Assim que Niel entrou na loja, o senhor já parecia estar esperando por ele atrás do balcão. Ele se aproximou, tentando parecer confiante.
— Olá, senhor. Lembra de mim? — perguntou Niel.
O idoso sorriu, assentindo. — Claro que sim. Achei que você fosse se atrasar no primeiro dia de trabalho.
— Não mesmo. Por onde eu começo? — perguntou Niel, ansioso para ser útil.
— Começa me chamando pelo meu nome, que é Gugu — disse o senhor, com um tom leve.
— Desculpa, senhor Gugu — respondeu Niel, um pouco sem jeito.
— Arrume os produtos nas prateleiras, verifique os preços, deixe o ambiente limpo e não esqueça de conferir a validade dos produtos — explicou Gugu, apontando para o corredor principal.
— Ok, entendi — respondeu Niel, já indo para as tarefas.
Ele passou algumas horas ocupado, organizando tudo conforme as orientações. Depois de um tempo, Gugu o chamou.
— Garoto, venha cá.
Niel se aproximou, e o senhor lhe entregou um doce.
— Isso aqui é pra você. Vai tirar essa preocupação do rosto.
— Obrigado, senhor Gugu — disse Niel, aceitando o doce com um sorriso.
O idoso olhou para ele, avaliando-o por um momento antes de perguntar:
— Sempre vejo você por aqui. Mora com seus pais?
Niel abaixou a cabeça, a voz saindo baixa. — Não... eles morreram quando eu era muito novo.
— Lamento muito — respondeu o senhor, genuinamente.
Houve um momento de silêncio antes de Gugu continuar:
— Eu só tenho essa lojinha aqui. Depois que minha esposa morreu, meus filhos me abandonaram. E meu netinho, que morava comigo, ele...
Gugu parou, sua voz falhando. Ficou em silêncio por alguns segundos, olhando para o chão.
— Ele tirou a própria vida. Não sei por que ele fez aquilo.
Niel sentiu um nó na garganta. Aproximou-se do senhor e o abraçou, tentando transmitir algum conforto. Depois de alguns minutos, Gugu se afastou, limpando os olhos rapidamente, e se sentou.
— Você me lembra muito ele — disse o idoso, olhando para Niel com uma expressão melancólica.
— Sério? — perguntou Niel, surpreso.
— Sim. Ele era magrinho, usava óculos e era pequenininho, como você. Naquela época, ele chegava em casa tarde e cheio de hematomas no corpo. Cada dia que passava parecia que piorava. Como eu precisava cuidar da loja, não tinha tempo para perguntar o que estava acontecendo. Então, um dia, os policiais vieram me dizer que ele havia se jogado da ponte na praça...
As palavras atingiram Niel como um soco. Ele se lembrou do momento em que esteve naquela mesma ponte, pensando em fazer o mesmo. Olhou para Gugu e pensou: *Nós fazemos isso para aliviar nossa dor, mas esquecemos da dor de quem fica.*
— O senhor me lembra muito meu avô — disse Niel, dando um sorriso sincero.
Gugu olhou para ele, surpreso, mas com os olhos brilhando. — Sério? Muito obrigado, garoto.
Depois de um momento, ele suspirou e sorriu. — Vamos voltar ao trabalho, então.
Horas se passaram, e Niel olhou para o relógio, notando que já eram quase 19 horas. O senhor Gugu se aproximou e, com um tom calmo, disse:
— Garoto, preciso dar uma saída. Cuida da loja. Qualquer coisa, é só me ligar.
— Está tudo bem, senhor. Não se preocupe — respondeu Niel, tentando parecer confiante.
Depois que o senhor saiu, Niel se sentou na cadeira atrás do balcão, aproveitando um momento de descanso. Mas o som do sino da porta sendo aberta interrompeu sua tranquilidade.
Ele ergueu os olhos e congelou ao ver o grupo de garotos que fazia bullying com ele no ensino médio entrando na loja. O líder do grupo o avistou e imediatamente se aproximou, com um sorriso provocador.
— Olha só quem encontramos aqui — disse o líder, com um tom debochado. — Eu queria tanto te encher de porrada, mas aqueles seus amigos são muito problemáticos. Então, vamos levar algumas coisas aqui da lojinha do "avôzinho" do nosso falecido "amigo".
O grupo de garotos riu, fazendo piada da situação. Niel sentiu o estômago revirar de raiva e tristeza, mas se manteve firme.
— Como vocês conhecem ele? — perguntou Niel, a voz saindo quase como um sussurro. — Por acaso vocês...
O líder interrompeu, rindo. — Nós só pegávamos um pouco no pé dele, sabe? Mas ele era muito fraco. Não aguentou as brincadeiras e pulou da ponte.
Os risos do grupo ecoaram pela loja, e o líder continuou:
— Naquele dia, achamos que ele queria se livrar da gente. Mas, na verdade, ele só queria se matar mesmo.
Aquelas palavras foram como uma faca para Niel. Ele viu a cena se repetindo em sua mente: ele mesmo, naquela ponte, pensando em acabar com tudo. Sentindo a raiva transbordar, ele se aproximou do líder e deu um soco forte no rosto dele, fazendo o garoto cair no chão.
— Por que vocês fizeram isso? — gritou Niel, os olhos cheios de lágrimas.
O restante do grupo recuou, surpreso, mas o líder se levantou, tocando o rosto onde tinha sido atingido.
Nesse momento, o senhor Gugu voltou para a loja e viu a cena: Niel, cheio de raiva, e o líder no chão.
— O que está acontecendo aqui? — perguntou Gugu, claramente confuso. — Por que você está batendo nos clientes?
O líder apontou para Niel, com um sorriso cínico. — Vou denunciar esse lugar por agressão. Diga adeus ao seu emprego.
Ele se aproximou de Niel, murmurando baixinho: — Você está ferrado.
O grupo saiu da loja, rindo e fazendo piada da situação, enquanto o senhor Gugu olhava para Niel com uma expressão de decepção.
— O que aconteceu aqui, garoto? — perguntou o senhor, com a voz séria. — Eu confiei em você. Por que bater nos clientes?
Niel tentou explicar, ainda tremendo de raiva. — Senhor, eu posso explicar. Foram eles! Foram eles que fizeram aquilo com o seu neto.
Mas Gugu o interrompeu, balançando a cabeça. — Pare de usar meu falecido neto como desculpa para suas atitudes.
Niel tentou responder, mas o senhor levantou a mão, impedindo-o.
— Vá embora da minha loja. E não volte mais.
As palavras atingiram Niel como um soco. Ele olhou para o senhor Gugu, mas percebeu que nada que dissesse mudaria a situação.
Niel saiu da loja perdido em pensamentos, tentando encontrar uma solução para pagar a dívida enquanto as lembranças do garoto que tirou a própria vida o assombravam. Ele começou a lembrar do seu próprio tempo na escola, do quanto ele também foi maltratado e humilhado.
Enquanto caminhava pelas ruas, lágrimas escorriam por seu rosto. Ele passou a mão sobre os olhos, tentando limpar as lágrimas, mas as memórias continuavam vindo, cada vez mais dolorosas.
Ele se lembrou da vez em que jogaram sopa quente na sua cabeça, do dia em que o trancaram em uma banheira de gelo até ele quase perder a consciência. As risadas deles ecoavam em sua mente como um pesadelo interminável. E aquela vez... quando o forçaram a beber algo horrível e viscoso, só pelo prazer de vê-lo sofrer.
A respiração de Niel começou a ficar irregular, acelerada, enquanto ele era consumido pelas memórias. Ele subia as escadas para sua casa, mas as imagens o desconcentravam, e ele tropeçou, perdendo o equilíbrio. Era uma queda que poderia ter sido fatal, mas, de repente, uma mão firme o segurou.
— Eu estou aqui. Não precisa se preocupar. Já cheguei.
Niel reconheceu a voz de imediato. Ele se virou e, sem pensar, se jogou nos braços de Gusta, abraçando-o com força enquanto lágrimas desciam pelo seu rosto.
— Por que você não me respondeu? — perguntou Niel, soluçando. — Eu estava tão preocupado... Aonde você estava? Por que eles fizeram aquilo com o garoto? Por que com o avô dele? Por que eu tenho que viver assim?
Gusta segurou Niel firmemente nos braços, balançando-o levemente como se tentasse acalmá-lo.
— Abre os olhos, Niel. Respira. Volte para mim — disse Gusta, com um tom firme, mas carregado de preocupação. — Não fique preso no passado.
Niel não respondia, ainda preso na ilusão de suas memórias dolorosas. Vendo que as palavras não bastavam, Gusta segurou o rosto de Niel com as duas mãos e, sem hesitar, o beijou profundamente.
O calor do toque e do corpo de Gusta trouxe Niel de volta à realidade. Ele piscou os olhos, confuso, mas sua respiração começou a se estabilizar. Sentiu-se ancorado pelo abraço forte de Gusta, como se, pela primeira vez, houvesse um porto seguro em meio à tempestade.
Depois do beijo, Gusta olhou nos olhos de Niel. — Você está bem agora?
Niel assentiu levemente, ainda segurando Gusta com força.
— Vamos estar — respondeu Gusta com firmeza.
Ele então o pegou no colo, sem dar espaço para protestos, e começou a subir as escadas com Niel nos braços. Niel, cansado emocionalmente, deixou-se levar, sentindo o coração um pouco mais leve, ainda que cheio de perguntas e medos.
Continua....
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Atualizado até capítulo 63
Comments
Bk Ms
Eu já estou desconfiando desse nome Gugu e igual a gusta ele deve ser pai do gusta
2025-01-07
2