O festival de Queluzito estava no auge. As luzes da praça lançavam um brilho suave sobre a multidão, e a música misturava-se com o som das conversas e risadas. Renan ainda mantinha sua postura distante, afastado das festividades, como se fosse apenas um observador invisível. Ele havia se retirado para uma área mais tranquila, onde podia ver o movimento das pessoas sem se expor.
Enquanto andava pelo perímetro do evento, Renan refletia sobre o que havia testemunhado mais cedo — seus irmãos reunidos, rindo e conversando como se o tempo não tivesse mudado nada. A saudade misturava-se com um certo alívio por ainda estar distante deles, mas também havia algo mais — um desejo quase imperceptível de voltar. Mas, por enquanto, o silêncio era seu refúgio.
No entanto, seu isolamento não duraria por muito tempo. Ao longe, ele avistou uma figura familiar: Ana, que caminhava despreocupada, segurando uma sacola com algumas lembranças do festival. Ela estava sozinha, com um leve sorriso no rosto, observando o movimento ao redor com um ar tranquilo, diferente da energia contida que sempre envolvia Renan.
Por um breve momento, ele considerou sair dali sem ser notado, mas antes que pudesse decidir, os olhos de Ana se cruzaram com os dele. Havia algo inegavelmente natural na forma como ela o via, sem julgamentos ou perguntas não ditas. Ela não hesitou em se aproximar.
— Eu sabia que você não ia resistir ao festival por muito tempo — disse ela com um sorriso leve, parando ao lado dele.
Renan deu um meio sorriso, um reflexo quase automático, mas ainda carregado de seu jeito reservado.
— Não é muito meu tipo de lugar, para ser honesto — respondeu ele, seus olhos vagando para a praça lotada.
Ana inclinou a cabeça levemente, como se estivesse estudando suas palavras, mas sem forçar nenhuma conclusão.
— Eu também achei que não era o meu — ela disse, olhando ao redor. — Mas tem algo... reconfortante em tudo isso. Talvez seja o fato de que, por alguns momentos, ninguém parece estar preocupado com nada além de aproveitar a noite.
Renan não respondeu imediatamente, mas sentiu o peso daquelas palavras. Ele, mais do que ninguém, sabia o que era carregar preocupações e segredos. O contraste entre o clima leve do festival e a tempestade de pensamentos que carregava o deixava inquieto.
— E você? — perguntou ela, virando-se diretamente para ele. — Conseguiu aproveitar a noite?
Renan balançou a cabeça, quase imperceptivelmente.
— Aproveitar talvez seja a palavra errada — disse ele, com um suspiro leve. — Estou só... observando.
Ana assentiu, entendendo o que ele quis dizer. Ela não era do tipo que pressionava por mais do que ele estava disposto a oferecer, e Renan apreciava isso. A presença dela, apesar de ser recente, trazia uma estranha sensação de paz. Ela sabia como ocupar o espaço ao lado dele sem sobrecarregar.
— Quer dar uma volta? — sugeriu ela, quebrando o silêncio.
Renan hesitou por um segundo. Parte de si queria recusar, voltar para a solidão que havia se tornado familiar. Mas outra parte, mais fraca, mas presente, queria aceitar. Havia algo em Ana que o fazia baixar a guarda, ainda que de forma sutil.
— Por que não? — disse ele finalmente, surpreendendo a si mesmo.
Eles começaram a caminhar juntos, sem rumo definido. O barulho do festival parecia distante agora, e o silêncio entre eles era confortável, sem a necessidade de ser preenchido por palavras forçadas. Era como se ambos soubessem que, às vezes, estar ao lado de alguém bastava.
Enquanto caminhavam, Ana quebrou o silêncio.
— Você não fala muito sobre você, Lucas — disse ela suavemente, olhando para ele de lado.
Renan sentiu o peso da pergunta disfarçada na observação. Ele não gostava de falar sobre si mesmo, e com Ana, ele havia construído uma versão simplificada de sua vida. Ainda assim, a franqueza dela o pegou de surpresa. Ela não estava pressionando, mas também não estava ignorando o fato de que havia muito sobre ele que permanecia escondido.
— Não é muito interessante — respondeu ele, evasivo, mas não rude.
Ana sorriu, como se esperasse essa resposta.
— Todo mundo tem uma história. Às vezes, as menos óbvias são as mais interessantes — retrucou ela, dando de ombros, sem insistir.
Renan riu levemente, apesar de si mesmo. Havia algo na simplicidade com que Ana lidava com o mistério ao seu redor que o desarmava, como se ele pudesse manter seus segredos sem se sentir sufocado por eles.
— Talvez um dia eu te conte uma parte dela — disse Renan, quase sem perceber o que estava prometendo.
— Eu vou cobrar isso — respondeu ela, brincando, mas com um brilho sério no olhar.
O caminho os levou de volta para perto das barracas, onde o cheiro de comida misturava-se com o som de música ao vivo. Ana apontou para uma das barracas de doces.
— Vamos pegar algo para comer? — sugeriu ela. — Não sei quanto a você, mas eu adoro doces de festa.
Renan hesitou por um momento. Pequenas interações como essa sempre o deixavam desconfortável. Ele não estava acostumado a momentos de leveza, mas, surpreendentemente, sentiu que podia relaxar com Ana. Talvez fosse o fato de ela não esperar nada além de sua companhia.
— Tudo bem — respondeu ele, seguindo-a até a barraca.
Enquanto esperavam para serem atendidos, Renan observou Ana por um momento, vendo como ela interagia com o vendedor, rindo e escolhendo os doces com uma leveza que ele não via em si mesmo há muito tempo. Ele se pegou pensando em como ela parecia tão diferente de tudo o que ele estava acostumado. E talvez fosse exatamente isso que ele precisava.
Quando pegaram os doces, Ana ofereceu um para ele.
— Tenta esse, é o meu favorito.
Renan pegou o doce, e enquanto mordia, percebeu que o sabor doce contrastava com a amargura interna que ele vinha carregando. Por um momento, algo mudou dentro dele. Talvez, só talvez, ele pudesse permitir-se aproveitar momentos como aquele.
Eles continuaram caminhando pelo festival, comendo os doces e conversando sobre pequenas trivialidades. Renan, pela primeira vez em muito tempo, sentiu que não estava apenas observando o mundo ao seu redor, mas fazendo parte dele.
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Atualizado até capítulo 29
Comments
Maria Nice Grudgen
Que bom
2024-10-11
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