Highlander
As árvores altas projetavam sombras irregulares sob o céu encoberto. O ar era denso, pesado, quase palpável, como se a floresta respirasse ao redor de Rhaedrin Skarne. Ele seguia pela trilha estreita, o som de suas botas abafado pelo musgo que cobria o chão. As folhas acima balançavam com o vento, criando uma sinfonia suave que contrastava com a tensão no ar.
Rhaedrin carregava sua espada negra às costas, o cabo esculpido em um desenho simples, mas robusto, que se ajustava perfeitamente à sua mão. O manto escuro caía sobre os ombros largos, surrado pelas viagens. A textura rústica da lã era marcada por bordados que narravam histórias de seu clã, um legado que o acompanhava onde quer que fosse.
Ele estava ali para cumprir um contrato. Um vilarejo havia sido destruído, e os rumores falavam de uma criatura que atacava durante a noite, deixando apenas cinzas e silêncio. O trabalho de um Highlander não era questionar ou lamentar. Era caçar.
Quando chegou à clareira onde o vilarejo deveria estar, encontrou um campo de destroços. As casas estavam reduzidas a escombros, os telhados queimados, e o cheiro de fuligem ainda pairava no ar. Ele parou no centro, os olhos analisando cada detalhe. Não havia corpos, nem sangue, apenas destruição. Isso tornava tudo ainda mais inquietante.
O silêncio foi rompido por um som fraco, quase imperceptível. Rhaedrin virou-se na direção de uma cabana parcialmente de pé. O ruído parecia um soluço, baixo e irregular. Ele caminhou até a entrada, a mão repousando no cabo da espada, mas não a puxou.
— Quem está aí? — Sua voz cortou o ar, calma, mas com autoridade.
Após alguns segundos de hesitação, uma garota emergiu da sombra. Seus cabelos ruivos estavam emaranhados, e o vestido simples que usava estava sujo e rasgado. Os olhos verdes encontraram os de Rhaedrin com uma mistura de medo e alívio.
— Você... você não é um deles, é? — A voz dela era trêmula.
— Não sou. — Ele avaliou a figura à sua frente, buscando sinais de perigo, mas tudo que viu foi uma jovem assustada. — Como sobreviveu?
Ela abraçou os próprios braços, tremendo. — Eu me escondi. Quando ele veio... eu corri para a floresta. Mas não tenho para onde ir.
Rhaedrin não respondeu imediatamente. Seus olhos percorreram o local novamente, atentos a qualquer movimento. A presença dela complicava as coisas. Highlanders não eram feitos para proteger pessoas; eles eliminavam ameaças e seguiam em frente. Mas deixá-la ali não era uma opção.
— Seu nome? — perguntou ele.
— Lyana.
Antes que pudesse dizer mais, o som quebrou o silêncio ao redor. Um rugido profundo e ressonante ecoou pela floresta, seguido pelo som de galhos quebrando e folhas farfalhando. Rhaedrin virou-se na direção do som, puxando a espada com um movimento fluido. O brilho opaco da lâmina negra refletiu a luz fraca que atravessava as nuvens.
— Fique aqui. Não saia por nada. — Ele lançou um olhar rápido para Lyana antes de avançar em direção ao som.
A criatura emergiu da linha de árvores como uma mancha viva. Seu corpo era uma massa grotesca de carne e ossos expostos, coberto por uma substância escura que parecia escorrer e evaporar ao mesmo tempo. Os olhos brilhavam em um tom vermelho intenso, fixando-se em Rhaedrin com uma intenção quase humana.
Ele assumiu posição, a espada firme em suas mãos. O monstro avançou, cada passo pesado fazendo o chão tremer. Rhaedrin desviou do primeiro ataque, um golpe de uma das garras maciças que destruiu uma árvore próxima. Ele girou a lâmina em um arco perfeito, acertando a lateral da criatura, mas a pele grotesca parecia resistir ao corte.
A batalha era feroz. Rhaedrin movia-se com precisão, seus golpes ecoando no ar, enquanto a criatura o atacava com selvageria. Cada desvio era milimétrico, cada golpe calculado. O som da luta preenchia a clareira, misturando-se ao rugido da besta e ao impacto de golpes contra o solo.
Lyana observava de longe, os olhos arregalados. O Highlander era uma força da natureza, sua figura escura movendo-se como se fosse parte da sombra que o cercava. Mas ela podia ver o cansaço começando a se manifestar nos movimentos dele.
Com um movimento rápido, Rhaedrin desferiu um golpe direto no pescoço da criatura. A lâmina negra atravessou a carne, e o rugido final foi abafado enquanto o monstro caía. O corpo começou a se desintegrar, dissolvendo-se em uma substância escura que desaparecia no ar.
Rhaedrin recuou alguns passos, respirando fundo. Ele limpou a espada com um pedaço de tecido antes de colocá-la de volta às costas. Então virou-se para Lyana, que ainda estava imóvel.
— Você matou aquilo... sozinho? — A voz dela era um misto de incredulidade e fascínio.
— É o meu trabalho. — Ele começou a caminhar de volta pela trilha, mas parou quando ouviu os passos dela seguindo atrás.
— Espere. Por favor. Não posso ficar aqui.
Ele olhou por cima do ombro, avaliando-a por um momento. Ela parecia frágil, mas havia uma determinação em seus olhos que ele não podia ignorar.
— Se quiser vir, mantenha o ritmo. Não vou esperar por você. — E continuou caminhando.
Lyana hesitou por um instante antes de segui-lo. Ela sabia que aquele era o único caminho que lhe restava, mesmo que o destino fosse incerto.
O céu começou a escurecer enquanto Rhaedrin e Lyana caminhavam pela trilha sinuosa que levava para fora da floresta. A luz fraca do sol poente projetava sombras longas sobre as árvores, e o som abafado de seus passos era o único ruído que preenchia o silêncio opressor.
Rhaedrin mantinha os olhos fixos no caminho à frente, sua mão ainda próxima ao cabo da espada. A presença de Lyana era uma complicação que ele não havia planejado, mas algo na determinação dela o impedia de mandá-la embora. Ele não tinha tempo para entender por que.
— Para onde estamos indo? — perguntou Lyana, quebrando o silêncio. Sua voz era baixa, hesitante, como se temesse a resposta.
— Para longe daqui, — respondeu Rhaedrin, sem olhar para ela.
— Isso não ajuda muito.
Ele parou abruptamente e virou-se para ela, os olhos cinzentos fixando-se nos dela com uma intensidade que fez Lyana recuar meio passo.
— Você está viva porque eu decidi deixar você vir. Então me poupe das perguntas.
Ela engoliu em seco, mas não recuou mais. Havia algo nos olhos dele — uma mistura de exaustão e algo mais profundo, algo que ela não conseguia nomear.
— Eu só... não quero ser um peso.
— Então não seja.
Sem mais palavras, ele voltou a caminhar. A trilha se tornava mais íngreme, as árvores dando lugar a formações rochosas que subiam como muralhas naturais ao redor deles. A cada passo, a sensação de serem observados crescia, um peso invisível que pressionava os ombros de Lyana.
— Isso sempre acontece? — Ela finalmente quebrou o silêncio novamente, olhando ao redor como se esperasse ver algo surgir das sombras.
— O quê? — perguntou ele sem se virar.
— Esse silêncio... esse sentimento de que algo está nos espreitando.
— É o mundo, — respondeu ele simplesmente. — Está cheio de coisas que preferimos não ver.
O comentário a deixou em silêncio. Não havia como argumentar com algo tão absoluto.
Quando a noite caiu completamente, Rhaedrin encontrou um local protegido entre as rochas para descansarem. Ele começou a preparar um pequeno fogo, suas mãos experientes manipulando gravetos e pedras para acender as chamas sem esforço. Lyana observava, sentada de lado, os joelhos puxados contra o peito.
— Você faz isso com frequência? — perguntou ela, tentando romper o silêncio pesado.
Ele não respondeu imediatamente. Depois de um momento, ele apenas disse:
— O suficiente para saber que não importa onde estou, sempre há algo esperando para matar.
Ela franziu o cenho, abraçando os próprios braços.
— Deve ser solitário.
Ele parou por um momento, os olhos fixos nas chamas que começavam a crescer.
— Solitário é uma palavra gentil.
Por um instante, ela sentiu vontade de perguntar mais, de entender por que alguém escolheria uma vida assim. Mas antes que pudesse falar, um som baixo veio das rochas próximas.
Rhaedrin levantou-se imediatamente, a espada já em mãos antes que Lyana pudesse perceber o movimento. Ele sinalizou para que ela ficasse em silêncio, os olhos varrendo as sombras ao redor.
— Fique perto do fogo, — disse ele em um tom baixo, sem desviar o olhar das rochas.
Lyana obedeceu, seus olhos arregalados enquanto o silêncio da noite se tornava pesado demais. O som repetiu-se, um arrastar irregular que parecia vir de algo grande.
Rhaedrin avançou alguns passos, os músculos tensos como um arco prestes a disparar. Ele sabia que a floresta nunca estava realmente vazia. E, ao longe, entre as sombras, algo começou a se mover.
Ele apertou o cabo da espada, os olhos fixos na escuridão que se adensava ao redor deles.
— Prepare-se, — murmurou ele.
Lyana segurou a respiração, seu corpo congelado pela antecipação. Naquele momento, ela percebeu que viajar com um Highlander era estar sempre à beira de um abismo.
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Atualizado até capítulo 20
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