Grande dor

Rose aproveita o dia para limpar e organizar a casa, que não é grande, mas há móveis e objetos que requer um pouco mais de atenção. De

todas as coisas que foi renovando com o tempo, a única coisa que

jamais irá se desfazer são as cartas de George e o baú, que anos atrás

trouxe as mudas de roupas de ambos , quando se mudaram do Interior

para a cidade grande. Se pudesse voltar no temo, não pensaria duas vezes, apenas para ter

seu amado de volta. Ela nunca superou sua perda, viveu apenas por

Ana, pois no tempo era muito pequena.

Enquanto olha as cartas, lembra nitidamente de cada detalhe dos últimos dias de sua alegria.

Vinte anos atrás...

- Você está linda - ele diz para Rose, após ambos terem colocado Ana

em sua cama cor-de-rosa e muitos ursinhos de pelúcia ao redor.

- Eu estou tão feliz, você não tem ideia do quanto esperei por isso, toda essa mudança. Há oito meses que nos mudamos, mas parece

que faz mais tempo – ela se aconchega em seus braços, colocando-se

na ponta dos pés, enquanto ele envolve sua cintura com firmeza.

- Eu ainda vou te dar muito mais meu amor, eu te amo tanto. Quero

que tudo seja diferente do que já vivemos. Quero dar o melhor para

você nossa filha - e com um beijo sela essa afirmação.

Após recuperar o fôlego, Rose responde:

- Eu te amo muito – e seguem para o quarto, onde mais uma

vez os lençóis se tornam tão quentes quanto aquela noite de verão.

No dia seguinte, ele foi para o seu trabalho, no edifício de galerias no

centro. Conseguiu a vaga de serviços gerais no terceiro dia de sua

chegada na cidade. Era um bom emprego e sempre muito simpático, tanto que algumas

donas de casa ou suas filhas confundiam, por vezes, sua simpatia e

tentavam se aproximar à ele de alguma maneira.

Sendo um jovem muito bonito, alto e porte físico atlético, além de

um sorriso estonteante, claro que despertava o interesse de muitas, mas todas as tentativas eram em vão. Apesar do charme que exalavam

não poderiam se comparar, em hipótese alguma, ao de sua amada

esposa Rose, estavam longe de ter tal comparação.

Sempre quando chega em casa, Rose e Ana o recebem calorosamente

com a mesa já posta exalando o cheiro mais gostoso que possa existir

naquele bairro.

Após o jantar, enquanto Ana brinca com algumas bonecas no tapete da

sala, George e Rose assistem algum programa de TV abraçados como

se houvesse um ímã entre os dois. Por vezes, ele dá beijinhos na nuca

de sua esposa e aperta um pouco seus fortes braços em volta de sua

cintura, até que Rose percebe que está um pouco forte demais e

chama sua atenção delicadamente.

- Amor, está tudo bem?

- Sim, está. - ele diz rapidamente.

Ela o olha profundamente e diz:

- Eu o conheço, me diz o que aconteceu.

Não podendo negar, ele diz quase como um sussurro.

Hoje, enquanto estive no trabalho, uma moça passou por mim e

tropeçou, fui ajudar, mas ela acabou se desequilibrando novamente e a

segurei firme para não cair. Ela agarrou-me pelo pescoço e tentou me

beijar, quando de repente, uma mulher apareceu e disse aos gritos que

eu estava agarrando sua filha menor de idade.

Ao ouvir aquilo, Rose sentiu seu sangue ferver e um aperto no peito

aumentar causado pelo ciúme, vendo seu estado, George segurou

firme sua cintura escondendo seu rosto no pescoço de sua amada e lhe

disse:

- Amor, aquela moça não conseguiu o que queria e havia testemunhas

a meu favor. Tudo ali foi esclarecido e eu posso denunciar por esta

acusação. Após respirar profundamente algumas vezes, Rose diz:

- Não suporto a ideia de outra mulher lhe tocando com intenções tão

sujas, em pensar na situação em que você se encontrou me deixa ainda

mais enojada.

George segura delicadamente seu queixo e faz com que Rose olhe

para si, dizendo-lhe:

- Jamais outra mulher irá me tocar como você me toca.

Dito isto, ele a beija apaixonadamente como na primeira vez, saboreando cada centímetro da boca de sua esposa. Ana que até agora

estava entretida com suas bonecas, olhou para eles e correu para sentar-se

no meio dos dois. Sentindo aquela movimentação estranha, os dois olham para baixo e

vê a pequena tentando sentar no sofá e com um bico quase formado

para iniciar um choro.

Ao ver aquela cena maravilhosa, eles riem e a

pega nos braços dando-lhe beijos por sua face inteira. Após algumas horas, Ana já está na cama enquanto o casal

apaixonado dá indícios de que não irão dormir essa noite, e o motivo

certamente não é Ana.

Passaram-se dois meses e meio, no fim do expediente, em um dia de

semana quando George voltava para casa, enquanto esperava no ponto

de ônibus aproximaram-se três rapazes para um assalto, George havia

comprado há dois dias um relógio caro, andava sempre bem vestido e

perfumado, e esta noite, seria a pior de suas vidas.

Rose notou a demora de George e resolveu ligar para o mesmo, mas

ele não atendeu. Fez isso de dez em dez minutos até completar trinta minutos, então

ligou para o edifício onde o esposo trabalha.

Alô, por favor poderia me dizer se o George ainda está aí? Aqui é a

esposa dele, Rose.

- Ah, olá, senhorita Rose! – o rapaz diz educadamente - ele já saiu faz

algum tempo, mas não se preocupe, deve ser apenas o trânsito.

- Tudo bem então, obrigada e bom trabalho!

- Por nada! Boa noite!

- Boa noite!

Ao desligar o telefone, Rose ainda sente uma sensação estranha, isso

aumentou ainda mais sua preocupação. Ela esperou, mas nenhum sinal

do rapaz, então preparou Ana, chamou um táxi e foi à procura de

George, já que sabia o trajeto que ele percorria todos os dias.

Ao se aproximar do local ainda dentro do táxi, Rose viu

algumas pessoas em volta de uma alguém que se encontrava estendida

no chão e logo sentiu um arrepio por todo o seu corpo, pensando na

possibilidade de...

- Por favor pare o carro.

Apressadamente, pagou e foi em direção ao ponto de ônibus que para sua

surpresa e tamanha

dor, viu que era seu esposo. Sua face mudou, sua pele empalideceu, suas mãos suavam e faziam ter a

sensação de ter caído em um lugar muito, muito frio. O tremor de seu corpo

veio acompanhado de seu pranto e desespero ao ver que seu amado se

encontrava

todo ensanguentado e aparentemente sem vida. Até então, ninguém

sabia ao certo se ele realmente estava morto.

- NÃO! NÃO! Por favor amor, fala comigo, fala comigo, isso não

pode estar acontecendo - ela tremia e chorava descontroladamente.

Pessoas ao redor olham e se compadecem, estranhos e alguns conhecidos ali

estavam observando o sofrimento de uma alma dilacerada, pela perda do

único e verdadeiro amor.

A cena foi tão desconcertante, tão dolorosa, tão brutalmente chocante,

inclusive para Ana, que ninguém ousava chegar perto. O olhar de Rose

desesperado por ajuda e não ter alguma resposta, não ter alguém com poder

suficiente para trazer George de volta à consciência, a perturbava a cada

segundo.

Alguns minutos depois chegou a ambulância, levaram-no ao hospital

junto à Rose enquanto a pequena Ana chorava nos braços de um

conhecido da família que se encontrava no local.

Ela o chamava e

tentava ver algum sinal de vida, porém nada do que fazia era

correspondido. Chegando ao hospital George foi examinado, mas não teve muito o que fazer, ele já havia falecido. Rose se desmanchou em lágrimas e seus soluços podiam ser ouvidos a

distância, enquanto a pequena Ana era amparada por algumas pessoas

que acompanhavam o lamento de sua mãe por sua perda.

- Rose sinto muito – disse a esposa de um vizinho do bairro.

- Filha se acalme. Tragam água pra ela rápido – uma senhora que

estava por perto, tentou acalmar.

- George... eu quero meu esposo, por favor, por favor. Me diz que ele

está vivo, por favor...

Qual a dimensão da dor de uma perda?

Talvez, infinita.

Após Rose se acalmar, chamaram um táxi, ela e Ana se despediram do

homem e sua esposa que acompanhou o acontecido e entrando em

casa, que sentimento horrível.

Que desespero. Sentiu-se sozinha e

totalmente perdida pensando como seria sua vida sem o apoio de

George, com Ana ainda tão pequena sem ter a chance de ter seu pai

presente em seu desenvolvimento e escolhas que um dia teria que

fazer.

Tudo ainda parecia não fazer sentido, como um sonho aterrorizante

que não tinha fim. Ao cair de joelhos no chão, o som do seu choro assustou novamente

Ana que paralisou diante da mãe com os olhos cheios lágrimas e não

aguentando mais, seja por ver sua mãe nesse estado, seja por não

encontrar seu pai para ver o que está acontecendo, seja por estar

cansada. Ela chorou.

Rose conviveu com esse sentimento por mais ou menos dois meses, vivia aos prantos nos cantos da casa e sua filha sentia que sua mamãe não

estava bem, perguntando frequentemente por seu pai. Mas, não

tinha nenhuma resposta.

As vizinhas, que eram próximas, tentavam lhe animar e cuidavam de

Ana o máximo que podiam, muitas vezes tinham que se alimentar, pois

Rose não tinha forças para preparar a própria comida, por mais que soubesse

que sua pequena Ana estava com fome.

Devido à sua magreza, as

roupas sambaram no corpo de Rose.

- Mamãe – chama Ana aos prantos através da porta. Em seus sete

anos, se vê sozinha nessa casa enorme – Mamãe, estou com fome – o

choro ressoa pela casa.

As vizinhas já tinham ido embora faz um tempo, e agora se vê com

dois problemas que não faz ideia de como resolver: tirar sua mãe do

quarto e sanar sua fome, além do medo de estar só. Está tudo confuso

e sente uma dor no peito, que não sabe ao certo como surgiu. Talvez por quase não ver sua mãe nas últimas quatro semanas ou por não ter

visto mais seu pai. Afinal, para onde ele foi? Está com saudades. E por que sua mãe sempre chora?

Está assustada. Ela não tem mais ninguém, as vizinhas são boas, mas só vem pela

manhã. Sua mãe não responde e não fala nada para as vizinhas

também, sempre olha através da brecha da porta e a vê com seu costumeiro

pijama azul, seus cabelos antes arrumados, estão secos e sem vida, seu olhar está distante e parece estar com uma mancha escura

abaixo deles. O esforço que as vizinhas fazem para que ela tome o

único banho do dia e a única refeição, também fazem à si. Estavam perdendo peso e suas roupas já estavam folgadas. Em uma

tarde, Ana entrou no quarto de sua mãe a fim de falar algo com ela e

ter sua companhia, se sentia muito sozinha.

- Mamãe, você está acordada? – o silêncio a fez sentir um zumbido

forte e descobriu que pigarrear melhora a sensação, então fez isso

agora.

- Mamãe?

Ela se aproxima um pouco mais de sua cama e a vê derramar algumas

lágrimas. Ela não entendia o porque chorava tanto.

- Está com dor?

Finalmente ganhou seu olhar depois de muito tempo. Aquilo lhe deu

um alívio e felicidade que rapidamente se aproximou com medo de

perder.

- Filha – sua voz está extremamente rouca, como se tivesse gritado por

um longo tempo. Ana pega sua mão, magra, pálida e fria. Não diferente de seu rosto.

- Mamãe, precisa levantar. As vizinhas não estão mais aqui e eu estou

com medo de ficar só – o nó em sua garganta faz suas palavras serem difíceis

de expressar.

- Desculpe – ela respirou fundo – por ser.. uma mãe ruim.

- Você não é ruim mamãe – beija seu rosto – eu te amo, amo muito. Por favor mamãe, levante.

- Filha – ela começa a chorar e seu corpo frágil treme. Ana se

desespera e reflete o seu choro.

- Mamãe, onde está o papai? Ele vai nos ajudar. Eu irei chamar.

Oh, que lástima, pobre dessa menina. Pobre de sua inocência. Pobre

de sua pequenez. Como gostaria de ser maior e mais forte naquele

momento.

- Filha.. ele.. não vai voltar.

Aquilo a atingiu como um raio. Suas palavras foram suaves ao ponto

de achar que ouviu errado.

O que é isso? Travou seu maxilar e

repensou dez vezes se realmente gostaria de perguntar o porquê. Respirou fundo e então..

- Para onde foi?

O silêncio absoluto novamente fez seus ouvidos zumbirem. Quando

de repente, Rose olha para a pequena, esta que, quase pode ver a morte

através desses olhos. Sua mãe ainda está lá?

- Ele está morto.

Então, ela virou-se na cama e lhe deixou novamente sozinha.

Completamente e amargamente, sozinha.

Algumas semanas passaram e olhando ao redor de seu quarto escuro, como um estalo, Rose se

deu conta de que agora em

diante era apenas ela e sua pequena, que não podia viver daquela

maneira por muito tempo, Ana precisava de si, tinha sua casa para

cuidar e apesar de todo dinheiro que tinha guardado, Rose não poderia se dar

ao luxo de contar apenas com essa quantia, uma hora iria

acabar, precisava fazer algo para acrescentar sempre o que já tinha.

Pensando nisso, lembrou que sabia fazer bolos muito gostosos, sempre

quando fazia bolos para um chá da tarde ou até mesmo alguma

comemoração íntima, recebia muitos elogios. Após recuperar suas forças, deu

início às vendas de bolos e logo foi recebendo algumas poucas encomendas que

pessoas mais próximas faziam.

Comprou todos os materiais necessários para sua produção, com melhor

qualidade e agilidade. Começou a divulgar seu trabalho e como ela era uma

pessoa muito querida pela vizinhança, seus primeiros clientes surgiram dali e

foi se espalhando com o tempo, até que os pedidos eram tantos que foi

necessário contratar ajudantes para a produção, logo o espaço também já não

era o suficiente e abriu uma mini fábrica de bolos, a qual intitulou de

“Bolos Rosé”.

Enquanto a produção acontecia, Ana ia para a escolinha na parte da

manhã e à tarde Rose ia buscá-la, fazia seu almoço, brincavam e

terminavam sua atividade de casa. No final da tarde, Rose e Ana iam para a fábrica organizar e fechar, não era muito longe, apenas vinte minutos de distância um pouco

menos caso fosse com um veículo. Ao voltar para casa, enquanto Ana brinca com suas bonecas, Rose

revê as entradas e saídas da fábrica, prepara o jantar e no outro dia

tudo recomeça com muita alegria e entusiasmo. Afinal, seria impossível não acordar bem disposta tendo uma pequena pessoa lhe enchendo de beijos para acordar, seguidos por risadas

gostosas de ouvir.

Quando Ana completou dez anos teve algumas complicações em sua

saúde, devido aos sintomas repetitivos por um período de tempo

resolveu levá-la ao médico onde foi diagnosticada com diabetes. No início, foi muito complicado fazer com que uma criança de dez

anos compreendesse que seu problema estava ligado a uma das coisas

que ela mais gostava, os tão deliciosos bolos aos quais Ana comia

todos os dias, várias vezes ao longo do dia. Mas Rose, como sempre, com sua persistência e doçura com Ana, acabou fazendo com que ela entendesse o mais breve possível que

certos cortes em sua alimentação iria fazê-la se sentir melhor a cada

dia, e assim Ana conviveu com esse problema ao qual intitulou de

“dona atrevida”, pois seu verdadeiro nome a assustava, então resolveu pôr um

nome menos destrutivo à sua mente. Ana sempre foi uma criança comportada e atenciosa, muito gentil, praticamente todas as crianças gostavam de estar com ela e partilhava

sempre que via alguma delas sem a merenda. Sempre foi muito inteligente, sabia diferenciar as coisas e só guardava

o que realmente fosse bom. Eram realmente tempos favoráveis.

Dias atuais...

Depois de repassar parte de sua vida em sua mente, Rose se sente

cansada. Toma um banho, come algo leve e vai tirar um cochilo.

- Amiga, são quase seis horas, eu vou pra casa. Hoje sou eu quem

prepara o jantar.

- Ok. Obrigada por ter vindo, na próxima, sou eu quem vai.

- Está bem. Diz aos tios que mandei um abraço.

- Pode deixar.

Após se despedir, Ana retorna para casa e Izabel sobe para o seu

quarto.

“preciso organizar a documentação do contrato com aquela marca. Sem esquecer das provas para segunda”

E assim, passou quase a noite toda, organizando vários e vários

papéis. Quem acha que vida de rico é apenas luxo, se engana. Isso

requer muitas olheiras e dores de cabeça.

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Comments

Vania Benicio

Vania Benicio

Que maravilha ela conseguiu vencer a depressão!
E se transformou em uma mulher guerreira!👏👏👏👏👏

2024-10-29

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