Ecos das Sombras

A trilha sinuosa que levava para fora da floresta parecia não ter fim. O ar estava mais frio naquela manhã, e uma leve neblina cobria o solo úmido, abafando os sons dos passos. Rhaedrin caminhava à frente, sua postura ereta e constante, como se o peso da espada às costas fosse parte de seu próprio corpo. Lyana o seguia alguns metros atrás, tentando manter o ritmo, mas cada passo parecia mais pesado do que o anterior.

Ela apertou o manto que Rhaedrin havia lhe dado na noite anterior. O tecido era áspero, cheirando a couro e cinzas, mas trazia um conforto inesperado. Seus pés descalços estavam sujos e machucados, mas ela não reclamava. Sabia que, para continuar viva, precisava seguir em frente.

O silêncio entre os dois era quase palpável, interrompido apenas pelo canto distante de um pássaro ou pelo estalar de galhos secos sob os pés de Lyana. Apesar disso, ela sentia a tensão no ar, como se o próprio ambiente os observasse.

— Você está muito quieta, — disse Rhaedrin, sem olhar para trás.

Lyana hesitou antes de responder. — Não sei o que dizer.

— Não precisa dizer nada, — ele respondeu com simplicidade. — Apenas continue andando.

Ela queria perguntar mais, queria entender quem era aquele homem que parecia carregar o mundo nos ombros, mas algo na postura dele a impedia. Não era hostilidade, mas uma barreira invisível, como uma muralha que ele havia erguido entre ele e o resto do mundo.

Quando a trilha finalmente abriu para um pequeno vale, o cenário mudou drasticamente. A grama era baixa e coberta de orvalho, brilhando sob a luz fraca do sol que lutava para atravessar as nuvens. No centro do vale, uma árvore solitária se erguia, seus galhos torcidos parecendo mãos esqueléticas apontando para o céu.

Rhaedrin parou, seus olhos fixos na árvore. Lyana quase esbarrou nele, mas conseguiu parar a tempo.

— O que foi? — perguntou ela, olhando ao redor, tentando entender o que ele estava vendo.

— Não estamos sozinhos. — A resposta veio curta, mas o suficiente para fazer o coração dela disparar.

Antes que ela pudesse perguntar mais, um movimento rápido chamou sua atenção. Das sombras projetadas pela árvore, uma figura surgiu. Era um homem, ou pelo menos algo que se parecia com um. Sua pele era pálida e fina, quase translúcida, e seus olhos brilhavam com um tom amarelado. Vestia uma armadura leve de placas escuras, corroídas pelo tempo, e carregava duas lâminas curvas que pareciam cintilar à luz do sol.

— Um caçador de recompensas, — disse Rhaedrin, mais para si mesmo do que para Lyana.

O homem sorriu, um gesto que não tinha nada de caloroso.

— Faz tempo que não cruzo com um Highlander. — Sua voz era baixa e arrastada, como o sussurro de folhas mortas. — Me disseram que você estaria aqui.

Rhaedrin não respondeu. Ele apenas deu um passo à frente, a mão já no cabo da espada.

— Você sabe por que estou aqui, não sabe? — continuou o homem, balançando uma das lâminas casualmente. — Aquele contrato. Aquele que você tomou. Alguém pagou muito para garantir que ele não fosse cumprido.

Lyana olhou para Rhaedrin, esperando uma reação. Ele parecia inabalável, mas ela podia ver seus dedos apertando o cabo da espada com mais força.

— Você deveria ter ficado fora disso, — disse Rhaedrin finalmente, sua voz fria como o vento.

O caçador riu, um som seco e desagradável.

— Highlanders sempre tão confiantes. Vamos ver se essa sua fama é merecida.

A batalha começou sem aviso. O caçador avançou com velocidade impressionante, suas lâminas girando em um arco perigoso. Rhaedrin desviou por um triz, a espada negra saindo da bainha em um movimento fluido. O som do metal contra metal ecoou pelo vale, cortando o silêncio como uma lâmina invisível.

Lyana recuou instintivamente, os olhos arregalados enquanto observava a luta. Rhaedrin movia-se com uma precisão assustadora, cada golpe desferido com uma força controlada. O caçador, por outro lado, era rápido, ágil, suas lâminas dançando ao redor do Highlander em tentativas de encontrar uma brecha.

O som da respiração pesada dos dois combatentes preenchia o ar, misturando-se ao impacto das lâminas. A espada negra parecia pulsar com uma energia própria, seus golpes emitindo um brilho fraco que desaparecia tão rápido quanto surgia.

Rhaedrin finalmente encontrou sua abertura. Com um giro rápido, ele desarmou o caçador de uma das lâminas, que caiu ao chão com um estrondo. Antes que o homem pudesse reagir, a espada negra estava em sua garganta.

— Diga quem te enviou, — ordenou Rhaedrin, sua voz firme.

O caçador riu novamente, mas dessa vez havia algo de estranho em seu tom.

— Você realmente acha que isso importa? Eles sempre enviarão outro... e outro.

Rhaedrin não hesitou. Com um movimento rápido, ele cravou a lâmina na garganta do homem, silenciando-o para sempre.

O corpo caiu ao chão, e o silêncio voltou a dominar o vale. Rhaedrin limpou a espada na capa antes de colocá-la de volta às costas.

— Isso foi... — começou Lyana, mas sua voz falhou.

— Apenas o começo, — respondeu Rhaedrin, sem olhar para ela.

Ele começou a caminhar novamente, e Lyana, mesmo com as pernas tremendo, seguiu. Ela sabia que aquele era o único caminho que lhe restava, mesmo que a estrada à frente estivesse mergulhada em sombras.

Enquanto caminhavam, o vento pareceu se erguer, trazendo consigo o som distante de folhas balançando e galhos se chocando. O vale ficou para trás, e a trilha os conduziu para uma encosta rochosa. Rhaedrin caminhava à frente, o ritmo constante de seus passos ecoando na pedra sob os pés. Ele era uma figura quase espectral contra o horizonte nebuloso, sua capa esvoaçando suavemente a cada rajada de vento.

Lyana seguia atrás, os pés ainda doloridos, mas agora uma determinação silenciosa se fixava em seu rosto. Cada movimento do Highlander parecia meticulosamente planejado, como se ele sentisse o mundo ao redor de uma forma diferente, mais aguda. Ela não sabia o que esperar ao continuar com ele, mas sabia que onde quer que fossem, a segurança era algo que não viria facilmente.

— Ele sabia seu nome. — A voz dela quebrou o silêncio. Era mais uma observação do que uma pergunta, mas a tensão estava ali.

Rhaedrin não respondeu de imediato. Ele parou no topo de um rochedo, observando o horizonte. Sua postura parecia rígida, mas havia algo de melancólico na forma como ele segurava o cabo da espada presa às costas.

— Eles sempre sabem, — respondeu ele, finalmente, sem olhar para ela. — Meu nome está marcado em mais contratos do que posso contar.

— Então é assim que é ser um Highlander? — Ela se aproximou, olhando para ele. — Caçar monstros enquanto é caçado por pessoas?

Ele finalmente se virou para encará-la, os olhos cinzentos brilhando com algo entre cansaço e determinação.

— Ser um Highlander significa não ter para onde voltar. Significa carregar o fardo de fazer o que ninguém mais quer ou consegue. Não é uma vida. É uma sentença.

Lyana engoliu em seco, as palavras dele caindo sobre ela como uma verdade incômoda. Ela tentou desviar o olhar, mas algo na intensidade dele a mantinha presa.

— E mesmo assim você continua, — disse ela em voz baixa.

— Continuo porque alguém precisa. — Ele deu de ombros e voltou a caminhar.

O dia foi se arrastando, e a trilha os levou para uma floresta mais densa. Os galhos das árvores formavam um teto natural acima deles, bloqueando a luz do sol e mergulhando o ambiente em uma penumbra quase sufocante. O ar cheirava a terra molhada e madeira antiga, e o som de água corrente ao longe era o único alívio do silêncio pesado.

Rhaedrin parou de repente, levantando a mão em um gesto para que Lyana ficasse quieta. Ela congelou, os olhos arregalados enquanto tentava entender o que havia chamado a atenção dele.

O som era sutil no início, um estalo aqui e ali, como galhos sendo quebrados por algo pesado. Mas então veio o som mais claro — um rosnado baixo, gutural, que parecia vibrar no ar ao redor deles.

— Não se mexa, — sussurrou ele, sua mão já no cabo da espada.

Do meio da floresta, a criatura apareceu. Era uma fera massiva, com pelo escuro e brilhante como breu. Seus olhos eram amarelos, brilhando como faróis em meio à escuridão. Suas patas eram desproporcionais, cada passo pesado e deliberado, e garras afiadas rasgavam o chão onde pisava.

Rhaedrin deu um passo à frente, colocando-se entre Lyana e o monstro. Ele não disse nada, mas sua postura mudou. Ele era agora uma arma viva, os músculos tensionados como se cada parte de seu corpo estivesse pronta para agir.

A criatura rosnou novamente, e desta vez foi um aviso claro. Ela saltou para frente, rápida demais para algo de seu tamanho, e Rhaedrin mal teve tempo de desviar. Ele girou a espada em um movimento largo, mas a lâmina encontrou apenas o ar.

Lyana, escondida atrás de uma árvore, observava com o coração disparado. A luta era um espetáculo de precisão e brutalidade. Rhaedrin atacava com golpes poderosos, a espada negra cortando o ar com um som agudo, enquanto a criatura respondia com investidas ferozes e garras que pareciam capazes de rasgar pedra.

O impacto das investidas do monstro fazia o chão tremer. Rhaedrin desviava por pouco, usando a lâmina para bloquear os golpes mais perigosos, mas o cansaço começava a aparecer em seus movimentos. Ele recuou, respirando pesado, enquanto o monstro o encarava, os olhos brilhando com uma inteligência cruel.

Lyana apertou as mãos contra o tronco da árvore. Ela queria fazer algo, mas sabia que seria inútil. Ela só podia assistir enquanto o Highlander enfrentava algo que parecia impossível de derrotar.

Então, algo mudou. A espada negra começou a emitir um brilho fraco, quase imperceptível, como se estivesse respondendo à determinação de Rhaedrin. Ele apertou o cabo com mais força, seus olhos fixos na criatura à sua frente.

— Você não vai passar daqui, — murmurou ele, a voz baixa, mas carregada de intensidade.

Com um movimento rápido, ele avançou. O som do metal contra a pele grossa da criatura ecoou pela floresta, e o rugido da fera foi abafado por um golpe preciso. Quando o monstro finalmente caiu, o silêncio voltou, pesado e absoluto.

Rhaedrin ficou parado por um momento, a respiração pesada enquanto observava o corpo inerte da criatura. Ele limpou a lâmina em um pedaço de tecido antes de guardá-la novamente.

Lyana saiu de trás da árvore, os olhos ainda arregalados.

— Você faz isso... o tempo todo?

Ele deu de ombros, passando por ela sem responder.

— Vamos. Não é seguro ficar aqui.

Ela hesitou por um instante antes de segui-lo, a certeza de que sua vida nunca mais seria a mesma crescendo a cada passo.

Rhaedrin ajustou o passo enquanto a trilha o levava para uma área mais aberta. O som de seus passos ecoava suavemente entre as pedras, misturando-se ao murmúrio distante de um riacho. O céu acima ainda estava encoberto, mas pequenas brechas permitiam que raios tímidos de luz iluminassem o chão irregular.

Lyana mantinha-se próxima, mas nunca ao lado. Ela parecia entender instintivamente que aquele não era um homem com quem se caminha lado a lado. Seus olhos corriam entre os arredores e a figura alta à sua frente, buscando um equilíbrio entre curiosidade e medo.

— Quanto tempo até chegarmos a algum lugar seguro? — perguntou, a voz hesitante.

Rhaedrin respondeu sem virar o rosto.

— Não existe um lugar seguro. Só momentos entre os perigos.

Lyana franziu a testa, desacelerando por um instante antes de apressar o passo para não ficar muito atrás.

— Então, para onde estamos indo?

Ele finalmente parou. Virou-se para ela, e pela primeira vez, Lyana viu a exaustão nos olhos dele.

— Para onde o próximo contrato me levar.

Ela abriu a boca para protestar, mas foi interrompida por um som estranho, um farfalhar intenso vindo das árvores próximas. Imediatamente, Rhaedrin ergueu a mão em um gesto para que ela ficasse quieta.

— Fique onde está, — disse ele, sua voz baixa, mas carregada de autoridade.

Ele deu alguns passos para frente, a mão no cabo da espada, os olhos percorrendo cada sombra entre os troncos. O som continuava, irregular, como se algo estivesse rastejando. De repente, o ruído cessou, substituído por um silêncio pesado.

Rhaedrin se manteve imóvel, os músculos tensos, cada fibra de seu corpo pronta para reagir.

— Rhaedrin? — a voz de Lyana era um sussurro.

Antes que ele pudesse responder, algo surgiu das árvores. Não era uma criatura monstruosa como ele esperava, mas um homem, magro e encurvado, com roupas esfarrapadas e um olhar perturbado. Ele parecia estar fugindo de algo.

— Ajudem-me... — disse o homem, a voz trêmula e desesperada. Ele tropeçou e caiu de joelhos, apontando para trás dele. — Está vindo... por favor, vocês precisam...

Rhaedrin ergueu a espada, o brilho fosco da lâmina refletindo a pouca luz disponível. Ele não abaixou a guarda, nem mesmo quando o homem caiu no chão, exausto e em pânico.

— Quem está vindo? — perguntou ele, a voz firme.

O homem balbuciava, incapaz de formar palavras coerentes. Lyana deu um passo à frente, mas Rhaedrin estendeu o braço, bloqueando-a.

— Não confie tão facilmente, — murmurou para ela, sem desviar os olhos do estranho.

Antes que mais pudesse ser dito, o som voltou. Não rastejando, mas agora em um ritmo pesado, acompanhado por um cheiro pútrido que tomou o ar ao redor. Dos arbustos, uma figura grotesca emergiu. Era uma criatura esquelética, com músculos expostos e uma pele cinzenta que parecia brilhar com umidade. Seus olhos eram esferas vazias, mas brilhavam com um tom azulado, como se alguma força sobrenatural os guiasse.

Lyana recuou, o coração disparando.

— O que é isso?

Rhaedrin não respondeu. Ele avançou, sua lâmina cortando o ar enquanto a criatura investia contra ele. O impacto foi brutal, o som do metal contra ossos ecoando pela floresta. O Highlander desviava com uma precisão quase sobre-humana, mas o monstro era rápido, suas garras arranhando o chão e enviando fragmentos de pedra para todos os lados.

— Fique atrás das pedras, — gritou ele para Lyana, sem tirar os olhos da criatura.

Ela obedeceu, mas continuava assistindo, cada golpe e movimento gravados em sua mente. Era como se o mundo inteiro tivesse sido reduzido àquela luta, o som do combate preenchendo o espaço ao seu redor.

Com um último golpe, Rhaedrin cravou a espada no peito da criatura, que soltou um grito agonizante antes de desmoronar. A carne começou a se dissolver em uma fumaça escura, desaparecendo no ar.

Ele permaneceu parado por um momento, a respiração pesada. Quando finalmente guardou a espada, voltou-se para o homem caído, que agora chorava silenciosamente.

— Quem enviou isso? — perguntou, mas o homem apenas balançou a cabeça, incapaz de responder.

Rhaedrin olhou para Lyana.

— Vamos. Este lugar vai atrair mais deles.

Ela não protestou. Apenas o seguiu, com o som do vento entre as árvores agora parecendo sussurrar promessas de novos horrores.

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