O sol já surgia no horizonte quando a criada pessoal de Elena, Merilda, entrou no quarto da garota e abriu as grossas cortinas de veludo que cobriam as amplas janelas.
Elena esfregou os olhos, ainda sonolenta, tentando se acostumar com a luz vinda do lado de fora e da vela presa no castiçal trazido pela criada. Pouco a pouco móveis de mogno e carvalho ficavam mais nítidos, como um grande armário no canto esquerdo — perto da porta —, e uma penteadeira próxima à cama de dossel.
O ambiente era amplo. O chão era feito de madeira polida, coberto por tapetes luxuosos vindos dos mais vários reinos vizinhos à Farnóia. Um lustre de cristal pendia do teto, talhado com detalhes em ouro — tal qual a colcha bordada à mão revirada sobre a cama e as cortinas nas janelas.
Elena sentou-se na beirada da cama, os pés descalços tocaram o tecido macio de um dos tapetes, fazendo ela arfar baixinho. Logo seus olhos vagaram para mesa de cabeceira, onde alguns livros permaneciam intocados há bastante tempo. Perto dela, Merilda segurava uma tigela de prata com pequenos bordados feitos a ouro e cheia de água límpida, exalando um frescor de rosas tão doce quanto enjoativo.
— Pensei ter pedido para trocarem a fragrância de rosas por algo mais suave — disse ela, a quiçá de um cumprimento.
Merilda estalou a língua, como quem ouve asneiras irrelevantes.
— Vossa Graça, o duque, ordenou que continuasse assim.
— Ah, claro, ele ordenou — murmurou, tentando conter a frustração crescente em seu peito.
Elena encarou Merilda, observando a mulher de não mais que vinte e cinco anos por um longo instante. Os cabelos negros dela estavam amarrados em um coque, enquanto os olhos verdes eram frios.
Merilda, apesar de ter o título de criada pessoal de Elena, era nada mais que uma fiel serva de Magnus. Estava ali apenas para servir a ele e manter a jovem na linha, vigiá-la e reportar cada passo dado por ela ao duque se assim fosse necessário.
Ela é, na verdade, uma espiã. Minha carcereira particular.
Um gosto amargo apoderou da boca de Elena. Ela tentou evitar uma careta, ao notar que Merilda se aproximava dela para colocar a tigela com água em seu colo.
Como esperado, a prata estava gelada, tal qual a água dentro dela.
— Limpe o rosto e se prepare para tomar um banho — ordenou a criada, contorcendo o nariz em desgosto. — O cheiro da senhorita está nauseante.
Elena ignorou o comentário, sorrindo de maneira inocente.
— Devo descer para tomar café com meu pai?
— Não. — Balançou a cabeça, retornando a sua expressão inexpressiva. — Hoje ele se encontrará a manhã toda no escritório. Não quer ser incomodado.
Elena franziu a testa, confusa. Por que todo esse cuidado em tê-la cheirosa se não fosse para se mostrar para os criados na frente do duque?
— Então há um evento especial?
— Para a manhã, não. Mas Sir Oscar virá hoje. Há boatos que ele deseja sua mão.
Então era isso. Mais uma tentativa falha de vendê-la para alguém de fora do ducado. Ou pensaria assim, se ela não soubesse que esse era, na verdade, um capítulo icônico do livro “A Vingança do Cavaleiro Amaldiçoado”.
Os lábios de Elena tremeram. Se não falhava sua memória, Alec daria um passo irreversível rumo à sua vingança, tornando Sir Oscar e aqueles que ele servia em inimigos jurados de todo ducado de Ilhéus. Para sempre.
Ela não podia deixar isso acontecer. Tinha que impedir ele, para seu próprio bem. Mas como fazer isso? Como mudar algo já escrito na história daquele mundo? Ela não sabia, porém, tinha pouco tempo para pensar. Um relógio fazia “tic-tac” em sua cabeça, contando cada segundo até o momento da desgraça iminente.
Ah, como seria mais fácil se tivesse só um pouquinho mais de tempo…
— Não há como adiar esse encontro? — perguntou ela, esperançosa.
Merilda levou uma mão até a boca, quase como se segurasse o riso. Essa cena fez a garota se arrepender de perguntar.
— Nem se você estivesse à beira da morte.
Como esperado, a resposta era digna do tratamento feito a vergonha dos Ilhéus — como todos no ducado chamavam Elena. No fim, restava a ela apenas pensar em um plano absurdo e eficaz, por mais difícil que fosse.
— Que horas irei me encontrar com Sir Oscar?
— Durante o chá da tarde, no jardim.
Elena apertou os lábios. Tinha menos que a metade de um dia para se preparar.
— Tem mais alguma coisa que preciso saber?
— Não há nada.
Soltando um longo e pesado suspiro, Elena levou as mãos até a tigela de água. Merilda a observou calada, talvez um pouco curiosa, enquanto a garota lavava o rosto. O que se passava na cabeça da criada, porém, era um grande mistério.
***
Após um longo e revigorante banho, Elena andava a passos lentos pelos corredores acompanhada de Merilda e Alec. O cavaleiro, para a surpresa da garota, aguardava por ela fora do quarto, quase como uma estátua. Ela não sabia se ele ouvira a conversa dela com sua criada pessoal. Muito menos se tinha vindo para escoltá-la durante o tempo em que Elena tomava banho no cômodo anexo aos seus aposentos.
Fosse qual fosse a resposta, não significava muito. No fim, Elena só poderia pensar em uma forma de impedir Alec de pôr seu plano em prática ou em um jeito de acabar com aquele encontro com Sir Oscar sem irritar Magnus no processo. Infelizmente, até aquele momento, nada surgira em sua mente.
Talvez eu não Sirva para criar planos elaborados, pensou, amarga. Eu devo, então, só seguir minha intuição mesmo jogando no modo difícil?
Claro que não. Deixar as coisas à própria sorte não poderia ser uma boa opção. Então, o que ela deveria fazer? Como deveria evitar essa crise iminente?
Uma ideia brilhou nos olhos azuis claríssimos de Elena. Graças a isso, ela parou bruscamente no meio do corredor, o que fez Merilda bater em suas costas com força. Alec, que estava logo atrás, franziu a testa diante da situação cômica.
— Algum problema, senhorita Elena? — perguntou ele, impassível.
— Pensei que seria interessante passear pelo jardim — comentou, apertando a saia do seu vestido cor de vinho.
Alec ergueu uma sobrancelha.
— Antes do desjejum?
— Por que não? O dia está tão lindo.
— Não é uma boa ideia — alegou Merilda, bufando.
Elena olhou para ela, percebendo como a criada não poderia agir de má-fé na frente de Alec, caso contrário poderia expor sua verdadeira missão — que era vigiar Elena — a alguém que jamais deveria saber disso.
— Tenho que me encontrar com alguém importante no café da manhã?
— Não, mas… — Merilda hesitou, o que fez Elena sorrir docemente.
Mesmo que depois acabasse sofrendo uma retaliação pesada quando estivessem as duas a sós, valeria a pena se isso lhe desse uma chance de parar o plano de Alec. Com certeza.
— Então vou ir para o jardim — avisou, deixando o sorriso morrer. — Me espere no salão de banquete, Merilda.
Antes que a serva pudesse contestar, Elena partiu em direção ao jardim. Ela não olhou sequer uma vez para trás, mas sabia que Alec estava em seu encalço. A aura que saia dele, por mais que tentasse, não podia ser suprimida. Qualquer um poderia saber onde ele estava, e isso era um fato.
Alec era um ótimo espadachim, com poderes e habilidades que iam além de muitos cavaleiros presentes no ducado. Por isso se tornara o cavaleiro pessoal de Elena, tirando, é claro, sua beleza estonteante.
— Por que ir até o jardim agora? — perguntou ele, ao se aproximar dela para andarem lado a lado.
Elena virou o rosto para ele e sorriu.
— Apenas me deu vontade.
— Não parece ser verdade — apontou, observando como ela permanecia apertando a saia do vestido, tão forte que os nós dos seus dedos estavam brancos. — Queria fugir daquela criada?
Ela arregalou os olhos.
— Observador como sempre.
— Então eu acertei.
— Talvez.
Os dois pararam de andar e ele a encarou. A garota não soube dizer o que o cavaleiro estava pensando, o que estava escondido por trás dos seus lindos olhos castanhos-mel.
— Por que manter alguém assim ao seu lado? — sussurrou ele, alto o suficiente para Elena ouvir.
Ela deu de ombros, e virou a cabeça em direção ao final do corredor onde estavam parados. Dali, ela podia ver com clareza alguns criados andando, carregando roupas sujas, vasilhas com água e comidas diversas. Eles iam e viam, alheios a tudo.
— Você só faz o que não quer quando não tem poder para escolher, não é?
A pergunta soou melancólica. Elena respirou fundo e deu um passo em direção ao corredor novamente, agora com a mente mais clara do que antes. Dessa vez, porém, Alec não a seguiu. Ele permaneceu ali até a figura da senhorita sumir e se misturar com aqueles que iam e viam, como uma trágica miragem feita de papel.
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Atualizado até capítulo 142
Comments
Débora Rodrigues
Esse livro que ela leu ("A vingança do cavaleiro amaldiçoado") só tinha vilões, porque essa Merilda é uma nojenta. 😤
2025-01-22
4
Elda soares
Amo esse tema , todos os livros que li eram encantadores . estou encantada 🥰💖
2025-01-17
3
Kamila Castro
essa Merilda já me irrita
2024-12-31
5