No primeiro dia das aulas de dança, Daniel percebeu que a turma era imensa, cerca de cinquenta pessoas. Kelly nem sequer notou sua presença. Ele não conseguiu se aproximar: ela era constantemente requisitada para dançar, cercada por colegas que queriam aprender com ela ou simplesmente aproveitar sua energia contagiante. A turma era caótica, barulhenta, cheia de movimento e Daniel, no meio daquilo tudo, permaneceu parado, como se o tempo tivesse congelado ao vê-la se mover pela primeira vez. Ficou boquiaberto, paralisado, os olhos grudados nela, acompanhando cada giro, cada passo, cada gesto preciso e fluido, como se estivesse assistindo a algo sagrado.
No segundo dia de aula, finalmente conseguiu se aproximar e os dois conversaram:
— Oi, Kelly!
— Daniel! Que surpresa! Não pensei que gostasse de dançar. Veio só para assistir a uma aula?
— Na verdade, eu resolvi fazer aulas.
— Legal! Você vai adorar.
— Tenho certeza disso, afinal, já estou adorando. Você pode me ajudar? Percebi que tem bastante experiência.
— Claro, pode contar comigo.
Daniel não conseguiu conter o sorriso pequeno, quase tímido. Sabia que Kelly era simpática com todos, mas, mesmo assim, achou aquela conversa melhor do que qualquer coisa que tivesse imaginado. Aquele breve diálogo, cinco frases, talvez menos, foi o suficiente para iluminar seu dia inteiro.
Mais uma vez, passou o resto da aula observando cada movimento dela, sem desviar o olhar nem por um segundo, como se estivesse memorizando cada detalhe para revivê-lo depois, sozinho, em silêncio.
Depois de duas semanas, eles ficaram mais próximos, dentro dos limites que Kelly permitia. Na faculdade, no entanto, pouco mudou. Daniel ainda não conseguia se entrosar com o grupo de amigos dela, mas Kelly passou a cumprimentá-lo todos os dias com um largo sorriso, aquele sorriso que iluminava corredores, e ele retribuía de forma reservada, quase contida, como se temesse que um gesto mais aberto pudesse assustá-la.
Os amigos dela começaram a estranhar aquela interação. “Por que ela sorri tanto para ele?”, cochichavam. Daniel, percebendo o desconforto alheio, pediu que Kelly não contasse a ninguém sobre as aulas de dança e ela, respeitando o pedido, manteve segredo. Seus amigos, então, não entendiam por que ele, de repente, recebia tanta atenção dela diariamente.
Nas aulas de dança, trocavam algumas palavras breves, mas significativas para Daniel. Kelly sempre o incentivava nas coreografias, corrigia seus passos com paciência, elogiava seus pequenos progressos. Com o passar dos dias, Daniel foi ficando cada vez mais confiante, não na dança, mas na proximidade com Kelly. Sentia que, ali, longe dos julgamentos da faculdade, ela o via de forma diferente. Um dia, ao final da aula, ele a chamou:
— Kelly, podemos conversar?
— Sim. O que foi?
— Quero te dizer algo…
Falou com relutância, a voz um pouco trêmula, sentindo um frio na barriga que subia até a garganta. Olhava para baixo, coçava a cabeça, como se tentasse ganhar tempo ou coragem.
— Fala!
— Desde o primeiro dia de aula na faculdade, você chamou minha atenção. Lembro que você foi a primeira pessoa a quebrar o silêncio constrangedor, quando ninguém se conhecia. Além disso… você é tão bonita! Sei que muitos na faculdade têm interesse em você. Mas, ao meu favor, tenho um segredo que me faz sobressair dos outros. Posso te contar mais, se aceitar sair comigo. O que acha?
Dominado por uma súbita coragem ou talvez por um impulso desesperado, parecia empolgado, quase eufórico, os olhos brilhando com a expectativa de uma resposta positiva. Porém, Kelly se mostrou surpresa e, por um instante, até desconfortável:
— Daniel… Estou surpresa! Foi por isso que você veio fazer aula de dança? Para se aproximar?
— Na verdade, sim.
— Antes de você pensar ou planejar qualquer coisa, preciso te avisar que tenho namorado.
— Você está mentindo! Não tem nenhuma foto sua com ele nas redes sociais!
— Eu não gosto de expor minha vida pessoal, mas é verdade.
Ela virou as costas e saiu, sem dar tempo para ele responder, nem para se explicar, nem para insistir. Daniel ficou parado, o peito apertado, uma mistura de raiva e decepção fervendo dentro dele. “Como ela poderia ter namorado e ainda assim tantos garotos se aproximarem dela?”, pensou.
Em sua cabeça, duvidou da existência desse namorado. Achou que Kelly havia inventado a história apenas para se livrar dele, para descartá-lo sem precisar dizer “não” diretamente. Concluiu que a rejeição era fruto da má reputação que carregava na faculdade, e que seus amigos, aqueles que sempre riam dele, a influenciavam negativamente. Foi então que decidiu: ia descobrir a verdade. E, para isso, precisava segui-la.
Daniel passou a perseguir Kelly por toda a faculdade discretamente, mas com obsessão. Tentava escutar suas conversas com os amigos, quando ela estava na lanchonete do campus, sentava-se na mesa ao lado, fingindo mexer no celular enquanto absorvia cada palavra, cada risada, cada gesto. Na sala de aula, sempre escolhia o lugar mais próximo possível, mesmo que isso significasse chegar meia hora antes para garantir o assento. Depois de uma semana a seguindo, os amigos de Kelly começaram a notar. Estranhavam o comportamento dele, aquele olhar frio, fixo, atento demais. Cada vez mais próximo, cada vez mais presente.
Suspeitavam que ele quisesse se enturmar com eles, mas não o queriam por perto. Pelo contrário: os olhares que recebiam dele os deixavam assustados, como se estivessem sendo avaliados ou caçados. Embora se sentissem desconfortáveis, optaram por ignorá-lo, fingir que ele não existia era mais fácil do que confrontá-lo.
Kelly, por sua vez, também passou a ignorá-lo. Parou de cumprimentá-lo, evitava contato visual. Não queria alimentar falsas esperanças, nem dar espaço para que ele interpretasse qualquer gesto como um convite. Mesmo assim, Daniel continuou frequentando as aulas de dança, como se aquele fosse o único lugar onde ainda podia vê-la sem ser repelido.
Em alguns dias, chegou a segui-la de carro até sua casa, que ficava a cerca de vinte minutos da faculdade. Kelly fazia esse percurso a pé todos os dias, mesmo sendo uma caminhada longa, pois preferia o ar livre à agonia do transporte público lotado. Ela não percebia que estava sendo seguida. Daniel, por sua vez, observava cada passo, cada parada, cada gesto, como se estivesse gravando um filme só para si.
Depois de alguns dias, Daniel a viu entrar na casa de um vizinho e ficou esperando, estacionado a alguns metros de distância, o coração acelerado. Kelly demorou cerca de duas horas dentro da casa. Quando saiu, estava acompanhada de um garoto. Deram as mãos. Riram de algo. Se despediram com um beijo, longo, tranquilo, íntimo. Foi nesse momento que Daniel descobriu: o namoro dela era real. Não era desculpa. Não era invenção. Era verdade.
Cheio de raiva. Uma raiva queimando por dentro, esmurrou o volante do carro com tanta força que os nós dos dedos ficaram brancos. Ligou o motor e saiu dirigindo de forma imprudente, acelerando além do permitido, como se pudesse deixar para trás não só aquela cena, mas também a dor que ela provocara.
Em casa, passou a noite em claro. Não conseguia dormir. Pensava em Kelly, em seu sorriso, em sua voz, em seus movimentos. E, acima de tudo, pensava em como tirar aquele garoto do caminho. Seria mais fácil se o namorado fosse alguém da faculdade, teria acesso, poderia manipular, influenciar. Mas não era.
Então, precisava de um plano maior. Um plano ambicioso. Algo que pudesse mudar completamente as coisas, não só para ele, mas para ela também. E, naquela madrugada insone, uma ideia começou a tomar forma. Era mirabolante. Repleta de riscos. Talvez até perigosa. Mas Daniel estava disposto a correr todos eles.
Porque, na mente dele, não estava fazendo nada errado. Estava, na verdade, oferecendo a Kelly algo melhor. Algo que ela nem sabia que merecia. Algo que só ele poderia dar. E ninguém na faculdade sabia, ninguém sequer imaginava, que Daniel não era apenas o “garoto drogado e burro”. Ele era, na verdade, muito rico. Filho de um cientista renomado mundialmente.
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Atualizado até capítulo 64
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