0.4

No dia seguinte, Niel acordou com o corpo pesado e a dor latejando na lateral. Ele tentou se virar na cama, mas o movimento foi o suficiente para fazer um gemido escapar de seus lábios. Lentamente, ele levantou a camisa e examinou o local onde havia levado o soco. O hematoma estava grande, com uma coloração roxa e avermelhada que se espalhava de forma assustadora.

— Droga... — murmurou, enquanto passava os dedos cuidadosamente ao redor da área, sentindo o calor e a dor pulsante. Sua atenção foi para a cicatriz da cirurgia no pulmão, que parecia mais sensível do que nunca. A preocupação começou a tomar conta.

Ele se forçou a sair da cama, mesmo com a dor dificultando cada movimento. Olhando para o relógio na parede, percebeu que já estava atrasado para a universidade.

— Ótimo... — disse, soltando um suspiro. Mas o incômodo em sua lateral o fez parar e reconsiderar.

O hematoma parecia mais grave do que ele queria admitir, e a dor não estava diminuindo. Ele sabia que não era algo que podia ignorar.

— Acho melhor ir ao médico... — decidiu, pegando seu casaco e tentando se convencer de que era apenas algo simples.

Niel estava deitado na cama do consultório, encarando o teto branco enquanto o som dos aparelhos ao seu redor preenchia o silêncio. O soro gotejava lentamente no tubo conectado ao seu braço, e o peso da faixa apertada ao redor de seu tórax o lembrava do hematoma e de tudo o que havia acontecido.

Ele soltou um suspiro longo e dolorido, sentindo o cansaço não apenas no corpo, mas na alma.

— Depois do câncer no pulmão aos 12 anos, parece que minha vida virou de cabeça para baixo — murmurou para si mesmo, a voz carregada de melancolia. — Minha mãe foi a primeira... uma bala perdida quando voltava para casa. Depois veio minha avó, que se foi por causa da idade. E logo depois... meu pai, me deixando uma dívida de milhões para pagar.

Ele apertou os olhos, tentando conter as lágrimas que ameaçavam cair, mas a dor emocional era tão intensa quanto a física.

— E agora... um mafioso quer brincar comigo como se eu fosse um brinquedo descartável — continuou, a voz falhando. — Como se minha vida já não fosse complicada o suficiente.

Niel suspirou novamente, o cansaço evidente em cada palavra.

— Às vezes, eu penso que deveria desaparecer. Ir para algum lugar onde eu não precisasse fazer nada, apenas... descansar. Um lugar onde esse vazio no meu coração pudesse desaparecer.

Enquanto ele falava, uma lágrima silenciosa escorreu pelo canto de seu rosto. Ele a deixou cair, sem fazer esforço para enxugá-la.

Nesse momento, a porta do consultório se abriu, e o médico entrou com um olhar sério, segurando uma prancheta.

— Paciente Niel? — chamou, interrompendo os pensamentos sombrios do garoto.

O médico se aproximou da cama, puxando uma cadeira para sentar ao lado de Niel. Com um tom calmo, mas sério, começou:

— Niel, eu preciso te dizer algo. Fizemos os exames necessários, e, no geral, você está bem, muito bem. No entanto, notamos algo que precisa ser discutido.

Niel sentiu o corpo se enrijecer, o coração disparando. Ele manteve o olhar fixo no teto, como se isso pudesse evitar as palavras que sabia que viriam.

— Notei que você ficou quase três anos sem vir fazer uma revisão do seu caso — continuou o médico. — O câncer exige acompanhamento contínuo, especialmente no seu histórico.

Niel virou o rosto, encarando o médico com um olhar cansado e cheio de resignação.

— Senhor, eu estava trabalhando para conseguir o dinheiro dos medicamentos. O que sobrava não era suficiente para pagar as consultas de revisão — explicou, a voz embargada.

O médico suspirou, compreendendo a situação.

— Entendo sua posição, Niel. Sei como pode ser difícil equilibrar tudo isso. Mas precisamos ser honestos aqui... — Ele pausou por um momento, observando a reação de Niel. — O câncer voltou.

Niel piscou lentamente, o mundo ao seu redor parecendo desacelerar enquanto tentava absorver as palavras.

— Dessa vez, ele está se espalhando aos poucos novamente ao redor do pulmão — continuou o médico, o tom ainda calmo, mas agora com um peso evidente. — Precisamos começar o tratamento o mais rápido possível.

Niel engoliu em seco, sentindo um nó na garganta. Ele sabia que não podia fugir disso, mas a realidade era esmagadora.

— Ok, senhor... — respondeu, sua voz mal saindo, quase um sussurro.

Assim que o médico anotou algo em sua prancheta e se afastou, Niel abaixou a cabeça, e as lágrimas começaram a escorrer. Eram quentes, deslizando silenciosamente por seu rosto enquanto ele apertava as mãos contra os lençóis.

O medo que ele tinha carregado por tanto tempo, a possibilidade do câncer voltar, agora era real novamente. Ele se sentia como se estivesse afundando em um oceano sem fim, preso entre a dor do passado e a incerteza do futuro.

Enquanto as lágrimas continuavam a cair, ele sussurrou para si mesmo, quase inaudível:

— Por que de novo? Eu não sei se consigo...

A noite estava fria quando Niel finalmente deixou o hospital, o peso das notícias ainda esmagando seu peito. Ele caminhava sem rumo, as mãos enfiadas nos bolsos, enquanto as luzes da cidade pareciam mais distantes do que nunca. A sensação de estar completamente sozinho crescia como uma sombra dentro dele, apertando seu coração até que lágrimas silenciosas começassem a escorrer novamente por seu rosto.

Quando chegou à Ponte Central, parou por um momento. O local era lindo, com as luzes refletindo na água abaixo e o céu estrelado acima. Era uma paisagem que deveria trazer paz, mas, para Niel, só acentuava o vazio que sentia.

— Por que todo mundo aqui parece tão feliz, enquanto eu estou vivendo no abismo? — ele murmurou, observando as pessoas ao redor.

Seu olhar pousou em um casal próximo, rindo e trocando olhares cúmplices. O amor e a cumplicidade entre eles eram quase palpáveis, e isso só fez o peito de Niel doer mais.

— Todo mundo tem alguém em quem pode confiar, alguém ao seu lado... menos eu.

Ele desviou o olhar, tentando evitar o aperto na garganta, mas acabou vendo um pouco mais adiante um pai e uma mãe brincando com uma criança pequena. O garotinho, de cerca de dois anos, soltava gargalhadas que enchiam o ar com uma alegria inocente e pura.

Niel esboçou um sorriso fraco, mas ele desapareceu tão rápido quanto surgiu. — Eu só queria meus pais nesse exato momento... — murmurou, a voz embargada. — Só queria que eles estivessem aqui para me dar um abraço e dizer que está tudo bem.

Ele caminhou até a barra da ponte e se inclinou, olhando para baixo. As águas escuras refletiam as luzes da cidade como um espelho distorcido. A distância não parecia tão grande, mas a ideia de cair ali parecia tão tentadora quanto assustadora.

— Daqui de cima para lá embaixo não parece ser tão alto — disse para si mesmo, sua voz ecoando fraca na solidão. — Talvez eu devesse pular... acabar com essa dor de uma vez por todas.

Ele ficou ali, parado, encarando o vazio, enquanto sua mente lutava entre o desespero e o medo. Respirou fundo, fechou os olhos, mas as lágrimas começaram a cair novamente, pesadas e quentes. Ele não conseguia.

Finalmente, ele se agachou no chão da ponte, abraçando os joelhos enquanto soluçava.

— Covarde... — sussurrou para si mesmo, as palavras carregadas de ódio e tristeza. — Você não consegue nem isso.

Niel subiu as escadas com passos lentos, como se o peso de toda sua vida estivesse preso aos seus pés. O vazio no peito continuava latejando, a escuridão que sentia parecia não ter fim. Quando chegou ao topo, viu a porta de casa aberta novamente. Seu coração deu um salto, e a irritação misturada ao cansaço tomou conta de si.

— De novo não... — murmurou, seguindo em direção à porta.

Ao abrir, encontrou Gusta mais uma vez. Ele estava sentado no mesmo lugar de antes, mas, dessa vez, havia algo diferente: a expressão séria em seu rosto. Não era a usual provocação; havia uma sombra de preocupação ou talvez raiva.

— Você está aqui novamente? — Niel questionou, largando sua mochila sobre a mesa com força. — Vai ficar invadindo a minha casa até quando?

Gusta não respondeu de imediato, apenas continuou o observando com aquele olhar penetrante que parecia enxergar além da pele. Quando finalmente abriu a boca, a voz veio mais grave que o normal.

— Onde você estava? Não apareceu no colégio. Está tentando fugir de mim? Esqueceu que isso é impossível?

Niel suspirou, evitando o olhar de Gusta. — Estava resolvendo alguns problemas pessoais.

— Que problemas pessoais? — Gusta insistiu, estreitando os olhos.

Niel parou e encarou o chão, a voz saindo mais seca que pretendia. — Se eu falei que é pessoal, é porque ninguém tem que saber.

O silêncio se instalou por um segundo antes de Gusta se levantar, avançando até Niel com passos firmes. Antes que Niel pudesse reagir, ele o agarrou pelo pulso, e os dois caíram no chão em um movimento rápido.

— O que você está fazendo?! — Niel exclamou, tentando se soltar, mas Gusta estava por cima dele, prendendo-o com facilidade.

Gusta inclinou-se, o rosto próximo ao dele, e sorriu de lado, embora a expressão continuasse carregada.

— Estou tentando ser educado com você, meu ratinho... Mas você está dificultando as coisas. Onde você esteve?

Antes que Niel pudesse responder, Gusta colocou a mão sobre o peito dele e pressionou com força. O corpo de Niel reagiu imediatamente, contorcendo-se de dor.

— Agh! — Niel gritou, tentando afastar a mão de Gusta.

Gusta franziu o cenho, sentindo a reação incomum. — O que é isso?

Sem dar tempo para Niel reagir, ele puxou a camisa do garoto com força, revelando um grande curativo sobre o peito, bem no local onde o hematoma estava mais escuro.

Os olhos de Gusta se arregalaram, e ele imediatamente saiu de cima de Niel, ficando de joelhos ao lado dele. A surpresa e o choque estavam claros em seu rosto.

— O que aconteceu com você? — Gusta perguntou, o tom de voz mais baixo, quase preocupado.

Niel virou o rosto para o lado, evitando encará-lo. — Não aconteceu nada. Só me machuquei...

— Não minta para mim, Niel — Gusta respondeu, a voz mais firme agora. — Isso não é só um machucado.

Niel fechou os olhos, sentindo as lágrimas ameaçarem cair de novo. Ele odiava aquilo, odiava parecer frágil, principalmente na frente de Gusta.

— Não é da sua conta — murmurou, a voz embargada.

Gusta permaneceu em silêncio, observando o garoto à sua frente. Pela primeira vez, ele não parecia o garoto provocador e cruel de sempre. Ele parecia... humano.

— Quem fez isso com você? — Gusta perguntou, mais sério agora, como se já começasse a juntar as peças.

Niel não respondeu. Ele apenas continuou ali, encolhido no chão, tentando ignorar o peso do olhar de Gusta sobre ele.

Gusta respirou fundo e, com uma calma que parecia incomum para ele, pegou a camisa de Niel e abaixou novamente sobre o curativo, sem dizer mais nada. Ele se levantou e passou as mãos pelos cabelos, visivelmente irritado, mas sem direcionar a raiva a Niel.

CONTINUA...

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Comments

Daniela Rodrigues

Daniela Rodrigues

pra que ele vai mostra preocupação se ele vai só usá-lo e abandonar ele.

2024-12-31

1

cicatriz no pulmão?? o que houve?

2025-02-20

1

😱

2025-02-20

1

Ver todos

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