O sol pairava alto no céu, iluminando o vilarejo com sua luz quente, mas a atmosfera era carregada de inquietação. Casas simples de madeira alinhavam-se ao longo da estrada principal, suas janelas abertas deixando escapar murmúrios de conversas abafadas. No centro da pequena praça, alguns aldeões se reuniam, trocando olhares desconfiados em direção a um homem que estava sentado próximo ao cercado de porcos.
Rhaedrin e Lyana haviam parado no vilarejo para descansar. Após dias na estrada, o cheiro de pão recém-assado e o som distante de risos infantis pareciam quase reconfortantes. Lyana, no entanto, estava mais atenta ao estranho solitário do que ao movimento dos aldeões.
— Quem é ele? — perguntou Lyana, inclinando a cabeça na direção do homem.
Rhaedrin, que estava ajustando a sela de Noctis, nem sequer olhou.
— Não é da nossa conta.
Mas Lyana continuou a observá-lo. O homem parecia fora de lugar, sua figura destacando-se no cenário humilde. Ele tinha cabelos longos e escuros presos de forma desleixada e vestia roupas gastas pelo tempo, mas havia algo em sua postura que a intrigava. Uma espada estava repousada ao lado dele, sua bainha adornada com marcas e cortes que indicavam anos de uso.
— Ele parece um guerreiro, — comentou Lyana, sem tirar os olhos dele.
— Parece um vagabundo, — corrigiu Rhaedrin, com um tom seco.
Ela ignorou o comentário, apertando os olhos como se tentasse entender o que a atraía naquela figura solitária.
— Talvez ele precise de ajuda.
Rhaedrin finalmente ergueu os olhos, cruzando os braços.
— Ou talvez ele seja problema.
Lyana não conseguia ignorar a sensação de que havia algo mais naquele homem. Após uma breve troca de olhares com Rhaedrin, ela caminhou em direção ao cercado onde ele estava sentado. O som suave de seus passos chamou a atenção do homem, que ergueu o olhar com uma expressão de desinteresse.
— Você está bem? — perguntou Lyana, sua voz gentil, mas firme.
Ele a encarou por um momento antes de responder, sua voz rouca e cansada.
— Bem o suficiente.
Lyana franziu a testa, não satisfeita com a resposta.
— Você é um guerreiro, não é?
Um sorriso leve, quase sarcástico, apareceu em seus lábios.
— Era. Agora, sou apenas alguém sem um lugar para ir.
— Sanshoukuin, — respondeu ele, finalmente. — Mas ninguém se dá ao trabalho de lembrar. Chame-me como quiser.
Lyana sentiu um arrepio ao ouvir o nome, mas decidiu não demonstrar. Ela se sentou em um pedaço de madeira próximo, sua curiosidade crescendo.
— Essa espada... você ainda sabe usá-la?
— Quando necessário, — respondeu ele, com um tom que deixava claro que a conversa estava se tornando desconfortável.
Rhaedrin observava de longe, os olhos estreitos enquanto acompanhava a interação. Ele conhecia o tipo. Homens como aquele carregavam histórias de dor e violência, mas também de traição e perigo. Ele não confiava em Sanshoukuin, e a ideia de Lyana se aproximar dele o incomodava.
Quando ela voltou, Rhaedrin a interceptou antes que pudesse dizer qualquer coisa.
— Não.
— Eu não disse nada, — respondeu Lyana, cruzando os braços.
— Nem precisa. A resposta é não, — disse ele, firme. — Não estamos aqui para recrutar ninguém, muito menos um errante que não sabe o que está fazendo.
Lyana bufou, frustrada.
— Ele não é só um errante. Ele é... diferente. Eu sinto isso.
— Seus sentimentos não são uma boa razão para confiar em alguém, — retrucou Rhaedrin, virando-se para ajustar a posição dos cavalos.
Lyana olhou para ele, apertando os lábios.
— Talvez não. Mas isso não significa que devemos ignorá-lo.
Rhaedrin não respondeu, mas a tensão entre eles era palpável. Lyana sabia que convencer Rhaedrin seria difícil, mas algo dentro dela dizia que Sanshoukuin era importante. Ela só precisava encontrar uma forma de provar isso.
Enquanto o sol começava a se pôr, Sanshoukuin ainda estava no mesmo lugar, sua figura sombreada pela luz dourada. Ele parecia perdido em pensamentos, os olhos fixos no horizonte como se procurasse algo que sabia não estar lá.
Lyana o observava de longe, determinada a descobrir mais sobre aquele homem. Algo nela dizia que ele carregava uma força e uma história que poderiam mudar o curso de suas vidas.
E, enquanto a noite caía, ela sabia que a verdadeira batalha seria convencer Rhaedrin a dar uma chance ao errante.
A noite caía lentamente sobre o vilarejo, e as sombras das casas alongavam-se pelas ruas de terra. O mensageiro havia chegado no fim da tarde, entregando um pergaminho lacrado a Rhaedrin. Agora, ele e Lyana estavam na pequena taverna do vilarejo, analisando os detalhes da missão enquanto o ambiente ao redor se enchia do burburinho de aldeões conversando e comendo.
— É uma missão simples, — disse Rhaedrin, olhando para Lyana enquanto desdobrava o pergaminho. — Um grupo de criaturas tem atacado viajantes na floresta ao sul. O vilarejo está preocupado, mas a área não é grande. Devemos lidar com isso antes do amanhecer.
Lyana assentiu, passando os dedos pelas adagas no cinto.
— Vamos levar os cavalos?
Rhaedrin balançou a cabeça.
— Não vale a pena. É perto, e o terreno não é adequado para eles. Voltaremos antes que percebam que saímos.
Ela olhou pela janela para Ardyn e Noctis, amarrados do lado de fora da taverna.
— Eles merecem descansar, então.
Ele não respondeu, apenas terminou de ajustar a armadura leve antes de se levantar.
— Vamos.
A floresta ao sul era densa e escura, mesmo com a lua cheia iluminando o céu. O ar estava úmido, e o som de grilos e corujas criava uma melodia constante que preenchia o silêncio. Rhaedrin liderava o caminho, sua espada descansando nas costas, enquanto Lyana seguia logo atrás, as adagas prontas em suas mãos.
— Que tipo de criatura estamos enfrentando? — perguntou Lyana, sua voz baixa.
— Nada muito grande, mas rápido e inteligente, — respondeu ele, sem virar-se. — Se eles estão atacando em grupo, significa que são mais organizados do que o normal.
Ela apertou as adagas, sentindo o familiar peso do nervosismo antes de uma luta.
— E se não forem apenas criaturas?
Rhaedrin parou, olhando para ela com olhos sérios.
— Então, lidamos com isso.
Eles encontraram os primeiros sinais dos ataques rapidamente. Marcas de garras profundas nas árvores, restos de tecidos rasgados e o cheiro metálico de sangue no ar. Rhaedrin ajoelhou-se, examinando as marcas no chão com cuidado.
— Eles passaram por aqui recentemente, — disse ele, tocando o solo úmido. — Três, talvez quatro.
— Criaturas? — perguntou Lyana, olhando ao redor.
Ele balançou a cabeça.
— Não tenho certeza.
O som de galhos quebrando os fez girar na direção do barulho. Rhaedrin sacou a espada em um movimento fluido, enquanto Lyana assumia uma postura defensiva.
Duas figuras surgiram entre as árvores. Eram criaturas grotescas, suas formas semelhantes a lobos, mas com garras mais longas e olhos brilhando em um vermelho intenso. Elas não atacaram imediatamente, mas observaram, como se avaliassem os dois.
— São mais inteligentes do que eu esperava, — murmurou Rhaedrin, estreitando os olhos. — Fique perto.
Antes que ele pudesse dizer mais, as criaturas avançaram.
A batalha foi rápida e intensa. As criaturas atacaram em sincronia, suas garras tentando encontrar pontos vulneráveis nas defesas de Rhaedrin e Lyana. Rhaedrin desviava e atacava com precisão mortal, enquanto Lyana movia-se com agilidade, suas adagas encontrando os flancos das criaturas em movimentos rápidos.
Quando a última delas caiu, a clareira estava silenciosa novamente. Lyana ofegava, mas havia um brilho de satisfação em seus olhos.
— Não foi tão difícil, — disse ela, limpando uma das adagas em um pedaço de tecido.
Rhaedrin olhou ao redor, os olhos ainda alertas.
— Isso foi apenas um grupo de batedores. Se houver mais, estarão perto.
Lyana franziu o cenho, olhando para o chão.
— Então devemos voltar para o vilarejo. Se há mais deles, podem estar indo para lá.
Ele assentiu, guardando a espada.
— Vamos.
Enquanto retornavam ao vilarejo, o silêncio parecia mais pesado. Lyana sentiu um arrepio percorrer sua espinha, como se algo estivesse errado. Quando chegaram à borda do vilarejo, o som distante de gritos confirmou seus piores temores.
Rhaedrin não hesitou. Ele desembainhou a espada e correu na direção do som, Lyana logo atrás. Ao entrarem na praça principal, viram um pequeno grupo de criaturas cercando algumas casas. Aldeões gritavam, tentando se proteger como podiam.
— Não temos tempo a perder, — disse Rhaedrin, avançando contra as criaturas.
Lyana seguiu, mas seu olhar foi atraído para outra direção. No cercado dos porcos, Sanshoukuin estava parado, observando a cena com sua espada nas mãos. Algo na postura dele havia mudado — ele não parecia mais perdido ou apático. Ele era um guerreiro.
Lyana não conseguiu conter o grito.
— Sanshoukuin! Ajude-nos!
Ele olhou para ela, sua expressão indecifrável. Após um momento de hesitação, ele ergueu a espada, avançando contra as criaturas com uma precisão que parecia natural, como se estivesse retornando a algo que havia tentado esquecer.
A luta estava apenas começando, mas Lyana sabia que algo importante havia mudado. Talvez, finalmente, Sanshoukuin estivesse disposto a mostrar quem realmente era.
A praça parecia pulsar com o caos. As criaturas, ágeis e ferozes, moviam-se como sombras vivas entre os aldeões aterrorizados. O brilho metálico da espada de Rhaedrin cortava o ar em movimentos precisos, cada golpe seguido por um baque surdo enquanto ele abatia as bestas com eficiência inigualável. Lyana, ao seu lado, movia-se como uma dançarina em meio ao tumulto, suas adagas girando em arcos elegantes que encontravam os flancos das criaturas com precisão.
No entanto, foi o som inconfundível de uma lâmina maior que chamou a atenção de Lyana. Sanshoukuin, agora totalmente envolvido na batalha, mostrava uma habilidade que contradizia sua aparência inicial. Ele avançava com determinação, sua espada longa cortando com uma força quase sobrenatural. Cada golpe era pesado e decisivo, mas seus movimentos mantinham uma fluidez que tornava impossível não observá-lo.
— Ele é incrível... — murmurou Lyana, desviando para bloquear o ataque de uma criatura que tentou aproveitar sua distração.
— Foco, Lyana! — gritou Rhaedrin, eliminando outra fera com um golpe certeiro.
A luta parecia interminável. As criaturas não apenas eram rápidas, mas também organizadas, algo incomum para bestas daquele tipo. Algumas recuavam para proteger as outras, enquanto outras atacavam em uníssono, como se obedecessem a um líder invisível.
Sanshoukuin se posicionou no centro do campo de batalha, assumindo uma postura defensiva enquanto protegia uma saída para os aldeões que ainda fugiam. Com um movimento rápido, ele ergueu a espada para bloquear as garras de uma criatura que o atacava pelas costas, girando em seguida para abater outra com um golpe limpo na cabeça.
— Você já fez isso antes, — disse Lyana ao passar por ele, seus olhos brilhando de admiração enquanto ela abatia uma fera próxima.
Ele não respondeu imediatamente, mas uma expressão dura cruzou seu rosto.
— Já fiz muitas coisas, — respondeu ele, sua voz carregada de algo que Lyana não conseguiu identificar.
Enquanto isso, Rhaedrin estava no centro da praça, enfrentando duas criaturas ao mesmo tempo. Ele desviava dos ataques com uma precisão quase mecânica, cada movimento parecendo previamente calculado. Quando uma das bestas tentou saltar para ele, foi recebida com um golpe ascendente que a derrubou ao chão sem vida.
— Sanshoukuin! — gritou Rhaedrin, sem tirar os olhos da luta. — Concentre-se na retaguarda. Feche o cerco!
Sanshoukuin assentiu e mudou de posição, cobrindo os flancos com golpes poderosos que impediam as criaturas de recuar. Lyana, vendo a oportunidade, avançou para o centro, suas adagas buscando as fraquezas das criaturas que ainda cercavam Rhaedrin.
O som da batalha era ensurdecedor: o impacto metálico das armas contra garras e ossos, os gritos dos aldeões agora distantes, e o rugido furioso das bestas. O cheiro de terra, suor e sangue saturava o ar, tornando cada respiração pesada.
Quando a última criatura caiu, o silêncio foi tão repentino que pareceu quase antinatural. Rhaedrin limpou a espada em um pedaço de tecido antes de guardá-la, seus olhos percorrendo o campo de batalha.
— Estão todas mortas, — disse ele, mais para si mesmo do que para os outros.
Lyana aproximou-se de Sanshoukuin, que estava parado ao lado de uma criatura caída, sua respiração pesada enquanto limpava o sangue da espada com movimentos lentos.
— Você salvou muitas vidas hoje, — disse ela, sua voz suave.
Ele olhou para ela, seu rosto impassível. Após um momento, guardou a espada e deu de ombros.
— Fiz o que era necessário.
Rhaedrin aproximou-se, seus olhos fixos em Sanshoukuin.
— Não esperava ver isso de você, — disse ele, sua voz carregada de desconfiança.
Sanshoukuin ergueu os olhos, encarando-o com firmeza.
— Talvez porque você me julgou antes de me conhecer.
Os dois ficaram em silêncio por um momento, o peso das palavras pairando no ar. Finalmente, Rhaedrin assentiu levemente.
— Isso não significa que confio em você.
— Não pedi sua confiança, — respondeu Sanshoukuin, virando-se para sair da praça.
Lyana olhou de um para o outro, sentindo a tensão entre eles, mas também percebendo algo mais: um respeito silencioso que nenhum dos dois admitiria.
Enquanto os aldeões começavam a emergir de suas casas, agradecendo timidamente, Lyana sentiu que aquele era apenas o começo. Sanshoukuin tinha provado ser mais do que um errante, e agora caberia a eles decidir se ele faria parte do caminho que seguiam.
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Atualizado até capítulo 20
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