O Caso de Evan

O Caso de Evan

O Recomeço

O som do telefone ecoava pelo corredor estreito e abafado da delegacia. Era um daqueles toques monótonos, repetitivos, que sugeriam que algo importante estava prestes a acontecer. Sarah levantou a cabeça da pilha de documentos à sua frente e respirou fundo. Era seu primeiro dia, e o nervosismo ainda estava presente. Não havia tido tempo para se acostumar ao ambiente: o cheiro de café frio misturado com desinfetante, o zumbido dos computadores antigos, e os murmúrios apressados dos detetives veteranos que passavam.

Ela tinha acabado de se mudar para a cidade, e, com isso, seu primeiro trabalho em uma nova delegacia. Não esperava grandes emoções. Para ela, aquele primeiro dia seria dedicado a orientações, leituras de relatórios, talvez alguma apresentação formal. No entanto, uma energia diferente pairava no ar. Todos pareciam mais tensos do que o habitual, e ela podia sentir a atmosfera pesada entre as conversas abafadas.

— Sarah! — chamou Mendes, um detetive robusto de meia-idade que tinha sido designado para acompanhá-la nas primeiras semanas. Ele tinha aquela expressão cansada, de quem já viu coisas demais e tem poucas ilusões sobre o mundo. Seus olhos, sempre semicerrados, denunciavam uma falta crônica de sono. Ele se aproximou rapidamente, com um grosso dossiê nas mãos, e o colocou na mesa dela com um baque surdo. — Vai querer dar uma olhada nisso.

Sarah arqueou as sobrancelhas, olhando para a pasta que agora estava diante dela. "Caso Evan Miller", dizia o título desgastado na capa. O ano era 1995. Algo despertou dentro dela, uma mistura de curiosidade e inquietação. Ela conhecia esse nome de algum lugar, mas não conseguia se lembrar exatamente de onde. Levantou os olhos para Mendes, que observava sua reação com o que parecia ser uma mistura de interesse e resignação.

— Foi reaberto hoje de manhã — Mendes explicou, dando um suspiro. — É um caso antigo, mas uma nova pista acabou de aparecer. Achamos que seria interessante você se envolver.

Sarah ainda hesitava, mas seu instinto investigativo a fez puxar o dossiê para mais perto. Ela abriu a capa, e a primeira coisa que viu foi a foto de um garoto. Evan Miller, 10 anos. Um sorriso inocente e vibrante iluminava seu rosto. Mas a realidade por trás daquela imagem era sombria. Evan havia sido encontrado morto em sua própria casa, cinco dias após seu falecimento. Sua mãe, em um estado perturbador, insistia que o filho ainda estava vivo, mesmo enquanto o corpo começava a se decompor diante dela.

Sarah virou a página. As fotos do corpo de Evan eram perturbadoras. A pele já começava a desintegrar-se, o rosto marcado pela passagem do tempo. Mas, ainda assim, o mais chocante era a imagem da mãe, sentada ao lado do corpo, segurando o que restava do filho, os olhos vidrados e perdidos em um delírio incompreensível. O que havia acontecido naquela casa?

— A investigação na época não conseguiu explicar muita coisa — Mendes continuou, interrompendo seus pensamentos. — O pai do garoto, Richard Miller, cometeu suicídio pouco tempo depois. Deixou uma carta que foi considerada uma confissão, mas algo não parecia certo.

Sarah franziu a testa enquanto folheava as páginas com mais atenção. As descrições eram vagas, como se os investigadores da época tivessem preferido ignorar certos detalhes. Mas havia algo de estranho. A cena de crime não tinha sinais de violência direta, e a mãe de Evan, Claire Miller, não foi formalmente acusada de nada. O caso foi arquivado como uma tragédia familiar, e a carta de Richard foi considerada a peça final do quebra-cabeça.

— E por que o caso foi reaberto agora? — Sarah perguntou, seus olhos fixos no dossiê.

Mendes deslizou uma carta dobrada para o lado da mesa. Estava amarelada pelo tempo, mas bem preservada. Sarah pegou a folha com cuidado e começou a ler. As palavras rabiscadas de Richard Miller transmitiam uma sensação de pânico.

"Eu não pude protegê-lo. Não consegui salvá-lo. Mas a verdade precisa ser dita. O que aconteceu com Evan... ninguém acreditaria em mim. Eu mesmo não acredito no que vi. Mas eu vi. Algo estava naquela casa. Algo que não pertence a este mundo. Eu tentei lutar, mas falhei. E agora, eu também estou condenado. Eu só espero que, algum dia, alguém entenda o que aconteceu. Eu espero que a verdade venha à tona, antes que seja tarde demais."

Sarah releu o parágrafo várias vezes, tentando processar as palavras. Algo estava naquela casa? O que ele queria dizer com isso? Um surto de loucura? Um delírio antes da morte?

— Encontraram essa carta em uma gaveta secreta na casa ontem — disse Mendes, quebrando o silêncio. — Junto com algumas outras pistas que nunca foram vistas antes. O caso foi oficialmente reaberto por conta disso.

— "Algo estava naquela casa"... — Sarah repetiu em voz baixa, ainda tentando entender o significado das palavras. — Você acha que ele estava falando de algo... sobrenatural?

Mendes deu de ombros, mas havia uma tensão em sua expressão que Sarah não tinha visto antes.

— Eu sou cético, Sarah. Nunca acreditei nessas coisas. Mas tem algo nesse caso que me incomoda desde o início. Mesmo naquela época, os investigadores disseram que havia detalhes que não faziam sentido. E agora, com essa carta...

Sarah fechou o dossiê, sentindo o peso da situação em suas mãos. Algo sobre a história a deixava desconfortável, uma sensação de que estava prestes a entrar em um território desconhecido, onde a lógica nem sempre tinha todas as respostas. Ela olhou para Mendes, que já estava pegando o casaco.

— Para onde vamos? — perguntou, tentando disfarçar a inquietação.

— Vamos recomeçar do início — respondeu Mendes. — A casa dos Miller. É lá que tudo começou, e talvez seja lá que vamos encontrar nossas respostas.

A delegacia parecia mais silenciosa do que nunca enquanto eles saíam. Sarah sentia o coração bater mais forte no peito. Seu primeiro dia estava se tornando algo muito diferente do que havia imaginado. Agora, ela estava no centro de um mistério que perdurava por quase três décadas.

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Comments

Maria Eduarda Oliveira

Maria Eduarda Oliveira

🤔 estou pensando aqui será que é tem alguma coisa sobrenatural 👻

2024-10-18

0

Simara Moreira

Simara Moreira

É uma história interessante

2024-10-09

1

🧟

🧟

já estou gostando

2024-10-06

1

Ver todos

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