As palavras de Elena ecoaram na cabeça de Alec durante todo o percurso até o jardim. Não importava quantas vezes ele tentasse suprimi-las, o tom melancólico fazia questão de voltar, mesclando-se com suas próprias memórias a cada passo dado.
Em segundos, ele se via como um garotinho, correndo apressado pelos campos verdejantes de sua família, ouvindo risadas animadas de sua mãe e pai, perseguindo-o ao lado de seu irmão e irmãs.
E então a cena mudava. Agora ele via tudo sendo consumido pelo fogo. Gritos e mais gritos, enquanto um corpo ensanguentado jazia pálido em seus braços.
Alec balançou a cabeça, afastando as lembranças. Não era hora de pensar nisso. O futuro estava a um passo, à queda dos seus algozes e tudo que ele mais desejava. Precisava se concentrar, terminar de colocar as peças do quebra cabeça no lugar certo, enquanto esperava usar aquela visita do cavaleiro do condado de Orinis como estopim para o início de sua vingança
Deveria ser simples manter sua mente focada nisso, mas então por que, por longos segundos, se via simpatizando com a filha do vilão de sua vida?
Só posso estar ficando louco.
Isso o deixava irritado, mas consigo mesmo com a situação em si. Porque ele não podia fazer nada para controlar o que passava por sua cabeça. O quão o afetava e o quão errado era no fim. Era uma realidade da qual ele não conseguia fugir.
Alec parou ao avistar a figura serena de Elena parada próxima a um canteiro de dálias. Os olhos dele se arregalaram quando a viu se abaixar, forçando-o a dar passadas longas e rápidas, tão depressa que ele pareceu voar sobre os ladrilhos.
Ela sorriu quando ele surgiu de súbito em sua frente, bloqueando seu acesso totalmente ao canteiro de dálias.
— Você sabe qual é o significado dessas flores, Alec? — perguntou ela, colocando alguns fios de cabelo atrás da orelha.
Um vento forte soprou entre eles, sacudindo as plantas ao redor, o vestido roxo de Elena e os cabelos longos do cavaleiro.
— Elegância e dignidade — respondeu, com a boca seca.
Elena balançou a cabeça.
— Para a maioria é isso, embora haja algo a mais.
Alec cerrou os punhos.
Ela sabe, não sabe?
Ele a encarou, à procura de qualquer traço que respondesse à sua pergunta. Encontrou, porém, apenas mãos trêmulas e um olhar vacilante.
— E que algo a mais é esse? — ousou perguntar.
O sorriso no rosto de Elena morreu e sua expressão se tornou sombria. Ela virou a cabeça em direção às dálias, o olhar fixo no centro delas.
— Traição — sussurrou. Alec deu um passo para mais perto dela, a mão indo até a espada em um movimento rápido. Vendo isso, Elena tremeu. Porém, um novo sorriso desenhou-se em sua face atormentada. — E instabilidade. Muitos costumam me mandar buquês cheios delas.
Diante da resposta, Alec piscou, atônito.
— Onde você quer chegar com essa conversa?
Ela deu de ombros, o encarando de soslaio.
— Quem sabe? Talvez eu só goste de compartilhar detalhes aleatórios sobre minha vida aos meus cavaleiros.
— Como se fosse possível. — Alec riu com escárnio.
Elena soltou um suspiro ruidoso e recuou alguns passos. Sem disfarçar, lançou outro olhar para o canteiro de dálias — o que encheu Alec de apreensão — e depois deu as costas a ele.
— Se eu fosse você, tentaria ser menos óbvio a partir de agora. Nunca se sabe o que pode acontecer se certas informações inconvenientes chegassem até ouvidos indesejados.
Ele não respondeu. Apenas observou Elena caminhar lentamente até a saída do jardim, de queixo erguido e postura ereta. Embora, ele percebeu, seus ombros tremiam ridiculamente.
***
Alec segurou com força um envelope amarelado com uma das mãos. Com a outra, puxou de lá um mapa e algumas cartas, escritas em uma caligrafia perfeita e com o selo do ducado de Ilhéus destacando-se no final dela.
— Felizmente tudo continua aqui — murmurou para si, soltando um longo suspiro de alívio.
Aquelas eram provas forjadas por ele e um mago — com muita custo — para destruir a relação entre os ducados de Ilhéus e de Orinis ao fazê-las cair nas mãos de Oscar. Tinha lhe custado muito para plantá-las ali, sem que ninguém percebesse. Até mesmo o jardineiro e os criados não notaram o envelope escondido com magia, embora sua cor amarronzada fizesse contraste com o rosa claríssimo das dálias.
Só um cavaleiro poderia ver através do feitiço.
E, mesmo assim, Elena descobriu o envelope.
Como? Como ela descobriu?
A pergunta ecoou na mente de Alec, o deixando inquieto. Não fazia sentido algum ela ter o encontrado, muito menos ter deixado esse claro sinal de traição passar impune. Principalmente quando ele agira de maneira tão impulsiva, quase deixando descarado que ele sabia sobre o envelope e queria a todo custo escondê-lo.
— Mas ela só me alertou para não ser tão óbvio — murmurou, jogando o cabelo para trás com uma das mãos. — Por quê?
Alec não conseguiu uma resposta. Frustrado, guardou o envelope dentro da roupa e saiu a passadas rápidas dali, indo de encontro até a torre mais alta do ducado. Lá ficava um departamento especializado em magia, e era onde o mago que o ajudara residia — seu único aliado em meio a tantos inimigos.
— Finalmente decidiu visitar seu velho amigo? — perguntou Felipe, o mago, assim que viu Alec passar pela porta de seu escritório e a fechar atrás dele.
Alec ignorou a pergunta, indo direto ao assunto.
— Qual a possibilidade de uma pessoa comum detectar seu feitiço de disfarce?
— Direto como sempre. — Felipe sorriu, franzindo a testa ao notar como seu amigo esfregava o rosto com uma das mãos. — Aconteceu algo? Não me diga que fomos descobertos. Se for isso eu…
— Fui, acho — disse, rápido.
Felipe arregalou os olhos.
— Acha? — Ele encarou o amigo, descrente. — Acha?
— Só responda a minha pergunta — ralhou. — Qual a possibilidade?
O mago soltou um longo suspiro.
— É impossível. O feitiço que fiz só seria descoberto se um cavaleiro o visse, e teria que ser um de grau superior, como nosso alvo.
— E qual a possibilidade da filha de Magnus ser uma cavaleira secretamente?
— Nula. Ela nem tem músculos e mana para isso. — Felipe estranhou a pergunta. — Espera, foi ela quem descobriu?!
— Foi, mas…
— Ah, não, estamos ferrados! — gritou, levando as mãos ao rosto. — O que eu faço agora? Terei um final trágico, onde vão me queimar inteiro? Será que pouparão minha família, meus filhos, meus irmãos?
— Você não tem família além de mim — Alec replicou, revirando os olhos para o drama exagerado de Felipe.
— Mas eu poderia ter.
— Não tem, e esse nem é o caso!
— Então qual é? Que agora é uma questão de tempo até Magnus surgir por essa porta com todo o exército de marionetes dele para nos matar?
— Ele não descobriu.
— Ainda — lembrou, frustrado.
— Não, não acho que Elena vai contar a ele. Não depois do que ela me disse.
— O que ela disse?
— Me alertou para tomar cuidado.
Felipe lançou um olhar descrente para Alec, provocando nele uma careta.
— E isso te deixa tranquilo?!
Não.
Quis responder, mas uma parte dele realmente estava mais calma desde aquele aviso. Quase como se acreditasse que Elena não iria expor ele a Magnus por qualquer que fosse o motivo oculto dela. E isso o incomodava. Desde quando meras palavras vazias o deixam tranquilo?
— Eu só penso que, se ela quisesse contar a Magnus sobre isso, teria o feito naquele mesma hora. Sem hesitar.
— Você tem um ponto. Acha que ela quer algo?
— Não sei — sussurrou, exausto. Quanto mais pensava nisso, mais sua cabeça doía.
— Talvez ela tenha se apaixonado por sua beleza — ponderou, depois de um longo instante de silêncio.
— Está louco?
— Vai, querendo ou não, é uma grande possibilidade.
Alec negou com a cabeça, descrente.
— Independente disso, já não posso manter o plano como gostaria, já que ela sabe e pode pôr tudo a perder. Preciso pensar em outro.
— Tão em cima do tempo?
— Não tenho escolha.
— Ok, vamos pensar em algo.
Os dois ficaram em silêncio, e Alec olhou para a janela da torre. Dali dava para ver o jardim lá embaixo, o que trouxe a lembrança da conversa com Elena à tona.
Ele não sabia dizer o que se passava na cabeça dela naquele momento, mas, fosse o que fosse, ela sabia que sua atitude poderia levá-la à morte. Ele estava disposto a eliminá-la ali se a visse como uma ameaça. Então, por que enfrentá-lo mesmo assim?
A pergunta ecoou repetidas vezes, tal qual as outras, sem resposta.
Por fim, Alec se amaldiçoou por ser incapaz de respondê-las.
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Atualizado até capítulo 142
Comments
Grace 🌻🌷
Dramático 😂🤣😅
2025-03-27
2
Débora Rodrigues
Nem um pouco dramático. 😂😂😂😂
2025-01-22
4
Débora Rodrigues
Ele vai acabar descobrindo que a Elena já sabe tudo que irá acontecer. As atitudes dela estão muito diferentes do esperado.
2025-01-22
3