Entre lágrimas

Ao chegar na casa dos pais encontra-se com seu irmão e corre para um

abraço, o mais novo retribui e lhe pede desculpa por não estar presente

nos últimos tempos. Os olhos de Lucas ficam vermelhos e seu irmão o

puxa para sentar-se no sofá, logo seus pais descem as escadas e o

abraçam.

- Meu filho, eu realmente não sei o que lhe dizer – sua mãe lhe diz.

- Essa mulher não tem família? Não sabem o estrago que está fazendo

na vida alheia? – a indignação está estampada no rosto de seu pai.

- A família dela não vive aqui e não tem muito contato com o irmão. O único parente que vive aqui.

- Devemos vê-la, mostrar presença. Ainda não vimos a cara dessa

Cobra.

- Desculpem, isso é culpa minha. Eu realmente não queria esse

encontro.

- Eu entendo filho. Mas, ela precisa saber que você não está sozinho.

- Está bem mãe. Irei avisá-la.

- Gostaria de mostrá-la o peso que nosso sobrenome carrega - ela olha para Lucas, um olhar frio e profundo - mas em respeito à criança, não farei.

Fernanda pode ser desde uma mulher culta, educada e que esbanja o glamour da alta sociedade, à uma mulher totalmente entregue à fúria da mais alta densidade para acabar com quem quer que seja, da pior maneira que possa existir, que ouse mexer com alguém de sua família. Ela é os dois extremos. E quem a conhece, a teme por isso.

Ao voltar, Lucas encontrou a casa em total silêncio. Apenas a Luz da

cozinha se encontra acesa. O sentimento de incapacidade , frustação e

um leve desespero, torna ao seu peito fazendo-o lembrar-se de Ana.

“Como pude ser tão tolo? Como pude estragar tudo dessa maneira?

Como?”

Uma pontada no lado esquerdo de sua cabeça, lhe diz que não terá

uma boa noite de sono.

O dia está esplêndido. O céu, o clima, o canto dos pássaros. Até o

latido do rottweiler do vizinho ao lado do edifício, está tendo um

embelezamento. Realmente, o dia de hoje está diferente do normal. Será que os últimos acontecimentos o deixaram sem juízo?

Lucas prepara o seu café da manhã e também o de Regina, que por

sinal não levantou ainda. São quase oito e meia. O seu celular toca e o atende sem hesitar.

- Alô?

-Liguei para saber como você está.

Seu coração está para sair do peito, a nostalgia dessa voz em seu

ouvido o levou à lembranças tão doces.

- Eu... eu estou bem e você?

- Sim, estou bem.

Esse silêncio, de forma alguma, era costumeira em outros tempos.

- Como está sua mãe? – pergunta ele.

- Está bem, cuidando do seu jardim nesse momento.

- Estou imaginando isso.

Ana solta uma risada baixa e ele pode jurar que ganhou o seu dia. Pode vir o que vier, terá forças para aguentar.

- Bem, irei desligar, ten..

- Espera... não... vá...

- Lucas.

- Sinto sua falta – essa é sua chance de lhe dizer o que estava entalado

durante todos os últimos dias.

- Eu também sinto sua falta. Por isso liguei.

É doloroso, tudo isso, é demais. Lucas não pode mais segurar as

lágrimas, elas caem lentamente sobre seu rosto pálido, liso e macio.

- Me espere, eu quero você, voltarei para você, eu amo você, por

favor me espere.

- Lucas, meu amor...

- Por favor, me espere.

Ao ouvir passos no corredor, ele se apressa.

- Irei desligar, lembre-se do meu amor por você. Beijos.

- Já acordado? – Regina lhe pergunta com certa desconfiança.

- Sim.

- Quem era no telefone?

- Ninguém importante.

Ela se aproxima lentamente e toca o rosto alheio com delicadeza.

- Então porque seus olhos estão vermelhos e ouvi a palavra beijos? Por

acaso estava falando com Ana? Você sabe que não quero isso, não

sabe? Olhe para mim.

- Não era Ana e sim minha mãe. Pare de me vigiar Regina.

- Calma lindinho, apenas estou lembrando, caso tenha esquecido. Venha aqui.

Ela o abraça e o beija como se necessitasse saciar sua fome.

- Venha.

- Regina o café.

- Não importa, tenho fome de outra coisa.

Mais uma vez, Regina inundou os ouvidos de Lucas com seus suspiros

desgovernados e palavras sujas, por horas. Ela não se cansaria em tê-lo

todos os dias.

- Vocês estão preparados? – pergunta Leonardo, encostado na

bancada da cozinha enquanto fatia uma maçã.

- Definitivamente não, meu sangue ferve só em pensar – diz Fernanda.

- Mamãe, deve segurar a língua. Talvez ela passe mal com sua

primeira palavra.

- Se não fosse meu neto que estivesse ali, não me importaria.

- Querida, não fale assim. A criança não tem culpa alguma dessa

bagunça.

- Você viu o estado do nosso filho? Aquela mulher está fazendo um

inferno em sua vida. Minha vontade é bater naquela ordinária até que

peça misericórdia.

Afonso suspirou derrotado. O clima estava tenso e o senhor de idade, muito conservado por sinal, notou a estranheza de seu filho.

- O que você tem?

- Oh, nada. É só que... Estou pensando em algo.

- Ou alguém? Mulher eu diria. Só isso para lhe deixar com esse ar de

quem foi abandonado.

- Não fui abandonado – foi categórico – apenas não nos falamos mais. E para ser considerado abandono, é necessário haver algo em comum

acordo.

- E não tinham?

- Absolutamente não.

- Então porque essa cara?

- ...

- já entendi. Você achou que seria mais um caso, mas se apaixonou.

- De forma alguma. Eu nunca me apaixono – suas sobrancelhas

juntaram-se de forma profunda.

- Pare com isso. Desde quando se apaixonar é ruim? Daqui a pouco

terá trinta anos e nem sequer nos deu um neto ainda.

- E quem disse que quero filhos? Estou muito bem do jeito que levo a

vida.

Fernanda já sentia sua cabeça latejar.

- Vocês dois parem, minha cabeça dói em preocupação com Lucas. Você – se dirigiu à Afonso – pare de atormentar o garoto com essa

história de compromisso e filhos, ele terá quando for seu tempo. E

você – agora Leonardo é o alvo – pare de ser tão imprudente levando a

vida desregrada como se não houvesse amanhã. Já lhe alertei

inúmeras vezes sobre esses seus casos de uma noite.

- Mamãe, eu sei o que estou fazendo. Agora, se me dão licença. Jogando o restante da maçã no lixo, virou-se e retornou para o seu

quarto.

- Garoto mimado. Isso é culpa sua, desde criança sempre fez suas

vontades – Afonso lhe diz.

- Oras, não me perturbe. Criei os dois da mesma maneira, o fato é que

os dois são completamente diferentes. Quanto a isso, não posso fazer

nada.

Suspirando cansada, ela se retira e Afonso pensa na dor de cabeça que

será, ao conhecer essa mulher que estragou a felicidade de seu filho

mais velho.

Alguns dias passaram e finalmente chegou o dia em que Regina

conheceria a família do seu então, companheiro.

- Eu estou bem nessa roupa? Devo dar uma primeira boa impressão – ela diz olhando-se no espelho, em seu vestido azul-royal, enquanto

Lucas estuda em seu notebook.

- Vista qualquer coisa.

- Você sabe como desanimar alguém.

- Apenas disse que vista-se como quiser.

- Você pelo menos pode olhar para mim?

Irritado com a insistência, mas ainda contido, Lucas fechou o

notebook e lhe deu seu olhar de desprezo, que já estava acostumada.

- Acho que você não compreendeu uma coisa.

- O que?

- Primeiro, você não é sequer minha namorada para ser apresentada

aos meus pais. Nesse posto está e sempre estará Ana, eles estão vindo

por questões burocráticas, não por afeição. Isso, eles tem apenas por

Ana, que é reconhecida como parte da família. Que fique claro,

você é uma intrusa, que se aproveita da infelicidade dos outros para

conseguir o que quer – ele se aproxima de Regina olhando-a fixamente – uma mulher sem caráter, sem moral, sem escrúpulos como você – Lucas solta uma risada nasal – acha mesmo que pode ser

considerada minha mulher? Só nos seus sonhos.

A essa altura, os olhos de Regina já estavam brilhando pelas lágrimas

causadas pelo ódio que sentia ao ser rebaixada dessa maneira.

Imediatamente sua mão direita foi em direção a pele pálida à sua

frente, mas instintivamente foi segurada a tempo.

- QUEM VOCÊ PENSA QUE É PARA FALAR ASSIM COMIGO?

SEU IDIOTA.

- Eu sou aquele que lhe despreza ao deitar com você, que sente

náuseas em sentir o seu cheiro e o mais importante – ele abaixou o

tom de voz e se aproximou um pouco mais – goza em você pensando

em outra mulher.

Acredita-se que os gritos de Regina poderiam ser ouvidos à

quilômetros. Ela gritou e iniciou uma sessão de tapas a fim de acertar

qualquer parte de Lucas. Ele teve que usar a força para finalmente

parar aquilo. Ela estava histérica, fazendo força desnecessária e ele se

preocupou com o bebê.

- Regina pare, pare o bebê.

- DANE-SE!

Ela finalmente se soltou e o olhou como se estivesse diante de um

inimigo.

- Seu playboyzinho de merda. Acha que só porque tem grana é melhor

do que qualquer um? Saiba que você é um pé de chinelo, na cama.

- Não importa o que você pense, você escolheu isso, então aguante. Só

não vou permitir que cause danos ao meu filho.

- Preste bem atenção no que vou falar agora – a passos lentos ela se

aproximou – você vai pagar pelo o que acabou de me dizer.

Ao vê-la sair, Lucas sentiu um arrependimento, não de ter dito o que

disse, mas de ter sido tão inocente. Às exatamente quatro horas da tarde de um domingo, a campanhia

toca, fazendo Lucas despertar os seus sentidos, até então absortos em

um livro qualquer.

Ao abrir, de cara, o seu irmão lhe abraça e lhe entrega uma sacola com

vinho, queijo e frutas.

- Trouxe para você me servir.

- Você vai me ajudar a preparar.

- Você é um pé no saco hein?! Eu sou visita.

- Entre logo garoto – diz Fernanda – como você está filho?

- Bem mãe.

“como sempre, não sabe mentir” – pensa ela.

- Bem, eu trouxe algo mais leve para sua companheira.

- Ela não é minha companheira pai. Minha namorada continua sendo

Ana.

- Sim. Claro, claro. Desculpe, realmente não sei como chamar isso.

- Chame de infortúnio – disse Leonardo levando as sacolas para a

cozinha.

- Vamos entrem. Vou preparar as coisas.

- Onde está ela? – pergunta sua mãe.

- Aqui – disse Regina em seu vestido azul-royal – que prazer recebê-los. Como boa anfitriã, ela vai receber os recém-chegados, mas

automaticamente para ao olhar para o lado e ver quem está atrás do

balcão. A cena durou menos de cinco segundos, rapidamente se

recompôs e disse:

- Desculpe, não o tinha visto, me assustei.

- O que faz aqui? – pergunta Leonardo confuso, a pergunta foi o reflexo do seu pensamento absorto na figura presente.

- Como assim irmão? Que pergunta é essa?

De repente, Regina sente suas mãos suarem.

- Oh, lembrei, você é o rapaz do shopping certo?

- Esperem, vocês já se conhecem? – pergunta Lucas achando isso

muito estranho.

- Bem, parece que temos uma história aqui, não é? – Fernanda diz

cínica.

- Nada em específico, apenas há muitos meses nos conhecemos no

shopping aqui perto – Regina se apressa em dizer.

- Sim, é isso.

Tanto os pais quanto Lucas, já entenderam a situação. Isso foi realmente

uma jogada do destino. Que mundo pequeno.

- Já que estamos familiarizados, vamos aproveitar então. Quantos

meses você está Regina? – Afonso que não havia dito nada, resolveu

pôr um fim no silêncio.

- Irei fazer quatro meses próxima semana.

- Já compraram algo para o bebê?

- Ainda não pensamos nisso – ela olha rapidamente para Lucas, que

está olhando algum ponto aleatório.

- Trarei algumas coisas da próxima vez – diz Fernanda – e sua família

Regina? O que diz sobre isso?

“essa mulher fala com desdém. Parece estar falando com uma mulher

qualquer” – pensa Regina.

- Bem, eles ainda não sabem.

- Como assim não sabem? É dever da família estar presente. A não ser que seu relacionamento com sua família não seja dos melhores.

- Desculpe senhora... Como se chama?

- Fernanda.

- Senhora Fernanda, está com uma impressão errada a respeito do

meu relacionamento com minha família.

- Tenho uma impressão errada sobre você desde o princípio, querida – ela toma sua taça de vinho, na tentativa de apaziguar o veneno que

insiste em escorrer de sua boca. Essa tarde duraria uma eternidade.

Regina engoliu seco, talvez pelo constrangimento , talvez pela raiva, mas preferiu sorrir e dizer:

- Lhe servirei os queijos.

Os homens ali presentes, conheciam bem a mais velha para saber que

não evitaria dizer umas verdades. Regina tem plena consciência de

que não está em posição de exigir nada dessa família, mesmo que isso

lhe custe alguns desaforos. Pode ser muitas coisas, mas burra não.

- Em que você trabalha Regina? Afonso pergunta enquanto degusta um

pedaço de queijo.

- Estou à frente do marketing da empresa. Sou eu quem organiza tudo.

- Entendo, é um pouco difícil.

- No início sim, mas se torna fácil com o tempo. Vendo que ela não tinha comido nem bebido, Lucas diz:

- Pegue o suco na geladeira, há frutas também.

- Ao passar por Leonardo, olhou de lado e o mesmo estava

concentrado em cortar algumas frutas e adocicar outras em açúcar

derretido.

- Leonardo está calado. Que milagre é esse? – pergunta sua mãe.

- Bem, estou pensando em algumas coisas. Deixei de arquivar um

documento para mais tarde, espero ter como recuperar depois.

- Deixe o trabalho para depois. Agora é hora de prestigiar sua... – ela

buscou uma palavra – conhecida.

“Víbora” – pensou Regina.

“Ordinária” – pensou Fernanda.

Afonso tossiu e chamou atenção de todos.

- Você ainda está trabalhando ou já saiu?

- Bem, preferi me afastar recentemente pois não me sinto bem na

maior parte do tempo.

- Algo grave?

- Nada sério demais para se preocupar.

- Certo – ele voltou a comer queijos.

- Calma homem, desse jeito teremos que comprar mais queijo – disse

sua esposa.

Deixe-me comer, é o melhor queijo da cidade.

- Porque foi sua mãe que fez. Não nego que ela tem o dom.

- Ainda não tive a oportunidade de conhecer seu avós Lucas – Regina

diz enquanto toma o seu suco.

- Seria estranho para eles verem a mudança rápida de parceira, já estavam

tão acostumados com Ana.

Fernanda diz enquanto beberica sua taça de vinho.

Regina mudou seu semblante imediatamente. O ar ficou pesado e os

homens presentes estavam atentos a qualquer movimento. Lucas por experiência, se aproximou de Regina temendo que perdesse

o controle. Por fim, ouviram a baixa e doce voz.

- Claro, imagino que seria um choque, vamos dar mais algum tempo

para irmos. Não é Lucas? – Regina o olhou firmemente esperando a

resposta.

- Claro.

Observar aquilo era o cúmulo para Fernanda, ela já viveu o suficiente

e em seus anos já viu de tudo um pouco. Inclusive já teve que lidar

com duas amantes de seu esposo tentando dar o golpe da barriga, ela

conhece bem esse tipo. Ana era de longe a nora que qualquer sogra queria como nora. Belíssima, inteligente, educada, delicada, tendo um ar elegante e

recatado, de boa família. Era ela quem deveria estar à sua frente agora. Não essa... aberração vinda dos infernos, para atormentar o seu

menino. Mas, se ela acha que terá uma vida fácil, está muito

enganada.

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