Mas, ao mesmo tempo, não podia negar a sensação de que aquele duelo, mais do que qualquer outro evento, seria um ponto de virada. Não apenas para ele, mas para ela também.
Eu não posso ser apenas uma espectadora, pensou, a determinação crescendo em seu peito. Não desta vez.
Com um suspiro decidido, Elena começou a reorganizar os papéis sobre a mesa, seus olhos analisando cada detalhe com precisão. O futuro ainda era um campo incerto, mas ao menos ela poderia tentar assumir o controle de uma parte dele.
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Atualizado até capítulo 142
Comments
Débora Rodrigues
Esse negócio de escrever os planos é meio perigoso, pois a Merilda pode pegar e entregar para o Magnus. A menos que a Elena esteja escrevendo exatamente o que ela quer que ele pense. 🙃
2025-01-22
1
Kamila Castro
Eu estou torcendo por você, Elena e Alec
2025-01-06
2